Em tempos da Administração Tributária 3.0, surge a reforma dos tributos incidentes sobre o consumo, movida por estudiosos do direito e de finanças públicas.
Sob a coordenação do economista Bernard Appy, desenvolveu-se uma sistemática baseada em princípios econômicos, inseridos nos contornos constitucionais pela EC 132/23, preceitos esses que passam a conduzir todo o sistema tributário nacional – e não apenas a tributação sobre o consumo: a simplicidade, a transparência, a cooperação e a defesa do meio ambiente. Além disso, estabeleceu-se que a tributação sobre o consumo deve ser informada pelo princípio da neutralidade.
Conheça o JOTA PRO Tributos, plataforma de monitoramento tributário para empresas e escritórios com decisões e movimentações do Carf, STJ e STF
Os princípios da simplicidade e neutralidade determinam que a tributação seja operável para os contribuintes, e que não interfira nas decisões econômicas dos agentes, ou seja, não cause distorções nas escolhas de consumo, investimento, produção, dentre outras.
A inserção desses nortes constitucionais conduziu a profundas alterações no sistema tributário nacional. Exemplo da mudança é o deslocamento na destinação da arrecadação do IBS, face ao ISS e ICMS. Na sistemática atual, o tributo destina-se ao ente em que o contribuinte está localizado. Com a implementação do IBS, a arrecadação será atribuída ao local do consumo. Com isso, os municípios consumidores poderão ampliar suas receitas.
Essa sistemática busca corrigir problemas graves enfrentados no País: fraudes com a utilização de notas frias e a inadimplência como forma de fazer caixa. Objetiva-se beneficiar os bons pagadores e a sociedade de forma geral.
A partir de 2029 – e considerado o período de transição gradual –, os bens e serviços, em regra, serão tributados de forma não cumulativa, ou seja, sem o efeito cascata. A cada operação, o fornecedor ou vendedor poderá gerar débitos a serem compensados com créditos financeiros, da mesma forma que as compras irão gerar créditos, aos adquirentes, relativamente ao IBS/CBS, buscando-se, com a não cumulatividade, reduzir as distorções econômicas.
As alíquotas serão únicas para CBS e IBS, mesmo que, no IBS, possam sofrer ajustes pelos entes, observada Resolução do Senado e a alíquota de referência. A cobrança será unificada e simplificada para o contribuinte.
Os Municípios receberão o montante arrecadado e distribuído pelo Comitê Gestor, e 25% da arrecadação do IBS estadual (IV, do art. 158, da CF/88), de forma assemelhada à cota parte de ICMS, com critérios de divisão diferentes (§2º, do art 158, da CF/88).
Nesse cenário, o que os municípios devem fazer?
O primeiro passo é o de bem compreender o que é e qual a extensão da reforma tributária. Hoje, a lógica da tributação do ICMS conduz a destinação da sua arrecadação ao ente em que o contribuinte está localizado. Com o IBS, a arrecadação será atribuída ao local do consumo.
Municípios com economia baseada, por exemplo, na industrialização ou agricultura, ou com economia voltada a modelos distantes do consumo final, poderão ter perdas na arrecadação, de forma que os gestores necessitarão buscar alternativas de diversificação econômica, redução de custos e eficiência, já que a receita do IBS será repassada ao destino e não à origem.
Por conta disso, o novo regramento prevê mecanismos de compensação. Foi criado o Fundo de Desenvolvimento Regional (ainda pendente de regulamentação), objetivando reduzir os impactos da arrecadação do IBS e financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento.
Municípios com baixa diversificação econômica, baseados em um único setor e dependentes da circulação de bens podem ser impactados na arrecadação per capita, bem como aqueles com dependência de incentivos fiscais eliminados ou reduzidos. De outro lado, municípios com políticas de incentivo ao consumo local, crescimento e melhorias na prestação de serviços poderão sofrer incremento arrecadatório.
Mecanismos trazidos pela reforma tributária como a devolução de CBS aos mais pobres (cashback) e a desoneração de bens essenciais, poderão ser ferramentas de auxílio aos sistemas municipais de saúde e assistência social, além de fomentar a economia local. Também é preciso bem compreender a criação de uma estrutura de governança corporativa.
O Comitê Gestor conta com constituição paritária entre estados e municípios, com autonomia operacional, mas sem capacidade de alterar alíquotas ou legislar. A estrutura irá exigir articulação política dos municípios, a fim de garantir participação na formulação de regras e de procedimentos operacionais do IBS, considerada a mitigação da autonomia sobre a regulamentação e alíquota do IBS.
Há, de pronto, um grande desafio a todos os municípios: o de adaptar seu modelo de documento fiscal de serviços às notas técnicas que trazem os campos de CBS/IBS, já que, a partir de 2026, as NFs devem destacar os valores de IBS e CBS, mesmo que não haja recolhimento.
Ressalta-se que até 2032, o município poderá optar pelo modelo nacional da NF de serviços ou manter seu próprio modelo. A partir de 2033 essa opção não existirá mais, devendo haver adequação ao modelo nacional. Além disso, compete aos municípios, já em 2026, adequar seus documentos fiscais ao novo CNPJ alfanumérico, que será implementado em junho.
Todas essas mudanças pedem que os gestores tenham o diagnóstico da situação econômica, financeira e tributária dos municípios, para que, no curso da transição escalonada, possam adaptar e conduzir à estabilidade da arrecadação.
É preciso que a gestão pública, ciente da sua situação atual e considerando o cenário posto, avalie os impactos da reforma tributária na arrecadação do município, identificando os setores econômicos mais vulneráveis, e planejando a implementação de novas políticas públicas.
Incentivos ao comércio local e oferta de bens e serviços, atraindo consumidores de outras localidades; bem como o desenvolvimento de infraestrutura urbana, visando a atração de prestadores de serviços; o investimento no turismo, considerando previsão de concessão de benefício fiscal para reabilitação urbanística (art. 158 e ss da Lei Complementar 214/2025); e o estímulo ao empreendedorismo e pequenos negócios, podem ser ferramentas importantes para modernizar a economia local e promover o desenvolvimento sustentável.
Há de ser ressaltado, também, que a arrecadação municipal não se resume aos valores recolhidos a título de ISS e repasses do ICMS.
O município conta com a arrecadação de ITR, desde que firmado convênio com a RFB, e deve refletir a respeito da arrecadação de IPTU, especialmente com as mudanças inseridas com a EC 132/23.
A EC 132/23 estabeleceu que o IPTU poderá ter sua base de cálculo atualizada pelo Poder Executivo, respeitados critérios estabelecidos em lei municipal (III, do §1º, do art. 156, da CF/88). Essa alteração deve levar a revisão do entendimento externado na Súmula 160 STJ e no Tema 211 do STF.
Ao meu sentir, a alteração constitucional afastou a limitação de aumento da base de cálculo do IPTU por Decreto e atrelada aos índices oficiais de inflação, conferindo maior autonomia ao Poder Executivo Municipal e fazendo com que os índices reflitam a real valorização/desvalorização imobiliária.
Além disso, o IPTU pode ser utilizado como importante instrumento para cidades sustentáveis, com alíquotas diferenciadas, por exemplo, em razão da localização do imóvel ou refletindo a sua não utilização ou níveis de poluição gerados, com lastro no II, §1º, do art. 156, da CF/88.
Nos termos da sustentabilidade e atendendo ao princípio da defesa do meio ambiente, é preciso considerar aplicação do IPTU verde (preservação de áreas verdes, hoje em Curitiba), azul (planejamento hídrico, em Curitiba) e amarelo (construção sustentável, em Salvador), além do IPTU progressivo fiscal.
Relativamente ao ITBI, a antecipação do fato gerador ITBI e a possibilidade de adoção de pauta fiscal para avaliação dos imóveis tendem a favorecer o incremento das receitas.
Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email
Os gestores municipais enfrentarão o desafio de revisar suas legislações, para garantir conformidade com o novo regramento legislativo e com a jurisprudência do STF. A ausência desta adequação normativa poderá levar a um contencioso oneroso.
A reforma tributária, além de grande desafio a todos, pode transformar-se em oportunidade de desenvolvimento.
Municípios com boa infraestrutura e excelência na prestação dos serviços públicos como saúde, segurança e mobilidade, certamente, serão atraentes para novos negócios e para consumidores.