As Medidas Provisórias 1300 e 1304, editadas recentemente, inserem-se no padrão recorrente do setor elétrico brasileiro: a tentativa de resolver problemas de curto prazo, quase sempre com instrumentos que abrem novas frentes de incerteza.
A primeira amplia a Tarifa Social e redefine encargos e subsídios; a segunda busca limitar os impactos desses subsídios na conta de luz, substituindo a lógica de contratação de térmicas por pequenas centrais hidrelétricas e introduzindo ajustes no mercado de gás natural.
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O ponto que passa despercebido no debate político é que, a cada movimento dessa natureza, o país se afasta daquilo que Douglass North identificava como condição essencial para o desenvolvimento: instituições estáveis e previsíveis. Sem regras claras e duradouras, não há confiança, e sem confiança não há investimento.
Ao ampliar a Tarifa Social, a MP 1300 atende a uma pauta relevante, mas redistribui encargos de forma pouco transparente, transferindo incertezas para investidores e consumidores que não sabem, no médio prazo, quem arcará com a conta.
A MP 1304, por sua vez, pretende corrigir distorções substituindo térmicas inflexíveis por PCHs, mas, ao alterar premissas já estabelecidas, expõe projetos em andamento a risco de inviabilidade. Ambos os movimentos geram aquilo que North chamaria de inconsistência temporal das políticas públicas: normas que mudam conforme pressões conjunturais, sem oferecer horizonte seguro para quem precisa investir no setor.
Sob a ótica de Ronald Coase, o problema é ainda mais evidente. O custo real da energia não se resume ao que aparece na fatura mensal. Ele inclui os custos de transação invisíveis: litígios judiciais, renegociações contratuais, insegurança quanto ao retorno dos investimentos e necessidade de permanente vigilância diante de mudanças súbitas. Ao multiplicar regras transitórias e pouco claras, o Brasil aumenta esses custos ocultos, reduzindo a eficiência do setor e a atratividade de novos aportes de capital.
O dilema não está em reconhecer a importância de políticas de justiça social, como a tarifa gratuita para famílias de baixa renda. A questão é como fazê-lo sem corroer a previsibilidade regulatória. Quando o benefício imediato se sustenta em mecanismos frágeis e sem clareza de financiamento, o resultado é a elevação do risco institucional e, paradoxalmente, a tendência de tarifas mais altas no futuro.
O setor elétrico e de gás natural exige investimentos de longo prazo, intensivos em capital fixo. Cada alteração normativa que modifica critérios de remuneração, encargos ou subsídios equivale a elevar o “risco Brasil” específico desse setor. O efeito prático é a retração de investimentos, o aumento do custo de capital e a dificuldade em expandir a infraestrutura que garante segurança energética.
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As MPs 1300 e 1304, portanto, ilustram bem a tensão entre política pública de curto alcance e a necessidade de segurança jurídica. A escolha que o Estado brasileiro precisa fazer não é entre proteger os vulneráveis ou defender investidores: é entre ser promotor de previsibilidade ou gerador de risco.
North lembrava que a incerteza quanto às regras mina o próprio processo de desenvolvimento. E Coase demonstrava que os custos de transação podem inviabilizar até o mercado mais promissor. O debate sobre energia não pode se reduzir a quem paga a conta hoje, mas precisa projetar como garantir, no futuro, a confiança institucional capaz de sustentar os investimentos que manterão a luz acesa.