O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) analisou recentemente um caso inédito no Brasil, a cobrança de direitos autorais pelo ECAD, em razão da execução pública de músicas criadas por inteligência artificial.
O processo teve origem em uma ação proposta por um parque de diversões de Pomerode (SC), que buscava afastar a obrigação de pagar valores ao ECAD. O argumento do parque é direto e simples: as músicas utilizadas nas atrações foram geradas por um software de IA e, por não haver autoria humana, não poderiam ser consideradas obras autorais, devendo ser de uso livre e em domínio público.
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Do outro lado, o ECAD sustentou que as plataformas de IA são treinadas com obras de autores humanos e que, portanto, as composições resultantes não seriam criações autônomas. A entidade chegou a apresentar laudo técnico que apontaria semelhanças concretas entre uma música gerada pela ferramenta, utilizada pelo parque, e uma obra registrada, reforçando a tese de que tais criações poderiam configurar derivações de conteúdos já protegidos.
O TJSC, tanto em primeira quanto em segunda instância, negou o pedido liminar do parque. O fundamento principal foi que o tema é novo e complexo, e por isso exige análise técnica aprofundada e produção de provas, o que não se compatibiliza com a urgência de uma decisão preliminar. Assim, a discussão seguirá para exame do mérito na primeira instância.
É importante destacar que essa decisão, por seu caráter preliminar, não constitui precedente consolidado. No entanto, marca a entrada do tema no Judiciário brasileiro e abre espaço para debates relevantes sobre a natureza das obras geradas por IA.
A Lei de Direitos Autorais brasileira exige autor humano para que haja proteção. Nesse sentido, muitos entendem que criações feitas integralmente por sistemas de IA não poderiam ser protegidas, situando-se em domínio público e disponíveis para uso irrestrito. Assim, se uma música de IA não for comprovadamente derivada ou imitativa de uma obra pré-existente, é questionável se haveria fundamento legal para cobrança pelo ECAD.
Por outro lado, há quem defenda que, como os sistemas de IA são treinados com obras protegidas, seria legítimo que os titulares humanos recebessem alguma forma de compensação, ainda que indireta, pelo uso de suas criações como insumo de treinamento. Essa linha de raciocínio poderia sustentar a cobrança do ECAD como mecanismo de equilíbrio entre inovação tecnológica e a justa remuneração de autores e compositores humanos, os quais deram (e ainda dão) os subsídios que tornaram possível essa inovação que agora tanto impacta o mercado criativo.
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O caso catarinense mostra que a fronteira entre criação humana e produção algorítmica está cada vez mais difusa. De um lado, empresas enxergam na IA a possibilidade de reduzir custos com licenciamento e até evitar litígios com autores. De outro, artistas e compositores temem a desvalorização de suas obras em um mercado cada vez mais permeado por conteúdos automatizados, os quais foram muitas vezes treinados com o seu próprio portfólio.
Trata-se, portanto, de um debate que ultrapassa a esfera jurídica, alcançando impactos econômicos e culturais mais amplos. A decisão final poderá influenciar não apenas o mercado de entretenimento, mas também as bases da proteção autoral no país.