Terceirização e o desafio da gestão pública

A terceirização segue dividindo opiniões no Direito Público. De um lado, é vista como precarização. De outro, como ferramenta indispensável de eficiência. Entre a dogmática e a prática, o tema exige equilíbrio.

O peso da dogmática

O debate lembra a chamada “crise na noção de serviço público”. A ideia clássica era simples: serviço público só existia quando o Estado assumia diretamente a execução, sob regime jurídico de direito público. Concessões, permissões, autorizações e PPPs abalaram esse modelo.

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Com a terceirização, o choque é parecido. Para parte da academia, a terceirização irrestrita precariza o trabalho, mesmo autorizada pela reforma trabalhista de 2017. Mas insistir apenas nesse olhar é ignorar a complexidade da administração contemporânea.

A visão do gestor

Quem já esteve à frente da gestão pública sabe: sem terceirização, não há eficiência. Limpeza, segurança, logística, apoio administrativo — tudo isso sustenta a atividade-fim do Estado.

O problema está no custo. E não só o financeiro. O maior ônus é a insegurança jurídica.

STF x Justiça do Trabalho

A jurisprudência explica o impasse. A Súmula 331 do TST consagrou a responsabilidade subsidiária da Administração: se a empresa não realiza o pagamento das verbas trabalhistas, o Estado deverá arcar com a dívida.

O STF reagiu. Na ADC 16 e, depois, no Tema 1118, fixou critérios:

não há responsabilidade automática;
cabe ao trabalhador provar a negligência, ou nexo de causalidade entre o dano por ele invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público.
comportamento negligente se caracteriza diante da inércia após notificação formal apontando o descumprimento de obrigações trabalhistas ou em questões de segurança e higiene no meio ambiente de trabalho quando o serviço ocorrer nas dependências do Estado;
a Administração deve exigir capital social compatível e condicionar pagamento mensal à prova de quitação trabalhista.

Foi um marco de racionalidade. Mas a prática revela resistências. Instâncias trabalhistas ainda buscam inverter, na prática, o ônus da prova exigindo documentos que comprovem a fiscalização e na ausência o ente público é condenado de forma subsidiária. O gestor passa a ser cobrado como se fosse coadministrador da empresa contratada.

O círculo vicioso

Resultado: o Estado paga duas vezes. Primeiro no contrato, que já embute encargos trabalhistas. Depois, em condenações judiciais, sob o argumento de fiscalização insuficiente. Penalizam-se os bons gestores e favorecem-se empresas inidôneas, que contam com a “garantia estatal” para oferecer propostas inviáveis.

Caminhos possíveis

Rejeitar a terceirização não é opção. O desafio é lapidar o modelo. Duas frentes parecem urgentes:

Aplicação madura do Tema 1118: critérios claros para caracterizar falha na fiscalização, sem exigir onipresença do gestor.
Compliance trabalhista: licitações que privilegiem empresas com histórico de cumprimento de obrigações, como já ocorre em matéria ambiental e anticorrupção.

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Terceirização não pode ser sinônimo de precarização. Precisa ser instrumento de eficiência e justiça social, amparado pela segurança jurídica.

Mais do que proteger o trabalhador, é preciso proteger a própria racionalidade do sistema. O Estado não pode ser transformado em garantidor universal de riscos privados.

Só assim a terceirização cumprirá seu papel: permitir que a máquina pública entregue serviços de maior qualidade ao cidadão brasileiro.

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