Em meio às recentes turbulências na democracia brasileira, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sediou no dia 23 de setembro, no Rio de Janeiro, o seminário “Direito, Democracia e Crédito: Construindo um desenvolvimento sustentável e equitativo”. O encontro contou com representantes do governo, do sistema financeiro e da academia para discutir o papel das instituições brasileiras no enfrentamento das desigualdades, participação popular no orçamento e inovações no mercado de crédito.
Na oportunidade, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, lembrou as recentes manifestações contra o Projeto de Lei (PL) 2162/2023, a PL da Anistia, e a Proposta de emenda à Constituição 3/2021, chamada de PEC da Blindagem, ocorridas no último fim de semana por todo o Brasil, e disse que o compromisso com a democracia e liberdades ainda mobiliza novas gerações. Afirmou que não gostaria que seus netos vivessem o que gerações passadas experimentaram.
Na mesma linha, o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, defendeu que, diante das rupturas institucionais ocorridas durante o período do regime militar no Brasil, a atual geração tem um “compromisso ético e político em defender a democracia”. Disse que essa defesa decorre de instituições fortalecidas e que “a força das nossas instituições é fruto de um projeto em que o constituinte consolidou e fortaleceu o Poder Judiciário, o Ministério Público, a advocacia pública e a própria advocacia”.
Para o fortalecimento da democracia, diante das desigualdades econômicas e sociais, o país precisa avançar na construção de um novo pacto social, capaz de reduzir as assimetrias de poder e garantir direitos fundamentais a toda a população. “O desafio é compatibilizar a democracia para a grande maioria do povo, pois sem ela não se tem acesso aos bens fundamentais”, reflete a conselheira do Observatório da Democracia da AGU, ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Edilene Lôbo.
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A conselheira enfatiza que há um “descompasso” entre a população brasileira e os políticos e salienta que “a democracia representativa ainda se revela deficitária, pois não conta com a maioria do seu povo”. Um caminho possível seria ampliar a participação no orçamento, defendeu “colocar em prática um único mandamento do Estatuto da Igualdade Racial, que diz que o orçamento público tem que conter recurso especificamente para a promoção de microempresas de pessoas negras”
Para viabilizar um desenvolvimento equitativo, regulações democráticas como essa “são fundamentais”, é o que defende o também conselheiro do Observatório da Democracia da AGU, Mauro Menezes. Ele acredita que a contribuição do Direito seja na “elaboração de padrões regulatórios sintonizados com o texto constitucional” e que “é preciso valorizar a perspectiva de um pacto social antecedida por um diálogo, o pluralismo e o equilíbrio de poderes”.
No mesmo painel, o professor de Direito da FGV, Oscar Vilhena, ensina que o regime democrático precisa ser capaz de melhorar a vida das pessoas. “A sobrevivência da democracia é indissociável dos processos de desenvolvimento e da capacidade do Estado, mercado e demais setores em construírem as condições para que as pessoas se vejam melhor dentro do sistema democrático do que fora do regime democrático”, explica.
De acordo com os palestrantes, não basta apenas promover o crescimento econômico, é preciso assegurar que os frutos desse crescimento sejam distribuídos de forma equitativa, fortalecendo a cidadania e ampliando a confiança da sociedade nas instituições. “O preceito moral de qualquer regime democrático é a ideia de igualdade. Ou seja, onde não há uma concepção de igualdade, não existe jogo democrático possível”, concluiu Oscar Vilhena.
Transparência e participação
Para os especialistas, tornar os processos mais claros e acessíveis é fundamental para aproximar as instituições financeiras da sociedade e ampliar o controle democrático sobre a gestão de recursos públicos.
“A democracia, mais que um procedimento de garantia da igualdade material, de garantia das liberdades, é um mecanismo pelo qual a sociedade se organiza para disputar recursos escassos”, explica o diretor Jurídico do BNDES, Walter Baère. Defendeu que essa disputa deve passar por um “realinhamento de interesses” entre o Congresso, via orçamento, e a realocação de orçamentos públicos.
Já o diretor jurídico da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Luis Vicente de Chiara, refletiu sobre a democratização do crédito a partir da inclusão financeira, disse que “uma pessoa que está excluída do sistema financeiro que não tem uma conta corrente, não pode ter conta de pagamento ou não tem como transferir um recurso, está fora da sociedade”.
Para que essa inclusão fosse possível, segundo Chiara, houve uma “conjunção de regulação que permitiu a entrada de Instituições de Pagamento e Fintechs, e, na outra ponta, o avanço da tecnologia que permitiu que isso se fizesse”. Entretanto, houve um efeito colateral: o Banco Central abriu algumas flexibilidades do ponto de vista regulatório para o rápido incentivo de competição, a partir de 2019. “Uma delas foi que para a entrada de Instituições de Pagamento no sistema financeiro, não haveria necessidade de autorização do Banco Central”, lembra Chiara, o que possibilitou uma maior inserção do crime organizado no sistema financeiro formal.
“As instituições bancárias devem trabalhar para que haja uma inclusão social, haja sim uma modernização, que os serviços sejam melhores e mais baratos para todos, mas sem abrir uma brecha regulatória que permita um nível de insegurança como a gente teve nos últimos tempos”, ressalta.
Conselheira do Observatório da Democracia da AGU, ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Edilene Lôbo. Foto: BNDES/Divulgação
A superintendente da Área Jurídica Institucional do BNDES, Paula Saldanha, defendeu a transparência como pilar para a democracia. “Nossa experiência mostra que quanto mais transparente, mais fortalecida sai a democracia”, diz ao lembrar do sucesso da empresa pública na mudança de imagem, em que a lisura dos processos foi fundamental.
Novas tecnologias, novos desafios
O avanço de tecnologias, como moedas digitais de bancos centrais (CBDCs) e inteligência artificial, também esteve no centro dos debates. Para os participantes, a inovação não pode ser vista como ameaça, mas como oportunidade para expandir a inclusão financeira – desde que venha acompanhada de regulação sólida e mecanismos de proteção aos direitos dos cidadãos.
A procuradora-geral da União, Clarice Costa Calixto, destaca que os marcos regulatórios devem ser capazes de equilibrar segurança jurídica e inovação tecnológica e saiu em defesa do PL 2338/2023, que estabelece bases para o uso da inteligência artificial no país, sob perspectivas jurídica, econômica e ética.
“Apenas vamos conseguir pensar uma regulação adequada do crédito público nesse cenário da inteligência artificial se pensarmos no crédito público tendo as pessoas como pilar”. E conclui: “assim a gente vai pensar um desenvolvimento para todos os brasileiros, em especial aqueles em condições vulneráveis”. No mesmo sentido, a chefe do Departamento Jurídico de Operações e Canais Digitais do BNDES, Carolina Schabbach, disse que o uso da IA “não é só ameaça a direitos”, mas que possibilita “uma grande oportunidade para cumprir os objetivos constitucionais”.
No mesmo painel, o professor Lauro Emílio Gonzalez Farias, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), citou um estudo realizado pela instituição, Banco Central e Gates Foundation sobre a jornada de pessoas de baixa renda na inclusão financeira. Ele afirma que o “acesso e uso de serviços financeiros aumentou drasticamente em diversos países e o Brasil não ficou para trás”, porém, o endividamento e o comprometimento de renda também cresceram, indicando a necessidade de aprimorar a qualidade dos produtos de crédito.