No próximo dia 29, o ministro Luís Roberto Barroso se despede da gestão do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O ministro Edson Fachin tomará posse como novo presidente do Supremo e terá Alexandre de Moraes como vice. Conduzido à presidência após a aposentadoria compulsória da ministra Rosa Weber, em setembro de 2023, Barroso sinalizou em seu discurso de posse que sua gestão seria pautada em três eixos: conteúdo, comunicação e relacionamento.
Na ocasião, o ministro explicou que o primeiro eixo seria destinado a buscar mecanismos para aumentar a eficiência da Justiça, avançar a pauta dos direitos fundamentais e contribuir para o desenvolvimento econômico, social e sustentável do Brasil. Na comunicação, a intenção seria a de melhorar a interlocução com a sociedade, “expondo em linguagem simples o nosso papel”. Já o terceiro eixo consistiria, segundo o ministro, em estar aberto para o mundo. “O Judiciário deve ser técnico e imparcial, mas não isolado da sociedade”, disse à época.
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Havia ainda a expectativa de que sua gestão poderia ser uma extensão da presidência da ministra Rosa Weber quanto ao avanço de pautas de direitos fundamentais, a exemplo da retomada da discussão sobre a descriminalização do aborto no Brasil – iniciada no fim da gestão da ministra, a única a se manifestar sobre o caso. Barroso, assim que foi empossado presidente do STF, avaliou que o tema era uma questão controversa em todo o mundo. E em seu ponto de vista, a discussão sobre o tema ainda não era amadurecida no país.
Considerou que havia necessidade de análises mais aprofundadas por envolver “sentimentos religiosos respeitáveis das pessoas”. ”Numa democracia, todo mundo merece respeito e consideração, mesmo quem pense diferente da gente”, destacou.
Na prática, a presidência de Barroso guiou-se pelos desdobramentos dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 – primeiras condenações aos réus que participaram dos atos e posterior recebimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) aos núcleos da trama golpista –, a defesa do papel do Supremo como o “guardião da democracia”, bem como pela busca de diálogo institucional entre os Três Poderes.
Na agenda de processos da gestão de Barroso, destacaram-se julgamentos como o do artigo 19 do Marco Civil da Internet – em que a Corte ampliou a responsabilização das plataformas digitais por conteúdo publicado por usuários –, a discussão envolvendo o piso da enfermagem e decisões envolvendo a ‘pejotização’. Embora não seja relator dos processos que versam sobre a controvérsia, a presidência do ministro também foi marcada pelo volume de decisões que cassaram acórdãos da Justiça Trabalhista que reconheciam vínculo empregatício.
Sobre o tema da pejotização, Barroso disse que hoje o mundo está discutindo novas relações contratuais de trabalho que protejam as pessoas que compõem esse “novo mercado de trabalho” e que não tenham a “rigidez, muitas vezes, da própria Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)”. De acordo com ele, “nós temos um mundo novo em que há um mercado de trabalho que não é mais o metalúrgico”. Esse mercado, conforme ilustrou o ministro, é formado pelo empreendedor individual, pelo motorista de Uber e pelo entregador do iFood, que já não quer, pelo menos em muitos casos, a subordinação tradicional do Direito do Trabalho, mas sim “todo tipo de flexibilidade”.
No Supremo, ainda não há previsão do julgamento do recurso que versa sobre a “pejotização”, o ARE 1.532.603, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, mas há uma audiência pública sobre o tema prevista para ser realizada no início do mês de outubro.
Já no CNJ, a presidência do ministro moldou-se pelo avanço do Programa Justiça 4.0, fruto de um acordo de cooperação firmado entre a instituição e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), pelo combate à litigância predatória e à alta judicialização no país, e pela implementação do Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples.
Confira as principais pautas que guiaram a presidência do ministro Barroso no biênio 2023-2025 no STF e no CNJ:
Supremo como ‘guardião da Constituição’
Em inúmeras ocasiões, o ministro Barroso se manifestou pela defesa da democracia do país, assim como defendeu o papel do Supremo como o guardião da democracia e da Constituição. Um exemplo recente é o discurso de encerramento do ministro na sessão de julgamento da 1ª Turma do STF que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros 7 réus por tentativa de golpe e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, em 11/9.
Ao encerrar a sessão a pedido de Cristiano Zanin, presidente da Turma, Barroso disse que “o Tribunal cumpriu a importante e histórica missão de julgar, com base em evidências às quais todos têm acesso, importantes autoridades civis e militares pela tentativa de golpe de Estado”. Ressaltou ainda que “ninguém sai feliz” do julgamento, mas que é preciso cumprir com coragem e serenidade “as missões que a vida nos dá”.
Na abertura do segundo semestre judiciário deste ano, Barroso também enalteceu a importância da Constituição de 1988, a atuação da Corte e a postura do ministro Alexandre de Moraes, relator das ações penais sobre a tentativa de golpe do Brasil, em 2022. O ministro declarou que “nem todos compreendem os riscos que o país correu e a importância de uma atuação firme e rigorosa”. Também disse que Moraes atua com “empenho, bravura e custos pessoais elevados”.
Após as explosões ocorridas na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF), em novembro de 2024, o ministro fez um discurso em que afirmou que o episódio seria um novo capítulo dos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. À época do discurso, em 14/11, o ministro disse que algumas pessoas foram da indignação à pena, procurando naturalizar o absurdo. “Não veem que dão incentivo para que o mesmo tipo de comportamento ocorra outras vezes. Querem perdoar sem antes sequer condenar. A gravidade do atentado de ontem nos alerta para a preocupante realidade que persiste no Brasil”, disse.
“Uma pequena revolução ética e espiritual é o que estamos precisando”, disse Barroso. “O Supremo Tribunal Federal, com sua função constitucional de guardião da Constituição, continuará a simbolizar os ideais democráticos do povo brasileiro, e a luta permanente pela preservação da liberdade, da igualdade e da dignidade de todas as pessoas”, concluiu.
‘Diálogo institucional’
Assim que tomou posse no Supremo, havia o questionamento sobre existir uma crise institucional entre o Congresso Nacional e o Judiciário por conta do avanço de pautas como a descriminalização do aborto e do porte de drogas para uso pessoal na Corte, o que o Legislativo entendeu como “usurpação de competência”. Em seu discurso, porém, Barroso afirmou não ver essa crise e que pretendia dialogar com a Casa legislativa de uma forma respeitosa e institucional, “como deve ser”
Quando questionado por jornalistas sobre a ”tomada de competências”, Barroso avaliou que o que existia era o que há em toda democracia: a necessidade de relações institucionais fundadas no diálogo, na boa vontade e na boa-fé. Por isso, afirmou que não teria dúvidas de que isso aconteceria entre o STF e o Congresso.
”A Constituição brasileira cuida de muitos temas que em outras partes do mundo são temas exclusivamente da política, mas ela [a Constituição Federal], além de organizar os poderes, organizar o Estado, trata de matérias tributárias, de saúde, educação, proteção do meio ambiente, dos indígenas”, afirmou. ”Portanto, o arranjo institucional brasileiro cria algumas superposições entre atuações que poderiam ser de interpretação constitucional ou que poderiam ser de matéria política”, prosseguiu.
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Ainda em seu discurso de posse, Barroso defendeu a independência entre os Poderes dizendo que cabe ao Tribunal a proteção dos direitos fundamentais. Em sua fala, declarou que “em uma democracia não há Poderes hegemônicos” e que “garantindo a independência de cada um, conviveremos em harmonia, parceiros institucionais pelo bem do Brasil”.
O ministro também aproveitou a ocasião para acenar ao Congresso e às Forças Armadas. Pontuou que em todo mundo a democracia constitucional viveu momentos de sobressalto, com ataques às instituições e perda de credibilidade, mas que, no Brasil, as instituições venceram, “tendo ao seu lado a presença indispensável da sociedade civil, da Imprensa e do Congresso Nacional”. “E, justiça seja feita, na hora decisiva, as Forças Armadas não sucumbiram ao golpismo”, ressaltou.
Combate à litigância predatória
O combate à litigância predatória também foi uma pauta que esteve bastante presente na gestão de Barroso ao longo deste último biênio. Em diversas oportunidades, o ministro se manifestou no sentido de que o Brasil vive uma “epidemia” de litigiosidade e judicialização. Em toda a justiça nacional, segundo o ministro, são mais de 83 milhões de processos em todas as áreas. ”É um fenômeno que nós [do Supremo] estamos buscando entender as causas pelas quais esses índices de judicialização no Brasil fogem do padrão global”, afirmou.
Ao fazer um comparativo com outros países, Barroso enfatizou que nenhum outro gasta entre R$ 70 e R$ 100 bilhões com precatórios como o Brasil. Por meio de dados obtidos pelo Justiça em Números, o ministro destacou em ocasiões anteriores que foi possível identificar as cinco maiores áreas de litígios – ou “principais gargalos”, como chamou – contra o Poder Público. São elas: servidores públicos, tributário (através das execuções fiscais), trabalhista e saúde.
Como medida para coibir o alto volume de litígios no país, em outubro do ano passado, o CNJ aprovou um ato normativo que estabelece medidas para identificar, tratar e prevenir o fenômeno da litigância predatória no Poder Judiciário. A medida entende como predatórios o desvio ou manifesto excesso dos limites do direito de acesso à Justiça. O voto conjunto com a proposta foi assinado pelo ministro e presidente do CNJ, Barroso, e pelo Corregedor-Nacional de Justiça, Mauro Campbell Marques.
“A atuação do CNJ e dos tribunais é fundamental para que a movimentação da máquina judiciária ocorra sem desvio de finalidade e para assegurar que seus esforços humanos e recursos materiais sejam direcionados à garantia do acesso à Justiça aos que efetivamente dela necessitam, mediante gestão eficiente das ações judiciais e tratamento adequado dos conflitos”, afirmou Barroso em seu voto. Confira a íntegra do voto.
Ao longo de seu voto, o ministro avaliou que o problema não compromete apenas o atingimento da Meta Nacional, mas também aumenta custos processuais, impacta o desenvolvimento econômico e prejudica o acesso à Justiça, sobrecarregando o sistema com demandas abusivas.
Em outras ocasiões, Barroso já havia se manifestado sobre o tema. Na ADI 3.995, declarou que “o volume desproporcional de processos compromete a celeridade, a coerência e a qualidade da prestação jurisdicional e importa em ônus desmedidos para a sociedade, à qual incumbe arcar com o custeio da máquina judiciária”.
Jus.BR
Em 2024, CNJ lançou oficialmente o Jus.BR, um portal de serviços unificados que promete garantir a consulta processual para todos os usuários externos, em qualquer lugar do país.
O portal foi instituído pela Resolução 455/2022, que estabelece a criação das funcionalidades de consulta processual, peticionamento inicial e intercorrente, login único e o envio de comunicações processuais por meio eletrônico. A ferramenta conta com 220 fontes de dados provenientes dos mais de 90 órgãos do Poder Judiciário do país, e o acesso ao portal é feito por meio de login único, integrado ao Gov.br.
Por meio do sistema, cidadãos podem consultar, com apenas alguns cliques, o andamento de processos de qualquer tribunal do país, assim como acessar documentos processuais. Já advogados têm acesso à consulta processual unificada, podendo realizar peticionamento intercorrente — uma possibilidade que visa otimizar o trabalho dos profissionais de direito.
Linguagem simples
Em dezembro de 2023, Barroso lançou o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples e conclamou a adesão da medida por todo o Judiciário. Com o lançamento do pacto, o presidente do Supremo e do CNJ buscava incentivar a adoção de uma linguagem simples, direta e compreensível na produção das decisões judiciais e também na comunicação geral do Judiciário, tornando a Justiça mais acessível à população.
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No evento que ocorreu em Salvador, Barroso afirmou que boa parte das críticas ao Judiciário decorriam da incompreensão sobre o que ”estão decidindo”. ”Com muita frequência, não somos compreendidos. […] A linguagem codificada, hermética e inacessível acaba sendo um instrumento de poder, um instrumento de exclusão das pessoas que não possuem aquele conhecimento e, portanto, não podem participar do debate”, declarou o ministro à época.
Por isso, Barroso considerou que linguagem simples no Judiciário estaria por trás do fortalecimento da democracia ao promover a igualdade de acesso à informação e à participação de todos os indivíduos no sistema jurídico.