Pejotização, flexibilização e segurança jurídica

As relações de trabalho no Brasil vêm passando por mudanças constantes, impulsionadas por avanços tecnológicos, transformações econômicas e novas demandas sociais. A chegada da automação, do trabalho remoto e das plataformas digitais tem alterado a forma como as pessoas trabalham. Ao mesmo tempo, crises econômicas e novas formas de contratação desafiam os modelos tradicionais.

No campo social, cresce a valorização da diversidade, da inclusão e do equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Diante desse cenário, o sistema jurídico trabalhista precisa se atualizar continuamente para acompanhar essa nova realidade.

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Entre as mudanças mais perceptíveis no mercado de trabalho brasileiro está o avanço da chamada “pejotização”. Em vez de serem contratados pelo regime tradicional da CLT, com carteira assinada, muitos profissionais têm sido vinculados às empresas como pessoas jurídicas — daí o termo “pejotização”, derivado da sigla PJ. Essa prática tem se tornado comum em diversos setores, refletindo uma reconfiguração das formas de relações de emprego.

Esse fenômeno tem gerado relevantes debates. Autoridades trabalhistas apontam que a “pejotização”, em muitos casos, é usada de forma irregular para disfarçar vínculos empregatícios formais, o que preocupa juízes, procuradores e auditores. Já empresários defendem que esse modelo é legítimo e complementar, adaptado às novas exigências do mercado.

A recente divergência entre o STF e o TST evidencia um impasse sobre os limites legais da “pejotização”. Enquanto o Supremo defende a modernização das relações de trabalho e a autonomia contratual das empresas, o Tribunal Superior do Trabalho alerta para os riscos de fraudes e a perda de direitos sociais. O centro do debate está em distinguir a pejotização irregular, que disfarça vínculos empregatícios, da contratação legítima de profissionais autônomos, sem subordinação ou habitualidade.

O debate acerca da licitude da pejotização adquire contornos de crescente complexidade diante de recentes manifestações jurisprudenciais que revelam uma dissonância interpretativa entre o STF e o TST. De um lado, o Supremo, ao reconhecer a repercussão geral no Tema 1389 (ARE 1.532.603/PR) e determinar a suspensão nacional dos processos que versam sobre a matéria, sinaliza uma orientação voltada à uniformização do tratamento jurídico da pejotização, com ênfase na valorização da autonomia privada e da livre iniciativa como princípios estruturantes da ordem econômica constitucional.

De outro lado, o TST, embora ainda não tenha proferido decisão de mérito específica sobre o tema no ano de 2025, instaurou o Incidente de Recurso Repetitivo (IRR) nos autos E-RRAg-373-67.2017.5.17.0121, convocando a sociedade jurídica para apresentação de manifestações públicas com vistas à formulação de tese jurídica vinculante que promova a uniformização da jurisprudência trabalhista.

Tal divergência evidência não apenas distintas hermenêuticas constitucionais quanto à proteção ao trabalho, mas também revela a tensão subjacente entre a modernização das formas de organização produtiva e a preservação dos direitos sociais historicamente consagrados no ordenamento jurídico brasileiro.

A ausência de critérios objetivos e parâmetros legais claros para delimitar essas modalidades de contratação amplia o contencioso judicial e fortalece a chamada insegurança jurídica, a qual repercute diretamente sobre a estratégia de gestão de pessoas e de riscos das empresas.

Os dispositivos da CLT, cuja origem remonta à lógica produtiva industrial de meados do século 20, frequentemente demonstram limitações para abarcar a economia digital, a prestação de serviços em rede e, sobretudo, os modelos híbridos e remotos que ganham relevância na atualidade.

A reforma trabalhista de 2017 (Lei 13.467/2017) representou um passo significativo ao promover a valorização da negociação coletiva e regulamentar novas formas de contratação, mas não supriu, de forma definitiva, a necessidade de atualização do marco legal diante das demandas do mundo do trabalho contemporâneo.

Nesse cenário, o setor empresarial deve adotar uma postura preventiva e estratégica, empenhando-se na revisão rigorosa de contratos de prestação de serviços à luz da jurisprudência atual e da concretude das relações laborais.

É fundamental garantir efetiva autonomia na execução das atividades contratadas, afastando elementos que possam caracterizar subordinação e preservando a fidelidade dos instrumentos contratuais às peculiaridades do negócio.

Adicionalmente, políticas internas claras e bem documentadas, alinhadas à legislação vigente e aos acordos coletivos setoriais, surgem como ferramentas fundamentais para a mitigação de riscos. O acompanhamento sistemático da produção judicial e legislativa, sobretudo no que concerne à prevalência dos instrumentos coletivos e aos parâmetros da contratação via pessoa jurídica, constitui imperativo para uma atuação segura.

A perspectiva para o futuro das relações de trabalho no Brasil depende substancialmente da capacidade de harmonizar inovação, competitividade e proteção jurídica. O debate acerca da “pejotização” transcende o aspecto técnico normativo e reflete o desafio de construção de modelos laborais compatíveis com as demandas de uma economia global, sem renunciar à função social do trabalho.

Para as organizações empresariais, o compromisso com práticas éticas, a atualização constante e o investimento em gestão jurídica preventiva constituem caminhos essenciais para o fortalecimento da segurança jurídica e para a consolidação de um ambiente de negócios dinâmico e sustentável.

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Diante das transformações profundas que marcam o cenário contemporâneo das relações de trabalho, a “pejotização” emerge como um fenômeno que exige atenção crítica e abordagem equilibrada.

A construção de um ambiente laboral juridicamente seguro, ético e compatível com as novas dinâmicas econômicas e sociais depende da capacidade de diálogo entre os diversos atores envolvidos — empresas, trabalhadores, instituições jurídicas e sociedade civil.

A superação dos desafios atuais passa pela atualização normativa, pela valorização da negociação coletiva e pela adoção de práticas empresariais responsáveis, que conciliem flexibilidade contratual com respeito aos direitos fundamentais do trabalho.

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