Para empresas privadas, especialmente aquelas que contratam com o poder público ou atuam em setores regulados, investir na cultura de integridade deixou de ser apenas uma boa prática – é uma decisão estratégica de gestão de riscos, com impacto direto na sustentabilidade do negócio.
Como prova, basta verificar o relatório disponibilizado pela Controladoria-Geral da União (CGU) em setembro, dedicado à análise da dosimetria de 159 multas aplicadas pela CGU e fundamentadas na Lei Anticorrupção, desde a vigência da lei até o final de 2024.
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Dentre os principais resultados identificados, a CGU inicialmente focou na alíquota de multa adotada. A Lei Anticorrupção prevê em seu artigo 6º, inciso I, que a base de cálculo da multa é o faturamento bruto da pessoa jurídica no último exercício anterior ao da instauração do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR), excluídos os tributos. A alíquota a ser adotada pode variar de 0,1% a 20%, mas o valor da multa nunca poderá ser inferior à vantagem auferida pela pessoa jurídica, quando for possível a sua estimação.
A CGU identificou que a alíquota nos PARs analisados variou de 0,1% a 11%, sendo 3,1% a média de valor de alíquota e 2,5% a mediana. Em 75% das multas aplicadas, a alíquota variou entre 0,3% e 5%. Quando aprofundada a análise das alíquotas para identificar suas relações com o critério mínimo de vantagem auferida, a CGU identificou que cerca de 21% das multas adotaram como limite mínimo o valor da vantagem auferida e 8,8% das multas tiveram sua alíquota superior a 100%, em razão da necessidade de se observar o valor mínimo da vantagem auferida.
Para cálculo da alíquota correspondente, a CGU analisa agravantes e atenuantes previstas em decretos de 2015 e 2022. O relatório da CGU também apresentou dados quantitativos de agravantes e atenuantes.
As três agravantes mais consideradas foram tolerância da alta gestão (aplicada em quase 90% dos casos), concurso ou continuidade da prática (aplicada em cerca de 60% dos casos) e situação econômica do infrator (aplicada em cerca de 40% dos casos). Em relação ao valor da alíquota aplicada para cada agravante, as três principais alíquotas, em média, foram a interrupção de obra ou serviço (2,8%), o valor dos contratos (2,6%) e a tolerância da alta gestão (2,5%).
Em relação às atenuantes, as três mais utilizadas foram a inexistência de dano ou não comprovação de dano (cerca de 50% dos casos), a colaboração da pessoa jurídica (cerca de 40% dos casos) e a comunicação espontânea (cerca de 30% dos casos). As atenuantes resultaram em reduções na seguinte ordem de relevância, para programas de integridade (média de 2%), para ressarcimento (1,4%) e para comunicação espontânea (média de 1,4%). Uma informação destacada pela CGU foi a de que praticamente não houve ressarcimento de danos. Em quase 50% dos casos, houve comprovação de danos e em apenas 8% houve ressarcimento.
A CGU também destacou que os dados quantitativos podem ter sido afetados pelas alterações implementadas pelo Decreto de 2022, que alterou os percentuais relacionados a algumas agravantes e atenuantes. Por exemplo, o referido Decreto de 2022 aumentou o peso das agravantes de concurso de atos e de tolerância da alta gestão com a prática. Por outro lado, aumentou o teto para atenuação de programa de integridade. No entanto, não há correlação explícita entre a entrada em vigor do Decreto de 2022 com o Decreto de 2015.
A relevância do programa de integridade foi destaque específico do relatório a CGU. Enquanto no Decreto de 2015 a existência de programa de integridade efetivo era capaz de atenuar a multa aplicável de 1% a 4%; o Decreto de 2022 elevou esse limite, passando a admitir a redução de até 5%.
Comparativamente em relação ao relatório da CGU de 2023, na análise atual, a CGU identificou que 11,3% das sanções de multa foram atenuadas pela existência de um programa de compliance efetivo. Na primeira edição do Relatório, de 2023, esse percentual havia alcançado 10,8%. Destaca-se que o relatório anterior analisou 65 sanções de multa, enquanto o relatório atual analisou o total de 159 multas, provavelmente incluindo as 65 sanções examinas em 2023. Esse incremento, ainda que modesto, evidencia a gradativa incorporação de mecanismos de integridade.
Segundo o Relatório de 2025, em média, as empresas que obtiveram a redução alcançaram um percentual de 2,2% sob o Decreto de 2022 e média de 1,7% sob o Decreto de 2015. Embora os programas avaliados atingiram menos da metade do valor total possível da atenuante, o incentivo apresentou resultados concretos: segundo o Relatório de 2025, a adoção do programa de compliance pelas empresas resultou em redução efetiva no valor das multas de 16,2% a 97,1%, e uma redução média de 39,4%. No Relatório de 2023, esses valores foram de 16,3% a 36,3%, e valor médio de 24,7%.
Em linha com a tendência de incentivar a adoção de programas de integridade, a Lei de Licitações determinou que o programa de integridade seria obrigatório nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto; nos critérios de desempate, em caso de empate entre duas ou mais propostas; e na condição de reabilitação do licitante ou contratado que incorra nas sanções previstas na Lei de Licitações.
Além disso, determinou que a existência de um programa de integridade seria considerada quando da aplicação das sanções previstas na Lei. Neste mesmo sentido, em abril deste ano, foi aberta Consulta Pública para discutir minuta de Portaria que definirá os procedimentos e a metodologia para a avaliação de programas de integridade no âmbito da Lei de Licitações.
No contexto de soluções consensuais, a exemplo do acordo de leniência e termo de compromisso (anteriormente denominado como julgamento antecipado), a existência de programa de integridade é considerada em 29,2% dos casos de acordos. Tamanha a relevância dos programas de integridade que o Decreto de 2022 formalizou o monitoramento das obrigações relativas ao programa de integridade no contexto das leniências. No entanto, segundo o Relatório de 2025, a média do valor da atenuante obtida pelas empresas é de 2,0%, menor que os 2,1% dos casos não consensuais.
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Quanto à dosimetria da multa em soluções consensuais, em julho foi aberta consulta pública acerca de Portaria que visa estabelecer critérios e procedimentos para a negociação, celebração e acompanhamento do cumprimento dos acordos de leniência. Uma importante mudança a ser implementada pela Portaria é a metodologia para cálculo da vantagem auferida, que estabelecerá a possibilidade de desconto condicionado à situação econômica da empresa.
O Relatório de 2025 confirma que a implementação de programas de integridade efetivos traz benefícios financeiros concretos às empresas, além de mitigar riscos reputacionais e jurídicos. Embora ainda poucas organizações consigam comprovar programas robustos, aquelas que o fazem obtêm reduções relevantes nas penalidades, além de maior previsibilidade no relacionamento com o setor público.