Como descrito ao final do artigo anterior desta série, a consolidação institucional do modelo de advocacia pública federal se deu no transcorrer dos debates e sucessivas versões dos substitutivos que marcaram as discussões na Constituinte.
No 1º substitutivo do relator Bernardo Cabral, publicado em agosto de 1987, manteve-se a opção pelo parlamentarismo como sistema de governo, mas o Título V — que tratava da Organização dos Poderes e do Sistema de Governo — foi reformulado.
Passou a contar com: Legislativo (Capítulo I), Executivo (Capítulo II), Governo (Capítulo III) e Judiciário (Capítulo IV), como no Anteprojeto Arinos, além das “Funções Essenciais ao Exercício dos Poderes” (Capítulo V), englobando a Advocacia (Seção I) e o Ministério Público (Seção II). A Advocacia (Seção I), por sua vez, subdividia-se em Disposições Gerais (Subseção I), Procuradorias-Gerais da União, dos Estados e do Distrito Federal (Subseção II) e Defensorias Públicas (Subseção III).
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O exercício das funções de advocacia pública no âmbito federal, segundo o 1º substitutivo, ficaria a cargo da “Procuradoria-Geral da União”, com competência para representação judicial e extrajudicial — como previsto no Anteprojeto Arinos — acrescida da atribuição de exercer a “consultoria jurídica do Executivo e da administração em geral” (art. 175). Em comparação com o Anteprojeto, outra mudança relevante foi a criação das “Funções Essenciais ao Exercício dos Poderes” e a retirada dos órgãos da Advocacia Pública do conceito de Governo parlamentarista.
No 2º substitutivo do relator, publicado em setembro de 1987, manteve-se o parlamentarismo, mas o tema da Organização dos Poderes e do Sistema de Governo passou a constar no Título IV. O restante da estrutura seguiu o modelo do 1º Substitutivo, situando a Procuradoria-Geral da União entre as “Funções Essenciais à Administração da Justiça” (Capítulo V), responsável pela representação judicial e extrajudicial, bem como pela consultoria jurídica do Poder Executivo e da administração em geral (art. 146).
O art. 146 do 2º substitutivo detalhava, em seus parágrafos: a chefia da instituição (Procurador-Geral da União), a autoridade competente para sua nomeação e os requisitos para investidura (§ 1º); o ingresso na carreira por concurso público, garantindo aos membros, quando em dedicação exclusiva, o mesmo regime do Ministério Público (§ 2º); a organização por lei complementar de iniciativa do Presidente da República (§ 3º); e a forma de defesa da União nas comarcas do interior, a ser definida por lei ordinária (§ 4º).
Em boa verdade, vale registrar que a proposta constante do § 3º de equiparação entre membros do Ministério Público e da Advocacia Pública não podia ser vista como uma extravagância ou benefício inaudito. Tratava-se de replicar antiga diretriz constante do art. 1º da Lei 2.123, de 1º de dezembro de 1953, que estipulava que “os procuradores das autarquias federais terão, no que couber, as mesmas atribuições e impedimentos e prerrogativas dos membros do Ministério Público Federal, reajustados os respectivos vencimentos na forma do art. 16 da Lei nº 499, de 28 de novembro de 1948, de acordo com as possibilidades econômicas de cada entidade autárquica”.
Durante a sessão de 23 de setembro de 1987, os constituintes buscaram um paralelismo estrutural entre os planos federal e estadual, de modo que o Ministério Público Federal (MPF) perderia definitivamente a função de representação judicial da União, que passaria a ser atribuída à nova instituição. Como destacou o constituinte Ruben Figueiró, tratava-se de reproduzir no plano federal o modelo já consolidado nos estados:
“A Procuradoria Geral da União vem completar o ciclo que institucionaliza o órgão em todos os níveis de atuação do Estado perante a Justiça. Já de há muito que os Estados membros instalaram suas Procuradorias, às quais incumbiram da sua representação judicial e extrajudicial. Estranhamente, a União Federal ainda não adotara o mesmo critério, usando os serviços do Ministério Público Federal, que, assim, vem exercendo dúplice função, ou seja, a de advogado da União e de fiscal da Lei e de sua correta aplicação, condição esta na qual lhe cumpre a defesa dos interesses difusos da sociedade.
Nada mais anômalo e esdrúxulo, pois o advogado é parte no processo, representa interesses peculiares e particulares de quem o instituiu. O membro do Ministério Público, ao contrário, não integra a lide, é estranho aos interesses desta, fiscalizando a correta aplicação da lei e vigiando quanto a possíveis ofensas ao direito da sociedade.
O segundo Substitutivo do Relator fez a linha divisória, e o fez com absoluta propriedade. Instituindo a Procuradoria Geral da União, deferiu ao Ministério Público as suas funções especificas, próprias, sem a dúplice atribuição, reconhecendo o princípio corrente segundo o qual quem é parte no processo não pode ser, ao mesmo tempo, fiscal da lei e da sua correta aplicação”.
Havia consenso de que as funções atribuídas à nova instituição já eram, em parte, desempenhadas por diversos agentes públicos em ministérios, bem como em autarquias e fundações. A futura Constituição apenas unificaria e institucionalizaria tais funções sob estrutura única.
No 1º turno da votação em plenário, abandonou-se a denominação “Procuradoria-Geral da União”, presente desde o Anteprojeto Arinos, e adotou-se a expressão “Advocacia-Geral da União” para designar o órgão responsável pela advocacia pública no âmbito federal, incluindo a administração autárquica e fundacional. A mudança ocorreu com a aprovação da Emenda de fusão 2.040, defendida pelo constituinte Roberto Brant e aprovada em 12 de abril de 1988.
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Essa emenda também assegurou à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a competência para a execução fiscal da dívida ativa da União, consagrando a divisão de funções do MPF, e rejeitou a equiparação entre advogados públicos e membros do Ministério Público, especialmente quanto a prerrogativas como independência funcional, vitaliciedade e inamovibilidade — previstas no 2º substitutivo do relator.
Esses ajustes demonstram o esforço dos constituintes para institucionalizar formalmente a advocacia pública federal, conciliando a preservação de estruturas jurídicas existentes com os princípios de racionalidade administrativa e independência funcional. A aprovação da Emenda 2.040 marcou um ponto de virada nesse processo. É sobre essa emenda, suas controvérsias e os dispositivos finais aprovados na parte permanente da Constituição que trataremos no próximo artigo dessa série.