A reforma tributária prevista na EC 132/2023 promete simplificar a tributação do consumo com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto Seletivo (IS).
O modelo do IBS/CBS se estrutura sobre crédito financeiro amplo. Apesar das mudanças estruturais propostas, a Lei Complementar 214/2025, que regulamenta as regras gerais do IBS e da CBS preserva, em grande medida, a lógica já aplicada ao ICMS, ISS e PIS/Cofins. Consequentemente, muitos dos atuais desafios enfrentados tendem a permanecer, ainda que sob nova roupagem, pois os conceitos de direito privado que lhes dão suporte permanecem inalterados.
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Esse é o caso da base de cálculo do IBS/CBS[1], definida como o valor da operação com bens ou serviços, incluindo descontos concedidos sob condição e excluindo descontos incondicionais. A LC 214/25 reproduziu os ditames das atuais legislações do ICMS e do PIS/Cofins, bem como o entendimento fixado pelos Tribunais Superiores de que os descontos incondicionais não integram a base de cálculo do IPI[2] e do ISS[3].
Diante disso, os contribuintes continuarão enfrentando desafios quanto às relações comerciais, à precificação e à base de cálculo dos tributos sobre o consumo mesmo após a implementação da reforma tributária.
Antigos desafios que tendem a permanecer
As políticas e negociações comerciais são complexas, envolvendo múltiplas camadas de ajustes de preço: descontos condicionais e incondicionais, bonificação, rebates, cooperação de propaganda, verbas de gôndola etc. Assim, a natureza e extensão dessas relações comerciais representa elemento decisivo para a definição da precificação e consequente tributação.
Refletir corretamente o preço efetivo praticado, especialmente quando o ajuste ocorre depois da emissão da nota fiscal, tem sido um dos desafios que tensionam a definição da base de cálculo no sistema tributário atual, gerando um cenário de intensa litigiosidade.
Na reforma tributária, a LC 214/25 buscou definir desconto incondicionado, provavelmente com o objetivo de reduzir os inúmeros conflitos sobre o tema. Considera-se desconto incondicional a parcela redutora do preço da operação que conste do respectivo documento fiscal e não dependa de evento posterior, inclusive se realizado por meio de programa de fidelidade concedido de forma não onerosa pelo próprio fornecedor.
Apesar desse esforço, a definição não elimina as controvérsias. Embora contemple descontos concedidos via programas de fidelidade, a norma não abarca a multiplicidade de arranjos comerciais.
Um exemplo são os descontos concedidos sobre o faturamento bruto das notas fiscais de venda – os chamados rebates. Esses descontos financeiros, muitas vezes concedidos fora das notas fiscais de venda, podem impactar tanto a tributação do fornecedor quanto a do adquirente, como demonstra a jurisprudência sobre PIS/Cofins.
No caso do PIS/Cofins, a Receita Federal historicamente defende que abatimentos, bonificações e descontos financeiros fora da nota fiscal devem ser tributados não só pelo fornecedor, mas também pelo adquirente. O argumento é que tais valores seriam descontos condicionados, reduzindo o valor a pagar pelas mercadorias e, portanto, gerando receita para o adquirente.
Nesse cenário, a controvérsia chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), havendo, contudo, divergência entre os entendimentos fixados pela 1ª e pela 2ª Turma. A solução virá com o julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial (EREsp) 2.090.134/RS pela Primeira Seção.
De um lado, a 1ª Turma, ao julgar o Recurso Especial 1.836.082/SE, afastou por unanimidade a incidência do PIS/Cofins sobre descontos, bonificações e abatimentos financeiros recebidos por empresa varejista. O entendimento foi de que tais valores reduzem o custo de aquisição das mercadorias, não constituindo receita do adquirente e, que a tributação nesse nível geraria bitributação, já que o adquirente recolherá PIS/Cofins sobre a receita das revendas.
Por outro lado, a 2ª Turma, ao julgar o Recurso Especial 2.090.134/RS, entendeu que é legítima a incidência do PIS/Cofins sobre descontos financeiros concedidos ao varejista na aquisição de mercadorias para revenda. Para a turma, tais descontos seriam condicionados à prestação de serviços (como divulgação ou marketing), configurando receita bruta do adquirente.
Esse panorama indica que os desafios tendem a persistir mesmo após a implementação da reforma tributária. A inclusão dos descontos ou não na base de cálculo do IBS/CBS dependerá, novamente, da natureza jurídica desses descontos – assim como ocorre com hoje. Ou seja, para os fornecedores, a incidência do IBS/CBS seguirá atrelada à definição da natureza dos descontos como incondicionados.
Assim, quando se trata de assegurar o direito ao crédito, a preocupação é de como o adquirente ajusta sua apropriação de crédito quando o fornecedor concede abatimentos posteriores, bonifica mercadorias ou liquida metas com rebate? Isso porque a depender dos critérios utilizados, há o risco de estorno indevido ou mesmo de excesso de crédito.
Há nesse ponto a reflexão quanto a possível contencioso em decorrência da definição da natureza das operações. Verbas de propaganda cooperada, verbas de gôndola e serviços correlatos: se qualificadas como prestação de serviço de marketing, incidirá IBS/CBS; se vistas como abatimento de preço do produto, ajusta-se a base da mercadoria. Assim, deve-se refletir sobre a natureza de serviço ou abatimento, havendo reflexos tributários distintos.
A tentativa de pacificar o conceito de desconto incondicionado é louvável, mas insuficiente diante da complexidade das práticas comerciais brasileiras. A reforma tributária não elimina a discussão quanto aos conceitos de direito privado. O contribuinte deve se atentar à estruturação de seus arranjos comerciais e documentação suporte, sob pena de enfrentar novos e velhos litígios em um cenário tributário em transformação.
Potenciais novos desafios
A reforma tributária trouxe uma importante novidade que impacta diretamente a dinâmica das relações comerciais: a necessidade de monitorar o efetivo recolhimento do IBS e da CBS pelos fornecedores como condição para o aproveitamento dos créditos correspondentes.
Esse novo requisito, previsto no artigo 47, parágrafo 2º, inciso I da LC 214/25, estabelece que o direito ao crédito está atrelado não apenas ao destaque do imposto no documento fiscal, mas também a comprovação de que o tributo foi efetivamente pago.
Na prática, isso significa que o adquirente precisará ir além da análise tradicional do fornecedor e ao correto recebimento da nota fiscal, mas se estende ao acompanhamento do cumprimento das obrigações tributárias pelo fornecedor.
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Esse novo cenário impõe desafios adicionais à gestão das relações comerciais. É preciso desenvolver mecanismos de diligência e monitoramento mais robustos, capazes de mitigar o risco de perda de créditos fiscais por inadimplência de terceiros.
Conclusões
O IBS/CBS têm potencial de diminuir a litigiosidade pela via do crédito financeiro amplo e base de cálculo coerente com o preço efetivo. Mas descontos, bonificações e rebates continuarão no centro das atenções: são instrumentos legítimos de competição e, por isso, onipresentes — e complexos.
Apesar dos avanços, muitos dos conflitos e indefinições conceituais da tributação sobre o consumo ainda persistem. O novo cenário exige uma postura proativa e estratégia para lidar com os desafios, possíveis litígios e mecanismos para assegurar o direito aos créditos de IBS/CBS.
[1] Artigo 12 da LC 214/24.
[2] STF. RE nº 567.935/SC – tema 84 de repercussão geral, Rel. Min. Marco Aurélio, d. j. 04/09/2014.
[3] STJ, AgInt nos EDcl no REsp nº 1.893.596/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, d.j. 07/03/2023.