‘Somos raros, mas existimos’: pacientes com beta-talassemia relatam obstáculos

Aos sete meses de idade, Eduardo Froes passou pela sua primeira transfusão de sangue. Aos quatro anos, foi diagnosticado com beta-talassemia[1], doença ultrarrara causada por mutações genéticas que impactam a produção de hemoglobina, a proteína do sangue responsável pelo transporte de oxigênio. No caso de Eduardo, a doença veio na forma grave, também chamada de beta-talassemia maior[2].

À época, o médico que diagnosticou Eduardo disse que ele teria mais dois ou três anos de vida. Hoje, aos 47 anos de idade, ele preside a Associação Brasileira de Talassemia (Abrasta) e luta para sensibilizar autoridades e garantir maior qualidade de vida aos pacientes de talassemia do Brasil. 

“São muitas camadas. Não é só uma doença, é a interrupção de sonhos. É a privação de fazer determinadas coisas, é enfrentar dificuldades no mercado de trabalho”, explica Eduardo sobre os obstáculos enfrentados por quem vive com talassemia.

Atualmente, o Brasil tem cerca de mil pessoas com a doença[1]. Dados mais recentes obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação revelam que esse número chega a 1.440 pacientes com talassemias (alfa, beta e outras variantes) registrados no sistema Hemovida Web Hemoglobinopatias até setembro de 2024, dos quais 1.243 possuem diagnóstico de beta-talassemia (menor, intermediária e maior)[3].

De acordo com o presidente da Abrasta, acredita-se, porém, que haja uma subnotificação de casos devido a falhas no processo de cadastro no Ministério da Saúde. Isso porque os casos leves da doença, a beta-talassemia menor, podem ser assintomáticos ou causar anemia muito leve[2]

Essas pessoas podem “passar boa parte da vida sem diagnóstico e descobrir a condição após os 50 ou 60 anos”, explica Ana Cristina Silva Pinto, médica hematologista e coordenadora do hemocentro de Ribeirão Preto. 

Já os casos intermediários e graves requerem um tratamento intenso para o resto da vida. Se não tratada, a doença pode levar a óbito.

Mesmo quando a condição não apresenta sintomas específicos da talassemia, os pacientes podem manifestar sintomas relacionados à anemia, que podem ser leves a graves, incluindo fadiga, tontura ou fraqueza, dores de cabeça frequentes, palidez da pele, falta de ar, palpitações cardíacas, pele ou olhos amarelos (icterícia), urina escura ou cor de chá, barriga inchada e ossos fracos ou deformados nos braços, pernas e rosto[4].

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Sobre o tratamento para a beta-talassemia, a especialista Ana Cristina explica que os cuidados se dividem de acordo com a classificação dos pacientes entre aqueles que são dependentes de transfusão de sangue e os que não são[5]. Inclusive, a Federação Internacional de Talassemia (TIF) passou a classificar os pacientes com beta-talassemia como DT (dependentes de transfusão) ou NDT (não dependentes de transfusão), segundo a necessidade de transfusões regulares de hemácias ao longo da vida para sobreviverem[6]

O primeiro grupo precisa realizar transfusões sanguíneas periódicas em um intervalo de duas a quatro semanas. Além disso, é necessário tomar remédios quelantes, para eliminar o excesso de ferro que se acumula no corpo como consequência das transfusões.

Tratamentos disponíveis no Brasil

O país possui os principais métodos de tratamentos disponíveis e incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS)[5]. São eles a transfusão sanguínea e três tipos de medicamentos quelantes de ferro. Isso, porém, não significa que não existam barreiras no acesso ao tratamento.

Entre os principais obstáculos, Eduardo Froes destaca a realização de exames de ressonância magnética para identificar o acúmulo de ferro, que não acontece em toda a rede do SUS, e o tratamento combinado com dois tipos de quelantes, que apesar de indicado para grande parte dos pacientes, não está disponível em todos os estados. Esta última barreira deve ser superada em breve, com a adoção de uma nova diretriz pelo Ministério da Saúde, um avanço que o presidente da Abrasta celebra.

Além disso, há pacientes que vivem em áreas remotas ou estão em situação de vulnerabilidade social e têm dificuldades físicas e financeiras em acessar os centros de tratamento. Outro ponto é o fato de que o tratamento nem sempre é abordado de forma multidisciplinar. “Muitas pessoas não conseguem acessar tratamento de forma que priorize a qualidade de vida”, afirma Eduardo. “No passado se acreditava que somente dar sangue já era o tratamento completo, hoje a gente sabe que a transfusão é um dos braços do tratamento”, explica.

Há ainda a dimensão da saúde mental. “Uma pessoa saudável já enfrenta muitos desafios, agora imagina uma pessoa vivendo numa condição de saúde grave, que não tem o básico. Você acha que essa pessoa vai ter esperança de ter dias melhores? A pessoa vai acordar feliz?”, questiona Eduardo.

Em meio às dificuldades, a Ana Cristina aponta a existência de um novo medicamento, o luspatercepte[7], que já foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), porém com acesso limitado nos sistemas público e privado de saúde.

Ela explica que se trata de um remédio que diminui a eritropoese ineficaz, ou seja, a produção de glóbulos vermelhos anormais, e aumenta o nível de hemoglobina. Isso, segundo a especialista, pode reduzir o número de transfusões dos pacientes que são dependentes de transfusões. 

Passando por menos transfusões sanguíneas, além do benefício óbvio e imediato de não precisar realizar o procedimento com tanta frequência, os pacientes também reduziriam o acúmulo de ferro no organismo e, consequentemente, a quantidade necessária de quelantes. O medicamento, submetido à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), aguarda avaliação da agência com expectativa de abertura de consulta pública. 

A possibilidade de melhora no tratamento das pessoas com a condição atende o objetivo de Eduardo Froes, da necessidade de que as pessoas com talassemia possam estar bem inseridas na sociedade, contribuindo para o Estado, e que consigam praticar exercícios, estudar, entre tantas outras atividades. “Há muito trabalho pela frente. É difícil dar visibilidade a um grupo pequeno, embora cada vida importa. Precisamos sensibilizar as autoridades. Não podemos ser invisibilizados. Somos raros, mas existimos”, conclui.


Referências

1. Brasil. Ministério da Saúde. Talassemia: saiba o que é a doença e a importância do diagnóstico precoce. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/maio/talassemia-saiba-o-que-e-a-doenca-e-a-importancia-do-diagnostico-precoce
Acesso em: 11 set. 2025.

2. Brasil. Abrasta. Talassemia Maior. Disponível em: https://abrasta.org.br/talessemia/talassemia-maior/
Acesso em: 11 set. 2025.

3. FalaBR. Lei de Acesso a Informação. Informações de pacientes com beta-talassemia. Pedido 25072050332202406. Disponível em: https://buscalai.cgu.gov.br/PedidosLai/DetalhePedido?id=7743490
Acesso em: 11 set. 2025.

4. CLEVELAND CLINIC. Beta Thalassemia: Symptoms, Causes & Treatment. My Cleveland Clinic. Cleveland, 2025. Disponível em: https://my.clevelandclinic.org/health/diseases/23574-beta-thalassemia
Acesso em: 11 set. 2025.

5. Brasil. Ministério da Saúde. Orientações para o Diagnóstico e Tratamento das Talassemias Beta [Internet]. 2016.
Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/orientacoes_diagnostico_tratamento_talassemias_beta.pdf. Acesso em: 11 set. 2025.

6. Eleftheriou A, Angastiniotis M. Global Thalassaemia Review 2023. Thalassaemia International Federation (TIF). Disponível em: https://thalassaemia.org.cy. Acesso em: 11 set. 2025.

7. BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Reblozyl® (luspatercepte) – novo registro. Brasília, DF: ANVISA, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/novos-medicamentos-e-indicacoes/reblozyl-r-luspatercepte-novo-registro
Acesso em: 11 set. 2025.

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