A equipe econômica tem intensificado as cobranças por sinalizações sobre o início de um processo de corte dos juros pelo Banco Central. Depois do IBC-Br (prévia do PIB) de julho bastante negativo e de uma arrecadação com queda em agosto, algo que não vinha acontecendo nos últimos anos, a preocupação com o ritmo de crescimento da economia brasileira começou a inquietar mais as autoridades.
Alguns dedos passaram a apontar mais diretamente para o BC, liderado por Gabriel Galípolo e já com maioria de indicados de Lula.
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A divulgação do relatório bimestral de receitas e despesas na última segunda-feira (22) evidenciou o crescente desconforto, principalmente do time liderado por Fernando Haddad, com o nível da taxa Selic, ainda que o discurso não seja agressivo.
Sem se abalar e sem amenizar o tom
E a ata da última reunião do Copom, divulgada nesta terça-feira (23), não deu margem para o governo se animar com a materialização de um cenário de corte de juros ainda neste ano.
O documento voltou a falar em juros altos por tempo bastante prolongado e na preocupação com a desancoragem das expectativas, ainda que reconheça sinais de melhora e uma moderação no nível de atividade.
É na leitura sobre o ritmo da economia e a tentativa de segurar o mercado para não derrubar a curva de juros precipitadamente que parece haver um crescente distanciamento na avaliação sobre o momento de se cortar juros, que para o governo já deveria estar sendo preparado, enquanto o BC segue jogando duro.
O time de Galípolo não dá sinais de se abalar com as cobranças e segue seu rumo. E não deixou de cobrar a questão fiscal, algo que há anos tem sido a prática do BC, que não vê ajuda suficiente da gestão das contas públicas no esforço de debelar a inflação.
Razões de ambas as partes
Nessa relação com cada vez mais arestas, há razões dos dois lados. O governo deu uma ajuda fiscal não desprezível em uma janela iniciada entre o último trimestre do ano passado e o primeiro semestre desse ano, praticamente sem reconhecimento.
O problema é que, a partir de julho, começou a acelerar o ritmo da máquina, com o pagamento de precatórios, emendas parlamentares e a busca ativa por receitas extraordinárias e não recorrentes para não ter que manter o contingenciamento de R$ 20 bilhões.
E, com a eleição no horizonte, esperar alguma moderação no gasto não parece ser uma boa aposta, mesmo em um ambiente mais adverso para a arrecadação. E isso tem implicações para um BC que precisa mostrar capacidade de colocar a inflação na meta no médio prazo.
Do lado da autoridade monetária, é inegável o sucesso da gestão Galípolo na estabilização da moeda e no processo de reversão da trajetória de alta da inflação. Se a meta de 3% ainda parece distante, seu alcance já não é uma ideia irrealista com os ganhos constantes do real ante o dólar, obra de uma conjuntura externa melhor para as operações de “carry trade”, que se apoiam em uma Selic de 15%.
Dólar derruba preço de alimentos, calcanhar de aquiles do governo
A queda intensa do dólar, por exemplo, teve um efeito enorme nos alimentos, como mostram as medidas de núcleo desse grupo do IPCA. Esses produtos foram os que mais castigaram a popularidade de Lula no fim do ano passado e início deste ano. Nesta terça, com a ata mantendo o tom firme e o movimento favorável de Donald Trump para o presidente Lula na ONU, a moeda americana caiu abaixo de R$ 5,30, o que ajuda muito na estratégia da autoridade monetária brasileira.
Mesmo com a economia esfriando talvez mais intensamente do que se previa para o atual período, a continuidade da queda do dólar e consequentemente da inflação é uma notícia política da mais alta relevância, que está favorecendo a recuperação dos índices do atual governo.
Isso ajuda a explicar porque Lula por enquanto segue bem contido no tema dos juros, enquanto cresce entre seus auxiliares o fogo amigo contra os “companheiros” do BC.
Benevolência até quando?
Esse status, porém, pode mudar, especialmente se os sinais de um PIB negativo no terceiro trimestre, como alguns integrantes do governo já começam a enxergar, se consolidarem e os riscos para índices de desemprego e contas públicas ficarem mais relevantes.
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Nesse sentido, é bom ficar de olho na escalada das críticas dos aliados do governo. Lula deve surfar na onda do dólar em baixa sem criticar os juros altos, enquanto o saldo em comparação com o resto da economia for positivo para ele. Se um cenário mais dramático de PIB se materializar, com alta do desemprego, a história é outra. E os riscos de ataques mais duros ao BC aumentam e, pior, os riscos fiscais também.
Afinal, em período eleitoral, Lula não vai querer travar despesas e cortar gastos. E, como já começou a ocorrer, a tendência é que o governo comece movimentos mais intensos de buscar antecipação de receitas, como dividendos e royalties e outros recursos decorrentes de exploração de recursos naturais. O resultado pode ser a piora do cenário de longo prazo, demandando ajuste mais forte para 2027, tema do qual a política vai adorar fugir em 2026.
Mas se Galípolo e companhia entregarem de fato um “soft landing” que combine real valorizado com desemprego baixo e ainda queda substancial dos juros no início do ano que vem, o atual favoritismo de Lula tende a se ampliar. A ver quem está com a razão.