Nos últimos anos tem crescido a preocupação de diferentes players em torno da construção de uma nova arquitetura financeira internacional para que o planeta possa superar as desigualdades entre o Norte e o Sul Globais e viabilizar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), cujos custos são estimados em US$ 2 trilhões anuais.
Essa inquietação constou de editorial da prestigiosa revista científica Nature no final do ano passado, que avaliava que 2025 concentraria esforços para viabilizar esta mudança, impulsionando a economia verde.
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A expectativa da Nature estava concentrada na realização da 4ª Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento da ONU, em junho e julho, em Sevilha (Espanha), que ofereceria uma oportunidade para reformar a governança financeira do mundo, essencial para o desenvolvimento sustentável. Contudo, o Compromisso de Sevilha, documento final do encontro, não atingiu os compromissos para superar o desafio do financiamento climático e a preservação planetária, mesmo com as 130 iniciativas propostas.
A busca por uma nova arquitetura financeira implica em incorporar princípios de sustentabilidade de longo prazo, reforma dos mecanismos de financiamento para atingir os países mais vulneráveis e mudança no papel que os bancos centrais possuem no combate à crise climática, orientando o mercado à sustentabilidade ambiental, promovendo iniciativas como investimentos verdes, financiamento de projetos de mitigação e adaptação e até definição de subsídios públicos para contribuir com a transição para uma economia de baixo carbono.
Para medir as correlações entre mudanças climáticas e políticas financeiras criou-se um ranking dos bancos centrais do G20, com base em consultas a especialistas e banqueiros pelo Green Central Banking. Nesse levantamento, o Brasil ocupa o 5º lugar, sendo superado apenas pela França, Alemanha, Itália e União Europeia, obtendo 71 pontos, Nota B- (em escala de A +até F). O Brasil fica à frente de países como China, Rússia, Estados Unidos, entre outros.
O Banco Central brasileiro tem impulsionado a sustentabilidade e recentemente lançou a 5ª edição do Relatório de Riscos e Oportunidade Sociais, Ambientais e Climáticos (RIS), que consolida o compromisso com a sustentabilidade, inclusive, com engajamento na COP30, que ocorrerá em Belém em novembro.
O próprio BC elenca o que considera avanços regulatórios: “obrigatoriedade de as instituições financeiras elaborarem e divulgarem relatório de informações sobre sustentabilidade; a consulta pública sobre ativos e passivos de ações de sustentabilidade; e a ampliação da divulgação de informações por instituições financeiras. No crédito rural, foram aprovadas diversas mudanças no Manual de Crédito Rural, e há em perspectiva o projeto de aprimoramento do Bureau”.
Primeiro colocado no ranking, o Banco Central da França é enfático ao ressaltar que as mudanças climáticas são uma fonte de riscos financeiros, sendo que o combate às mudanças climáticas está no centro de seu plano estratégico intitulado “Construir Juntos 2024”, formado por cinco ações, que buscam preparar a instituição para enfrentar os riscos físicos e de transição associados às mudanças climáticas: i) adaptar as operações de política monetária aos riscos climáticos; ii) aumentar a consideração do setor financeiro sobre o risco climático; iii) avaliar toda a gama de riscos climáticos nas classificações das empresas; iv) comprometer-se ativamente com a neutralidade de carbono e v) buscar a sobriedade digital em todos os nossos usos.
Em 6º lugar, subsequente ao Brasil, a China também registra mudanças no papel atribuído ao seu banco central. Pesquisadores chineses apontam que os impactos das medidas adotadas pelo Banco Popular da China, ao incluir ativos verde como garantia elegível para Linha de Crédito de Médio Prazo, vem implicando em melhoria das pontuações ESG nas empresas listadas que foram afetadas, sendo que o emprego de novos instrumentos de política monetária podem levar a China a um desenvolvimento econômico mais sustentável.
País que ditou a atual arquitetura financeira do mundo após a Segunda Guerra, os Estados Unidos não deixam de ter um olhar para a questão. “Acredito que o risco climático é um risco real para nós como sociedade e provavelmente será um risco para o sistema financeiro”. A frase é de Michael Barr, membro do Conselho de Governadores do Federal Reserve e uma das autoridades monetárias mais respeitadas dos EUA, para quem um risco climático deve ser tão preocupante quanto os demais riscos. Contudo, o Fed fechou no início deste ano o seu Comitê de Supervisão Climática e deixou a Rede de Bancos Centrais e Supervisores para um Sistema Financeiro Verde.
Independente da indefinição no horizonte dos EUA, bancos centrais têm buscado mensurar a resiliência do sistema financeiro às mudanças climática por meio dos testes de estresse climático, que consistem em simulações que avaliam como choques relacionados ao clima — físicos ou de transição — são capazes de afetar a saúde financeira de bancos, seguradoras, fundos de investimento e, por extensão, a estabilidade do sistema financeiro como um todo.
Os cenários utilizados para o teste são projetados por organizações, como o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), braço científico da ONU. Esses testes são inspirados nos testes de estresse tradicionais usados para avaliar a resiliência das instituições financeiras diante de crises econômicas, mas incorporam variáveis e cenários específicos relacionados ao clima.
Os riscos físicos estão relacionados aos danos diretos causados por eventos climáticos extremos ou mudanças graduais no clima . Já os riscos de transição envolvem às mudanças políticas, tecnológicas e regulatórias necessárias para mitigar as emissões de gases de efeito estufa.
Nessa nova perspectiva de construção de uma nova e sustentável arquitetura financeira global, também há iniciativas coletivas que trazem sua contribuição, como da Rede para Ecologização do Sistema Financeiro (NGFS), que consiste em uma coalizão global de bancos centrais e autoridades de supervisão financeira, que desempenha um papel estratégico na integração dos riscos climáticos e ambientais ao sistema financeiro internacional. Criada em 2017, a NGFS surgiu como resposta à crescente conscientização sobre os impactos da mudança climática na estabilidade financeira e à necessidade de alinhar o setor financeiro com os ODS do Acordo de Paris.
A importância da NGFS reside em sua capacidade de promover cooperação técnica, disseminar boas práticas e desenvolver ferramentas analíticas de orientação, como elaborar cenários macroeconômicos, que simulam os impactos de diferentes trajetórias de emissões de carbono, permitindo que bancos centrais e instituições financeiras avaliem riscos e adaptem suas estratégias.
A Rede ainda possibilita que os supervisores integrem riscos ambientais nas análises de solvência, liquidez e estabilidade das instituições financeiras e atua como plataforma de troca de conhecimento, fortalecendo capacidades técnicas em países em desenvolvimento e promovendo uma abordagem coordenada para a “ecologização” do sistema financeiro.
Os números globais mais do que justificam a decisão dos bancos centrais que caminham no sentido de uma nova arquitetura financeira, alinhada ao ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança), uma vez que os impactos das mudanças climáticas custaram ao mundo US$ 320 bilhões em 2024.
A atual estrutura financeira internacional, baseada em modelos de crescimento econômico intensivo em carbono, mostra-se inadequada para enfrentar os desafios da sustentabilidade. A crise climática exige investimentos trilionários em energias renováveis, infraestrutura resiliente, conservação ambiental e adaptação às mudanças climáticas — especialmente em países em desenvolvimento, que enfrentam limitações fiscais e vulnerabilidades socioeconômicas.
Nesse entrelaçamento entre clima e finanças, a atuação de organismos multilaterais e de consultorias especializadas ganham um papel quase interseccional: são intérpretes do indizível, que traduzem métricas áridas em mapas de futuro. Mais do que números, oferecem bússolas — antecipam riscos, iluminam oportunidades e ajudam a erguer pontes entre a arquitetura financeira global e as urgências da sustentabilidade. É nesse trabalho silencioso de mediação que, muitas vezes, se desenha a possibilidade real de transformar promessas em práticas.
Nessa corrida, a COP30 pode ser considerada o segundo fórum global de 2025, depois de Sevilha, que oferecerá uma oportunidade para que líderes globais avancem na construção de uma arquitetura financeira mais verde. A Conferência do Clima em Belém tende a ser um espaço decisivo para redefinir alguns novos fundamentos financeiros mundiais ligados à crise climática.
Parte do sucesso do evento dependerá da capacidade de os países transformarem promessas em mecanismos concretos de financiamento e cooperação internacional. Em um contexto de crescente urgência ambiental, a conferência pode ser decisiva para que o sistema financeiro global se reinvente e se torne também um agente da transformação sustentável.