EC 136/25 e seus efeitos nos juros de mora e correção monetária judiciais

O art. 3º da EC 113/2021, com redação dada pela EC 136/2025, tratou dos novos índices de juros e correção monetária para requisições (RPV e precatórios), com atualização monetária pela variação do IPCA e juros de mora de 2% a.a., com a ressalva de que se a soma da atualização monetária e dos juros de mora for superior à taxa Selic para o mesmo período, esta deve ser aplicada em substituição àquele.

Eis o teor da norma:

Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.

Art. 3º Nos requisitórios que envolvam a Fazenda Pública federal, a partir da sua expedição até o efetivo pagamento, a atualização monetária será feita pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples de 2% a.a. (dois por cento ao ano), vedada a incidência de juros compensatórios. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 136, de 2025)

1º Caso o percentual a ser aplicado a título de atualização monetária e juros de mora, apurado na forma do caput deste artigo, seja superior à variação da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para o mesmo período, esta deve ser aplicada em substituição àquele. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 136, de 2025)
2º Nos processos de natureza tributária serão aplicados os mesmos critérios de atualização e remuneração da mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 136, de 2025)

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Como se vê, alterou-se uma redação que expressamente abrangia as demandas judiciais (discussões e condenações relacionadas à Fazenda Pública) para tratar tão somente dos requisitórios decorrentes dessas demandas, ressalvadas as demandas tributárias (que permanecem inalteradas).

O art.100, §12º, CF/1988, informava que a atualização de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento seria feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidiriam juros simples no mesmo percentual de juros da caderneta de poupança, ficando excluídos juros compensatórios. Embora esta norma não tenha expressamente revogada pelas EC 113/2021 e 136/2025 (exceto em relação às questões não tributárias – ADI 4425, STF), ela foi esvaziada taticamente desde a EC 113/2021, não sendo o caso de se utilizar aquela norma após a EC 136/2025.

A norma que o regulamentou no plano infraconstitucional (art.1ª-F da Lei 9.494/1997, com redação dada pela Lei 11.960/2009), já fora declarada inconstitucional em relação ao índice de atualização. Os juros de mora permaneceram válidos por mais tempo. Com a EC 113/2021, os juros de mora informados na Lei 9.494/1997 foram suplantados.

Sem repristinação expressa (art.2º, §3º, LINDB), não há como seguir na aplicação dos juros daquela norma, após a EC 136/2025.

Diante desse vácuo normativo, volta-se para as discussões legislativas sobre a EC 136/2025.

Nestas, o senador Jacques Wagner (PT-BA), em seu Parecer 105/2025, salientou que:

“O art. 3º da PEC altera o art. 3º da Emenda Constitucional nº 113, de 8 de dezembro de 2021, fazendo com que a Selic deixe de balizar a correção e os juros aplicáveis às condenações da Fazenda Pública – em todos os níveis nacionais – e passando a fixar, para os precatórios não-tributários da União, a correção e os juros dados pelo menor valor entre a Selic e o IPCA + 2%, sendo este último calculado de forma simples”.

Os demais parlamentares estavam pragmaticamente preocupados com a iminente insolvabilidade das dívidas públicas, cujo passivo vinha sendo corrigido por índices bastantes elevados (taxa Selic). Logo, também endossaram a conclusão da EC 136/2025.

Em razão de a redação final ser omissa quanto aos índices de juros e correção monetária aplicáveis durante a tramitação judicial, duas hipóteses são possíveis:

a) Aplicação da taxa Selic até o trânsito em julgado das demandas, descontando-se desse valor o IPCA[1] sempre que os termos iniciais de juros e correção forem diversos, exatamente como indica o Código Civil após a Lei 14.905/2024. Isso é o que ocorre, por exemplo, nas indenizações por dano moral em decorrência de responsabilidade civil extracontratual, situação em que os juros são computados desde o evento danoso (súmula 54 do STJ) e a correção desde a prolação da sentença (súmula 362 do STJ).
b) Utilizar o mesmo índice de juros e correção monetária do art.3º da EC 113/2021, com redação dada pela EC 136/2025, ampliando para as demandas judiciais em tramitação a conclusão legislativa aplicativa aos requisitórios decorrentes.

Na primeira hipótese, teríamos uma norma essencialmente de direito privado aplicada à seara pública, com a ressalva de que ela seria o continuísmo da EC 113/2021 (redação original). Com isso, estaria mantida a unificação do tratamento da matéria.

A analogia supriria a lacuna legal, conferindo coerência e harmonia ao ordenamento jurídico. Apesar de haver uma assimetria com o que historicamente é conferido à Fazenda Pública – evitando um tratamento diferenciado privilegiado quanto a correção dos seus créditos –, a posição acima tem a virtude de por em igualdade todos os acréscimos legais nas dívidas civis em geral, mantendo aquilo que já estava posto na EC 113/2021.

Nessa linha, Ravi Peixoto indica a adoção do princípio da praticabilidade na eleição de um único índice para as ações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de ela ser autora ou ré (independentemente do polo que é, ocupa, como credora ou devedora)[2].

Na hipótese b, haveria uma outra analogia para reparar uma omissão proposital do constituinte derivado.

É provável que as Cortes Superiores (há ADI 7873 – STF, pendente de análise liminar) concluam pela hipótese b, afinal, numa avaliação política, a incidência de juros elevados, mesmo antes do trânsito em julgado, já incrementaria os débitos fazendários de forma elevada. Registre-se que, ao longo dos tempos, sempre se buscou uma forma de correção e juros para a Fazenda Pública que fosse menos onerosa do que aquela dos entes privados, por diversos argumentos, em especial a quantidade de demandas da Fazenda Pública.

Neste sentido, ao se debruçar recentemente sobre a constitucionalidade dos critérios legais (Leis 8.036/1990 e 8.177/1991) de correção monetária dos saldos das contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o STF (ADI 5090) adotou uma posição intermediária, de prestígio à liberdade de conformação do legislador na regulamentação de matérias de natureza  econômica, ao decidir pela validade da metodologia legal de remuneração do FGTS – correspondente a  juros de 3% ao ano mais a Taxa Referencial (TR) como fator de correção monetária, acrescida ainda de distribuição de parte dos lucros –, desde que não impliquem resultado inferior ao índice oficial de inflação (IPCA).

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Tem-se aí uma provável sinalização jurisprudencial acerca da validade da decisão política veiculada na EC 136/2025 acerca da adoção de critérios menos gravosos (IPCA + 2% de juros a.a) de correção monetária e compensação de mora nas dívidas fazendárias.

No entanto, prefere-se, neste instante, a solução a, mantendo o tratamento unificado da taxa Selic (ao menos, até o trânsito em julgado), seguindo uma paridade de índices no momento judicial em que as partes (públicas ou privadas, exceto nas demandas tributárias) litigam entre si. No instante da execução, que é peculiar para a Fazenda Pública, justifica-se a diferenciação constitucional disposta na EC 136/2025.

[1] O Manual de Cálculos da Justiça Federal de 2025, em decorrência da Lei 14.905/2024, fixou nova metodologia para correção monetária e juros para devedor não enquadrado como Fazenda Pública, destacando que, apesar da lei prever expressamente o IPCA como índice, não há contradição com a adoção do IPCA-15, utilizado pelo Banco Central.

[2] PEIXOTO, Ravi. Manual dos Precatórios – como entender e trabalhar com esse método de pagamento das dívidas públicas. 2ª edição. Londrina: Thoth, 2024, p. 102, 103 e 105.

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