Lei que regulamenta pesquisas científicas com seres humanos é alvo de ação no STF

A Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a ADI 7875, no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Lei 14.874/2024, que regula pesquisas clínicas com seres humanos no Brasil. A entidade pede a suspensão imediata de trechos da norma por considerar que a lei restringe o direito de indivíduos em condição de vulnerabilidade ao acesso contínuo a tratamentos eficazes após o término dos estudos, o que violaria princípios da Constituição como o direito fundamental à saúde. O ministro Cristiano Zanin foi designado relator da ação.

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A legislação foi sancionada a partir do Projeto de Lei do Senado Federal 200/2015, posteriormente substituído pelo PL 6.007/2023, que criou a chamada Instância Nacional de Ética em Pesquisa, vinculada ao Ministério da Saúde, responsável por regular, fiscalizar e controlar os aspectos éticos das pesquisas com seres humanos. 

Para a entidade, a criação do órgão pelo Poder Legislativo seria inconstitucional, já que a Constituição determina que é de competência do Presidente da República criar e extinguir ministérios e órgãos da administração pública. Sendo assim, a elaboração da Instância Nacional de Ética em Pesquisa seria um vício de iniciativa.

Para a organização, a lei é um “retrocesso social e violação ao direito fundamental à saúde”, já que estabelece “restrições significativas ao tratamento contínuo de participantes de pesquisa”. Até 2024, a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) garantia a continuidade gratuita dos tratamentos aos voluntários de pesquisa, sem prazo definido. A nova lei, portanto, “mudou completamente a regulação jurídica do acesso pós-estudo”, e estabeleceu, entre outras coisas, justificativas de necessidade do fornecimento gratuito dos medicamentos experimentais. 

“Participantes de pesquisa não são meros ‘pacientes’, mas pessoas que se submetem a riscos em benefício do avanço científico e da coletividade. Essa condição impõe um dever de proteção estatal reforçado, que a lei fragiliza”, afirma a entidade. 

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Outro ponto discutido na ADI é o repasse de custos ao Sistema Único de Saúde (SUS). Até então, cabia ao patrocinador do estudo, geralmente laboratórios e empresas privadas, garantir a continuidade do tratamento e arcar com eventuais indenizações a pacientes que sofressem danos durante a pesquisa. Na nova legislação, cabe ao sistema público financiar tratamentos e indenizações em alguns casos, sem que tenha havido qualquer estimativa de impacto orçamentário, o que, segundo a SBB, teria potencial de gerar “ônus orçamentário aos cofres públicos, pois serão responsáveis financeiramente pela indenização decorrente de pesquisa financiada pela iniciativa privada”.

A ação também contesta o artigo 18 da lei, que permite a inclusão de pessoas em pesquisas sem consentimento prévio em situações de emergência, sob justificativa de que, nesses casos, não haveria tempo hábil para coletar autorização formal. Para a SBB, a premissa afronta a autonomia do paciente e o princípio do consentimento informado, contrariando a dignidade humana e a própria jurisprudência do STF.

Além disso, a associação critica a falta de participação social efetiva na governança da ética em pesquisa. Enquanto o modelo anterior, estruturado pelo CNS, previa a presença ativa de representantes da sociedade civil na formulação de normas e no acompanhamento dos estudos, a nova legislação limita esse papel à presença simbólica em algumas etapas de análise. Para a SBB, isso enfraquece o controle social, princípio previsto na Constituição para garantir que as políticas de saúde sejam construídas de forma democrática e participativa.

Por fim, a entidade alerta que as restrições impostas pela lei podem aumentar a judicialização da saúde. Isso porque pacientes que não conseguirem garantir a continuidade de seus tratamentos pelo novo modelo teriam que recorrer ao Judiciário, mas sem a segurança de uma resposta favorável, já que os Temas 6 e 1.234 de Repercussão Geral do STF fixaram parâmetros mais rígidos para decisões que obrigam o Estado a fornecer medicamentos, fazendo com que a nova lei empurre “pacientes à judicialização sem garantia de tutela”.

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