Não olhar de baixo para cima, ampliar a pauta, tirando as discordâncias do foco, e formar coalizões. Essa sempre foi, no relato de um integrante do governo, a postura do sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva nas negociações com o patronato durante as greves do ABC no fim dos anos 1970.
Para esse funcionário da Esplanada, que hoje também acompanha as conversas com Washington, a experiência acumulada como líder sindical ajuda a explicar a estratégia de Lula diante das pressões de Donald Trump em favor de Jair Bolsonaro e contra a economia e as instituições brasileiras.
Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas
Seguindo a cartilha do Lula sindicalista, o presidente adotou desde o tarifaço um discurso duro contra Trump, a quem por vezes chamou de “imperador do mundo”; deixou claro que o país está disposto a negociar tudo, menos a sua soberania e a de suas instituições; e fez nos últimos meses contatos com líderes de países como China, Rússia e Índia em busca de uma estratégia para se contrapor ao americano.
Cadeira mais alta para os patrões
Ao longo do tempo, o próprio Lula tem recorrido ao passado de sindicalista para ilustrar sua visão sobre a arte de negociar. Em 25 de abril de 2003, no encerramento do Encontro Empresarial Brasil-Venezuela, no Recife, resumiu o que considera a regra número um de qualquer tratativa: “Eu aprendi, nos meus trinta anos de militância política, que nenhum negociador respeita alguém que começa a negociar de cabeça baixa”.
Em outubro de 2009, durante uma cerimônia em Belo Horizonte, ele relembrou o episódio em que, na sua primeira reunião com empresários, na condição como líder sindical, colocaram uma cadeira mais alta para os patrões e uma mais baixa para ele.
“Quando você está em uma posição abaixo, você começa a negociar inferiorizado, já está perdendo o jogo. Então, eu falei: ‘Não, vamos colocar a cadeira igual para a gente se olhar olho no olho’. É assim que dois homens, que duas mulheres, que dois chefes de Estado têm que se entender”, disse o petista na ocasião.
“Química excelente”
Foi com essa bagagem que Lula se encontrou rapidamente com Trump nesta terça-feira (23), nos corredores da Assembleia Geral da ONU, em Nova York. O encontro, com direito a um abraço nada protocolar, foi seguido para espanto geral de um elogio do presidente americano em seu discurso. Trump disse que Lula parecia ser “um cara muito legal” e que rolou uma “química excelente” entre ambos, afirmando que acertaram um encontro para a semana que vem. Depois, o chanceler Mauro Vieira esclareceu que essa reunião deve ocorrer de forma virtual.
Enquanto a esquerda comemorava e produzia memes sobre a fala de Trump, bolsonaristas como Paulo Figueiredo apregoavam a versão de que Trump colocara, na verdade, uma armadilha para Lula. “Deixou o presidente brasileiro numa situação impossível: ter que ir para a mesa de negociação ouvir verdades e negociar algo que não tem como cumprir. Entenderam que a anistia será ampla, geral e irrestrita?”, escreveu no X.
A versão de que Trump jogou uma casca de banana para Lula não deixa de ser plausível, dadas as humilhações a que ele submeteu líderes como o ucraniano Volodimir Zelenski e o sul-africano Cyril Ramaphosa em pleno Salão Oval. Mas a queda do dólar e a alta na Bolsa no pregão desta terça mostram que o mercado interpretou o gesto como um aceno positivo.
Um discurso de vitória para Trump
Interlocutores de Washington afirmam acreditar que, por inação de Lula, faltou até aqui “diplomacia presidencial” para dar andamento às pendências entre Brasil e EUA. Avaliam ainda que, para que eventuais negociações tenham alguma chance de prosperar, o brasileiro precisará oferecer a Trump um discurso de vitória.
O republicano precisa passar à sociedade americana a ideia de que os Estados Unidos saíram ganhando no acordo. Já que a anistia a Bolsonaro e a capitulação do Supremo são inegociáveis, podem estar na mesa minerais críticos, data centers e algum aceno às big techs.
Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email
Como Trump é um ser imprevisível, não será nenhuma surpresa se as negociações não derem em nada ou se não houver efetivamente nenhuma negociação. De qualquer forma, desde a época que se sentava à mesa com os patrões, Lula conhece bem a lógica de fazer a outra parte se sentir vitoriosa.
Em 8 de novembro de 2003, em Pretória, ao lado do então presidente sul-africano Thabo Mbeki, ele sintetizou sua filosofia: “Eu aprendi na minha vida de negociador, quando era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que o bom acordo é aquele em que os dois saem pensando que ganharam e saem satisfeitos com o resultado”.