Novo presidente do STF, Fachin tem perfil discreto, mas com posições marcantes

Em meio a ataques nunca vividos, o Judiciário brasileiro passará por mudanças em seu comando com a chegada de Edson Fachin à presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) a partir de segunda-feira (29/9). Se na forma Fachin se apresenta com discrição, tecnicismo acadêmico e vocabulário erudito, no conteúdo, o ministro não costuma desviar de situações divisivas, mesmo diante de possíveis desgastes que elas possam causar — e esse perfil deve ser mantido durante a sua presidência.

Partiu de Fachin a decisão que trouxe Lula de volta ao jogo político — o que desagradou parte da política brasileira e intensificou o movimento de descontentamento com as decisões do Supremo. Também foi o magistrado que definiu parâmetros para diminuir a letalidade policial, impondo, inclusive, o uso de câmeras em fardas policiais — o que gerou mal-estar com governadores e agentes de segurança pública. O ministro também conseguiu classificar o crime de injúria racial como imprescritível e afastou o marco temporal das terras indígenas —pautas que costumam trazer incômodos sociais e econômicos.

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À frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2022, disse a jornalistas que as eleições são feitas por “forças desarmadas” em plena tensão da Justiça eleitoral com o ex-presidente Jair Bolsonaro e militares diante de ataques a urnas eletrônicas. No TSE, Fachin chamou embaixadores para falar sobre o sistema de votação brasileiro. Em resposta, Bolsonaro fez um encontro também com embaixadores para colocar em dúvida o sistema eletrônico usado nas eleições brasileiras — o que lhe rendeu a sua primeira inelegibilidade.

O que se observa a partir desses exemplos é que, como juiz, Fachin age com circunspecção, mas não com passividade com temas que lhe são caros. E essas características devem aparecer em seu mandato de 2 anos presidindo a Corte que ganhou notoriedade global após ter suas decisões questionadas e sua legitimidade exposta por críticas destiladas pelo presidente Donald Trump que classificou a atuação do tribunal como “caça às bruxas”.

Não há dúvidas dentro da Corte que, em sua gestão, Fachin deve tentar imprimir estilo mais discreto de atuação, mas não se furtará a defender a Constituição e a instituição STF — em uma presidência que deve assemelhar-se mais com a da ministra Rosa Weber do que de outros presidentes como Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso.

O ministro deve trabalhar para reverter o que ele mesmo chama de “limiar de exaustão institucional”. Fachin sabe que o STF vive em uma situação de crise sem precedentes, mas deve tentar desviar o tribunal desse teto de vidro que se instalou nos últimos anos.

Assim como Barroso esperou — mas não aconteceu — Fachin deve tentar imprimir certa normalidade à Corte. Durante seu mandato, Barroso apostou em recuperar a legitimidade do tribunal a partir do debate público, por meio de presença na imprensa e em eventos, mas acabou tragado pela realidade de um tribunal no epicentro de tensões geradas, sobretudo, por julgamentos do ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados por tentativa de golpe, da responsabilização das redes sociais sobre conteúdos postados por usuários e das emendas parlamentares.

Uma das máximas de Fachin é “ao direito o que é de direito e à política o que é da política”. Em uma interpretação superficial, pode parecer que o ministro não vai dialogar com outros Poderes, sobretudo, o Congresso, que está em atrito com o Judiciário e em busca de mecanismos para diminuir a força do Supremo. Entretanto, interlocutores próximos a Fachin apostam que ele não vai se esquivar das conversas e que está disposto a promover contenção do Judiciário para equilibrar melhor os poderes.

Como ele mesmo já disse, é preciso reconhecer que o STF não é árbitro único e que a democracia exige uma rede institucional — ou seja, a Corte tem um papel crucial na proteção da Constituição e na contenção de riscos autoritários, mas os outros atores, Executivo, Legislativo, partidos, imprensa e sociedade civil, são necessários atuando com contenção e dentro das regras do jogo.

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Na gestão de Fachin, as pautas de direitos humanos, indígenas e de minorias devem ter prioridade frente às disputas mais empresariais. A matéria trabalhista deverá ser analisada caso a caso, uma vez que Fachin tem uma linha mais protecionista e é minoria na Corte. A temperatura poderá ser medida na discussão sobre a uberização prevista para a primeira sessão que Fachin presidirá. O magistrado entende que esse grupo é super vulnerável e precisa de algum tipo de proteção. Neste caso, pode haver alguma solução intermediária.

Em sua atuação como ministro, Fachin costuma ser leal às suas teses, o que traz alguma previsibilidade a depender do tema. O ministro não se seduz com argumentos puramente focados em governabilidade e impacto fiscal, ele até leva em consideração esse tipo de justificativa, tanto que modula efeitos das decisões do Supremo, mas eles não são determinantes para os votos.

Nos bastidores da Corte, antes mesmo da posse, as mudanças começaram a ser sentidas e Fachin deve imprimir alterações importantes no dia a dia do STF — a começar pelo aumento de discussões em grupos temáticos e mais disciplina com rotinas de trabalho.

Como presidente do STF, o magistrado deve trazer alterações no plenário virtual e tentar fortalecer o plenário físico para tentar maior adesão e debate entre os ministros; as conciliações também devem passar por mudanças, assim como ele vai fortalecer as relações do Supremo com cortes internacionais, em especial, na América do Sul.

Ao assumir o STF, Fachin também assume o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável pelas políticas do Judiciário. No CNJ, ele deve focar em consolidar direitos de minorias e deve alterar benefícios dos magistrados — uma das principais críticas à gestão do Barroso, cujos gastos do Judiciário total chegaram a R$ 146 bilhões.

Mesmo sendo um perfil mais solitário na Corte, Fachin conquistou a cordialidade dos colegas de colegiado. O magistrado é respeitado mesmo por ministros que pensam de maneira distinta a ele. Essa relação cordial foi construída em grande parte por conta da postura de Fachin — ele é um ministro discreto, educado, aparece relativamente pouco na imprensa, possui grande conhecimento teórico e apresenta votos densos, extensos e elaborados.

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Ministros ouvidos pelo JOTA o classificam como um “jurista de aportes mais filosóficos” e menos ligado ao Direito mais formal e positivo. Como defende o próprio Fachin em seus escritos, o direito é um produto histórico-cultural e que a justiça não basta ser justa, precisa ser compreendida.

A dificuldade de Fachin como presidente será conter as pressões internas e externas — as esperadas e as inesperadas — e como ele vai lidar com desafios práticos que exigem mais jogo de cintura e assertividade, como a autocontenção dentro do próprio STF e as críticas e desconfianças quanto à atuação jurisdicional da Corte.

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