A Constituição Federal de 1988 estabelece expressamente a necessidade de estímulo à atividade agropecuária. O art. 23, inciso VIII, impõe à União, estados e municípios o dever de fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar, enquanto o art. 187, inciso I, por sua vez, vincula positivamente o legislador e os administradores a estimular, via instrumentos fiscais, a política agrícola. Nesse sentido, percebe-se que a tributação reduzida do agronegócio não é um favor legislativo, mas sim o cumprimento de ordem constitucional.
Nesse sentido, como bem expôs o ministro Luiz Fux na oportunidade de julgamento da ADI nº 5363, quando o “benefício” se traduz num mandamento inexorável do pacto constitucional – ao contrário daqueles que se inserem num contexto de maior latitude de escolha política –, vale, preferencialmente, se referir à norma não como um simples “benefício” discricionário, mas como um gasto tributário, utilizado para concretizar direitos fundamentais, como o da alimentação (artigos 6º, caput; 7º, IV; 208, VII; e 212, § 4º, CF), desenvolvimento nacional (art. 3º, II, CF) e segurança alimentar (art. 6º, CF).
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O único “benefício”, portanto, seria proporcionar alimento de fácil acesso a toda a população.
Isso porque a política que reduz o custo de produção agrícola pretende favorecer especialmente a camada da população mais vulnerável, na tentativa de baratear o preço de alimentos essenciais. Tal conduta afirma a seletividade em função da essencialidade, mitigando, portanto, a regressividade fiscal.
Não apenas os alimentos básicos são considerados essenciais (razão pela qual ficarão reduzidas a zero as alíquotas incidentes sobre as vendas dos produtos incluídos na cesta básica nacional – art. 121 da LC 214/25), mas também o defensivo agrícola utilizado na produção desses alimentos (razão pela qual ficarão reduzidas em 60% as alíquotas incidentes no fornecimento de insumos – art. 138 da LC 214/25).
A respeito da redução da carga tributária sobre defensivos agrícolas, inclusive, vale ressaltar o raciocínio do professor Virgílio Afonso da Silva sobre o teste de necessidade. Tem-se que “uma definição justa e canônica do que a necessidade significa é a seguinte: um meio é necessário se seus objetivos não podem, ao menos igualmente, serem alcançados por outro meio menos intrusivo ao direito restringido”[1].
No sentido da argumentação do autor, o teste da necessidade rejeita potencial alternativa, que embora menos restritiva, não seja igualmente efetiva, custe mais dinheiro ou tenha um impacto negativo em direitos de terceiros. Ou seja, é certo que uma medida significativamente mais custosa não é realmente uma alternativa, pelo menos, para os fins do princípio da proporcionalidade.
Sob essa ótica, restam aptos a serem aprovados no teste da necessidade os gastos tributários com defensivos agrícolas. Isso porque, atualmente, não há tecnologias alternativas de controle de pragas agrícolas que não prejudique fatores técnico-científicos, institucionais, econômicos, sociais, legais e educacionais[2]. Necessária, portanto, a redução da carga tributária sobre defensivos agrícolas.
Nesse sentido, como bem reconhece o ministro Alexandre de Moraes no julgamento da ADI 5553, “o fim da desoneração tributária para produtos fitossanitários elevaria de 46,4% para 50,8% o comprometimento do salário-mínimo do trabalhador brasileiro com a compra da cesta básica de alimentos. A maior taxação desses produtos também impactaria negativamente a inflação, com previsão de aumento de 9,5% do IPCA anual”.
Deve-se destacar, ainda, que a redução da carga tributária sobre defensivos agrícolas não implica diretamente no aumento de sua utilização pelo setor produtivo. Para realizar essa análise, deve-se considerar variáveis estruturais da produção agropecuária e o comportamento racional dos produtores rurais frente aos custos de produção.
Em razão de os defensivos agrícolas (i) representarem relevante custo aos produtores – mesmo com o regime fiscal diferenciado; e (ii) serem necessários à produção agropecuária, a redução tributária significa tão somente redução de custos ao produtor. Não aumento proporcional do uso de agrotóxicos.
A prática agronômica se orienta pela busca contínua de eficiência, mediante a utilização desses insumos no menor nível possível, desde que compatível com a manutenção da produção e rentabilidade. Ou seja, no final das contas, defensivos agrícolas continuam a ser custo para o produtor rural, de modo que, mesmo com o incentivo tributário, ainda é oneroso.
Inclusive, é importante ressaltar que o incentivo fiscal do diferimento previsto no art. 138 da LC 214/25 sequer impacta na arrecadação. Trata-se apenas de modificação na técnica de cobrança. Em sumaríssima análise, são alterados tão somente o momento e o sujeito passivo do recolhimento, que ocorrerá, em regra, no encerramento do diferimento (previsto no §5º e seguintes do art. 138 da LC 214/25), preservando-se a carga tributária do produto final. Nesses casos, portanto, o incentivo fiscal ao agro não representa qualquer renúncia fiscal. Não há gasto tributário: “efeito negativo sobre os ingressos do Estado”, como sintetiza Pedro Herrera Molina[3].
Quanto ao Imposto Seletivo, sua incidência em produtos e insumos agropecuários é impedida por disposição da própria EC 132/23, que, no §9º do art. 9º, prevê que o Imposto Seletivo “não incidirá sobre os bens ou serviços cujas alíquotas sejam reduzidas”. Ora, seria contraditório o constituinte derivado reduzir em 60% a alíquota do IBS e da CBS para fomentar a atividade agropecuária (indução positiva), e, logo após, onerá-la com o Imposto Seletivo (indução negativa), anulando qualquer incentivo.
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Por fim, a incidência do Imposto Seletivo nesse setor também teria o condão de mitigar a imunidade das exportações prevista no art. 153, §6º, I da CF. Isso porque, nessa hipótese, o imposto seria embutido no preço do produto destinado a país estrangeiro, sendo exportado em conjunto. Tal consideração é relevante, tendo em vista que a exportação de produtos do campo representou cerca de 50% das exportações totais em 2024, somando aproximadamente US$ 164,4 bilhões[4].
Se, considerando o ensinamento do chief Justice John Marshall, o poder de tributar é o poder de destruir, talvez a verdadeira sabedoria esteja em identificar o que não se pretende destruir.
[1] Tradução Livre. SILVA, Virgílio Afonso da. Standing in the shadows of balancing: proportionality and the necessity test. I-CON, v. 20, n. 5, p. 1738-1767, 2022, p. 1742.
[2] CAMPANHOLA, Clayton; BETTIOL, Wagner. Situação e principais entraves ao uso de métodos alternativos aos agrotóxicos no controle de pragas e doenças na agricultura.
CAMPANHOLA, Clayton; BETTIOL, Wagner. Métodos alternativos de controle fitossanitário. Brasília: Embrapa, 2003, p. 272-276.
[3] MOLINA, Pedro Manuel Herrera. La Exencion Tributaria. Madrid: Colex, 1990, p. 58.
[4] Brasil, Secretaria de Comunicação Social / Ministério da Agricultura e Pecuária, 2025. Disponível em https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2025/janeiro/marca-historica-do-agronegocio-brasileiro-destaca-protagonismo-na-seguranca-alimentar-global#:~:text=As%20exporta%C3%A7%C3%B5es%20do%20agroneg%C3%B3cio%20brasileiro,de%20algumas%20das%20principais%20commodities
Brasil, Secretaria de Comunicação Social / Ministério da Agricultura e Pecuária, 2025. Disponível em: https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2025/janeiro/marca-historica-do-agronegocio-brasileiro-destaca-protagonismo-na-seguranca-alimentar-global#:~:text=As%20exporta%C3%A7%C3%B5es%20do%20agroneg%C3%B3cio%20brasileiro,de%20algumas%20das%20principais%20commodities
CAMPANHOLA, Clayton; BETTIOL, Wagner. Métodos alternativos de controle fitossanitário. Brasília: Embrapa, 2003, p. 272-276.
MOLINA, Pedro Manuel Herrera. La Exencion Tributaria. Madrid: Colex, 1990, p. 58.
Tradução Livre. SILVA, Virgílio Afonso da. Standing in the shadows of balancing: proportionality and the necessity test. I-CON, v. 20, n. 5, p. 1738-1767, 2022, p. 1742.