O Brasil já passou por muitos ciclos em relação aos investimentos em infraestrutura. Historicamente, o protagonismo nos investimentos demonstra uma espécie de pêndulo em diversos setores, ora pendendo para o privado, ora para o público.
Hoje, vivemos um período intenso e admirável. Atingimos maturidade na estruturação de projetos e – talvez em breve – poderemos atingir um nível desejável de uniformidade entre entes federativos e entre setores.
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São muitas oportunidades, muitos investimentos e há uma busca cada vez maior por parcerias, já entendidas como essenciais. Nos próximos anos, a interface será ampliada, com a execução dos vários contratos a serem assinados.
Com um aumento no número de projetos e uma melhoria significativa nas modelagens submetidas ao mercado, o desafio se deslocará para a execução com estabilidade. Embora contratos de concessão e PPPs apareçam como um caminho promissor para ordenar investimentos e preservar espaço fiscal, é necessário que contem com segurança regulatória do início ao fim.
É por tal razão que essa tendência crescente deve vir acompanhada de uma mudança fundamental de compreensão sobre a interdependência entre o público e o privado. Não há mais margem para um pensamento adversarial que coloca as partes de um contrato de concessão em lados opostos. Estado e concessionárias deixam de ser opostos e passam a atuar como partes interdependentes de uma mesma política pública.
O caso das concessões rodoviárias de Mato Grosso ilustra bem o ponto. Nos últimos anos, o Estado vem investindo fortemente na pavimentação de rodovias, o que tem impacto direto na eficiência logística. Em 2019, aproximadamente 6.800 km de rodovias estaduais estavam pavimentados. A expectativa é que em 2026 seja atingida a marca de 14 mil km de rodovias com pavimentação[1].
No entanto, um crescimento nos investimentos em pavimentação é acompanhado sempre de um crescimento na necessidade de despesas correntes para a manutenção das rodovias. No caso de Mato Grosso, mesmo os 14 mil km de rodovias pavimentadas ainda representam menos da metade dos mais de 30 mil km de rodovias estaduais.
Logo, há um evidente gargalo para a expansão da malha pavimentada. É aqui que as concessões ganham relevo, já que os investimentos em manutenção e em eventuais melhorias das rodovias concedidas passam a ser realizados pelo setor privado, dando margem orçamentária para a continuidade da expansão da pavimentação.
Essa dinâmica revela uma dimensão pouco explicitada da atuação estatal. A regulação contratual coloca o Estado no papel de coordenador de investimentos. Essa função gera o que Baker e Sunstein chamam de “valor de coordenação”[2], que corresponde ao benefício adicional que surge quando a regulação garante uma ação coletiva, em contraste com o que ocorreria em um cenário de decisões individuais e isoladas.
Assim é porque os investimentos essenciais associados aos projetos de concessão provavelmente não seriam realizados por meio da pura liberdade de iniciativa do mercado, seja por impossibilidade jurídica ou por falta de viabilidade.
Ocorre que a ausência desses projetos geraria ineficiências na alocação geral de recursos, razão pela qual a intervenção estatal para torná-los viáveis, segundo parâmetros de interesse público, é uma forma de coordenação dessa alocação. Por isso, como o Estado é quem seleciona e prioriza projetos, ao fazê-lo, ele coordena e direciona investimentos.
Dessa constatação de que o Estado é um coordenador deriva uma obrigação essencial: quem tem o papel de coordenar deve também fornecer os meios e a segurança necessários para que os investimentos ocorram e sejam eficientes.
Estruturar e viabilizar o projeto é apenas a primeira etapa de uma relação de longo prazo. Uma boa estruturação garante atratividade suficiente para gerar um compromisso do parceiro privado. Contudo, já se sabe que as complexidades do longo prazo tornam incerta a viabilidade de qualquer compromisso em seus termos originais. Sem uma segurança jurídica que torne a regulação transparente, firme e – onde necessário – adaptável, os projetos correm o risco de serem insustentáveis.
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Na prática, coordenar significa ir além e estabelecer caminhos operacionais eficientes. Revisões periódicas com parâmetros objetivos, reequilíbrios por fórmulas procedimentais previamente conhecidas, atuação célere de mecanismos de resolução de controvérsias e publicidade ativa de indicadores de desempenho formam parte do núcleo dessa engrenagem.
Nos próximos anos, espero que vejamos um amadurecimento regulatório que traga segurança aos mínimos detalhes da regulação na execução desses contratos estruturantes. Para tanto, o poder público deve sempre ter em vista o caráter coordenativo de sua função. Eventuais disfunções podem gerar um efeito cascata sobre toda a ordem dos investimentos, o que afasta o Estado de sua função essencial de provisão da infraestrutura.
[1] As informações sobre as obras e malha rodoviária podem ser acompanhadas por meio da Central Infra: https://mapas.sinfra.mt.gov.br/portal/apps/experiencebuilder/experience/?id=2886ec628c7c417c9efee09c8daee790&draft=true.
[2] Baker, Ellie and Sunstein, Cass R., The Coordination Value Of Regulation (December 16, 2024). Harvard Public Law Working Paper 25-12.