Criminalistas e tributaristas precisam trabalhar juntos

A persecução penal é um mecanismo poderoso de coação. Dentre muitos exemplos, a acerto dessa assertiva se faz notar da crescente aproximação entre o Direito Penal e o Direito Tributário, resultado da agressividade arrecadatória das autoridades fiscais.

Trata-se de um fenômeno objeto de reflexões tanto de criminalistas quanto de tributaristas que encontrou seu mais recente capítulo no precedente estabelecido pela 5ª Turma do STJ no ARESp 2.667.847/RS.

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O paradigma consolida a visão de que a suspensão de ação penal por crime fiscal é admissível quando houver uma discussão plausível do débito tributário na esfera cível e com potencial de repercussão na penal.

O precedente inova ao estabelecer que haverá comunicação sempre que a discussão tributária tiver “aptidão para dilatar o espectro de direitos do réu na ação penal, propiciando novas alternativas defensivas”.

Uma análise do julgamento já foi feita por Marcelo Ribeiro[1] com o brilhantismo que lhe é particular. Até pelo acerto com que o tema foi tratado naquela oportunidade, nossa reflexão dirige seu olhar para um outro aspecto.

Como esse precedente deve ser encarado pela advocacia?

Em outra ocasião, destacamos com Cairo Trevia que, no âmbito da interseção entre Direito Penal e Direito Tributário, “raramente, há uma construção colaborativa entre penalistas e tributaristas da tese defensiva, o que encurta a compreensão da hipótese acusatória e torna o agir na defesa dos interesses do investigado um tanto menos eficaz[2].

Tratava-se de uma crítica à insistência de muitos colegas em atuar de forma desassociada para lidar com problemas complexos de tributação, persecução criminal e atividade empresarial.

O receio é de que essa perspectiva acabe levando a uma leitura apressada do precedente. Algo no sentido de que as linhas entre os saberes se misturaram de tal forma que a resolução das repercussões penais de uma questão fiscal prescinde da presença de um criminalista: um equívoco retumbante.

No lugar de afastar a colaboração entre diferentes especialidades, o precedente confirma a necessidade de uma atuação complementar na construção de uma solução integral.

A defesa de um cliente no cenário colocado pelo paradigma exige tanto o trabalho do tributarista quanto o do criminalista, atuando de forma dialética. Enquanto ao primeiro caberá a arguição da discussão tributária no campo próprio, ao segundo cumpre o papel de contextualizar o porquê se está diante de uma hipótese de comunicabilidade à esfera penal.

Fala-se nesse binômio de arguição tributária + contextualização criminal pautado naquilo que a melhor doutrina coloca como assessoriedade do direito tributário ao penal quando o assunto é crime fiscal: a ideia de que a aplicação do primeiro ao último demanda um filtro para a adequação dos institutos em respeito às garantias penais[3].

Isso implica dizer que a acuidade na percepção defensiva de comunicabilidade a que o STJ alude demanda a presença de um expert que exerça essa ponderação própria, contextualizando ao juízo criminal o porquê há repercussão nas condições daquele caso concreto.

Lado outro, falta ao criminalista a capacidade de encontrar a melhor forma de arguir a questão cível do débito fiscal e, sejamos francos, de sequer perceber a existência de uma questão.

Uma leitura atenta do precedente revela que ele acabou por ratificar a necessidade de colaboração porque, enquanto a arguição penal depende da plausibilidade jurídica da tese tributária que só é alcançada pelo uso apropriado dos meios jurídicos próprios ao tributarista, o encerramento das repercussões penais desse ônus fiscal só é possível quando o criminalista emprega o filtro de adequação e, depois, submete-o ao juízo.

Nesse contexto, há inúmeras discussões tributárias – das mais simples às mais complexas – que podem fazer suspender o andamento da ação penal. Até porque o AREsp 2.667.847/RS é claro ao reconhecer que a quaestio tributária não precisa implicar extinção integral do valor para guardar repercussões penais, basta que dilate o espaço para o exercício da defesa criminal.

O que pode ocorrer das mais diversas formas. Por exemplo, com a potencial redução do tributo devido capaz de ensejar o pagamento integral do débito.

Controvérsias envolvendo juros abusivos (comumente aplicados por estados e municípios em inobservância do Tema 1062 da Repercussão Geral e da Emenda Constitucional 113/2021) são capazes de reduzir de forma significativa débitos tributários, notadamente quando os tributos exigidos são antigos.

Há, ainda, prescrições ordinárias ou intercorrentes que com frequência atingem partes relevantes da dívida tributária, sobretudo num cenário em que o Fisco não possui equipe para dar andamento ao elevado número de execuções fiscais ajuizadas.

Vale citar, ainda, as mais diversas teses tributárias que buscam excluir tributos das bases de cálculos de outros tributos (como a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, decidido favoravelmente aos contribuintes no julgamento do Tema 69 da Repercussão Geral).

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Esses são apenas alguns dos muito exemplos que demonstram uma única realidade: a complexidade dos problemas jurídicos contemporâneos exige respostas multidisciplinares. No contexto dos crimes fiscais, essa sofisticação se traduz na necessidade de uma defesa integral através da colaboração entre tributaristas e criminalistas.

O precedente do AREsp 2.667.847/RS não apenas autoriza essa abordagem integrada, ele a demanda. Ignorar essa realidade significa desperdiçar as oportunidades defensivas que o próprio STJ reconheceu existir, limitando artificialmente as possibilidades de uma advocacia que se pretenda estratégica e eficaz.

[1] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-prejudicial-civel-e-os-crimes-tributarios

[2] https://www.conjur.com.br/2023-jul-03/chagase-rutis-intersecao-entre-direito-penal-tributario/

[3] Passim em TANGERINO, Davi. Direito Penal Tributário e Estudos de Direito Penal Tributário – 2024

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