Nos últimos anos, a inteligência artificial deixou de ser apenas promessa tecnológica para se tornar parte do cotidiano de empresas, governos e profissionais em todo o mundo. Entre os avanços mais notáveis estão os Large Language Models (LLMs), como o ChatGPT, capazes de produzir textos, resumir informações e apoiar processos decisórios em tempo real.
Mas até que ponto essas ferramentas realmente aumentam a nossa produtividade no trabalho? E, talvez mais importante, quais os limites que já começam a aparecer quando tentamos aplicá-las em escala?
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O debate no plano macro
Como praticamente tudo hoje em dia, as respostas mais comuns à pergunta que nos fizemos anteriormente se concentram em dois polos antagônicos. De um lado, temos fundadores de startups e outros entusiastas muito otimistas com as possibilidades de crescimento econômico e ganhos de produtividade; do outro, vemos alguns sociólogos e economistas prevendo um cenário pouco animador, em que a substituição do emprego pelo capital superaria a nossa capacidade de gerar novos tipos de ocupação.
Para o bem ou para o mal, a verdade é que a IA já vem sendo discutida e empregada por grandes empresas há pelo menos 15 anos – e sem as grandes disrupções comumente previstas. De fato, quando olhamos para os EUA, um bom termômetro das economias desenvolvidas, vemos que, nessa mesma janela de tempo, a produtividade do trabalho avançou pouco (Figura 1), sem que isso comprometesse a manutenção do emprego.
Só recentemente, a partir de 2022, observamos sinais de aceleração da produtividade acompanhados de uma redução suave da taxa de emprego, sugerindo uma possível reconfiguração dessa relação. Esses movimentos ainda são incipientes. É cedo para afirmar se marcam o início de uma mudança estrutural ou apenas um soluço estatístico ou resquício do ciclo econômico, mas já oferecem combustível para que otimistas e céticos reforcem suas narrativas.
Fonte: Elaboração própria, BLS
As implicações microeconômicas da AI
De todo modo, por trás dos números agregados já é possível observar o efeito da IA em setores específicos. Embora a maioria dos casos envolva atividades de programação, já existem estudos com advogados, consultores, médicos e atendentes de call center. Em todos eles, os resultados são consistentes: o uso da IA reduziu o tempo de execução das tarefas em 22% a 55%, em comparação com grupos de controle — isto é, participantes que não utilizaram a tecnologia.
Esses ganhos, no entanto, não se repetem quando se avalia também a qualidade do trabalho. Em um estudo da Harvard Business School com a Boston Consulting Group, os consultores mais juniores tiveram ganhos de produtividade quase três vezes maiores que seus pares sêniores.
Já em tarefas mais complexas, os efeitos foram nulos ou mesmo negativos: nesse mesmo experimento, a nota média das entregas feitas com apoio da IA ficou 15% abaixo daquelas produzidas sem a ferramenta. Resultados semelhantes aparecem em outras áreas. Em pesquisa recente do Model Evaluation & Threat Research (METR), programadores que utilizaram IA tiveram desempenho 12% inferior em tarefas de maior complexidade.
Mas afinal, o que diferencia uma tarefa simples de uma tarefa complexa? Será que podemos utilizar a mesma régua de complexidade que usamos para modelos como o GPT ou o Gemini? A resposta é menos óbvia do que parece. No estudo que citamos de Harvard, os autores apresentam o conceito de “fronteira tecnológica irregular” (jagged frontier), em que a IA se destaca em certas tarefas, mas falha em outras aparentemente semelhantes. Para os economistas de plantão, é como se tivéssemos uma Fronteira de Possibilidades de Produção (FPP) cheia de irregularidades e quinas (vide Figura 2).
Fonte: Dell’Acqua et al. (2023)
Dentro dessa fronteira, a IA se destacou em atividades como geração de ideias, análise argumentativa, escrita e persuasão. De forma surpreendente, também foi competente em tarefas que os humanos tendem a considerar de alta complexidade, mas fracassou em operações muito mais simples, como aritmética básica.
Fora da fronteira, mostrou dificuldade para lidar com dados quantitativos elaborados ou para captar nuances de entrevistas contraditórias em relação a outras fontes – atividades que mesmo um consultor júnior muitas vezes conseguiria fazer por conta própria.
Experiências práticas com IA
Delimitar com precisão a fronteira da IA na prática não é tarefa simples. Um experimento conduzido pela Impacta Finanças Sustentáveis buscou mapear os fluxos de capital climático no Brasil a partir de notícias de jornal, com o objetivo de construir métricas que indicassem a evolução desses investimentos ao longo do tempo, bem como as modalidades e os principais atores envolvidos.
O primeiro protótipo concentrou-se em apenas um veículo de comunicação: após a extração e filtragem de matérias relevantes, o conteúdo foi processado por meio de IA para identificar informações pertinentes ao escopo. O resultado foi um conjunto de 385 notícias que, apesar de algumas duplicações e lacunas, permitiu a construção de um mapa de redes. A análise revelou a formação de clusters distintos e destacou o BNDES como um hub de altíssima centralidade, articulando parceiros de infraestrutura e energia e assumindo um papel estruturante — diferente da lógica mais comercial dos grandes bancos privados no financiamento sustentável.
Fonte: Elaboração própria
A partir desses achados, a Impacta decidiu escalar a metodologia. A segunda versão foi desenvolvida em colaboração com a Mondoré, consultoria especializada em tecnologia e gestão, e exigiu maior sofisticação técnica.
O novo protótipo, porém, trouxe resultados menos animadores: o crivo mais rigoroso reduziu a amostra a apenas 134 notícias, muitas ainda fora do escopo desejado. Mesmo ao focar em linhas de financiamento específicas, não foi possível chegar a narrativas consistentes em nível macro. De forma paradoxal, a simplicidade do primeiro modelo revelou-se mais eficaz do que a sofisticação da segunda versão.
Conclusão
É importante lembrar que se tratava apenas de protótipos iniciais. Com mais tempo, parte dos problemas da segunda versão poderia ter sido resolvida. Ainda assim, a trajetória acabou funcionando como uma ilustração concreta da chamada “fronteira tecnológica”. O primeiro modelo, mesmo com imperfeições, já tocava a linha tênue entre o que a IA executa bem e o que começa a escapar de sua capacidade.
Quando a complexidade foi ampliada, essa fronteira foi ultrapassada e o desempenho da ferramenta passou a piorar em vez de melhorar. Na era das LLMs, o desafio para pesquisadores é justamente identificar esses limites sinuosos: compreendê-los permite fragmentar tarefas, delegando à IA aquelas em que se destaca, enquanto preservamos para o trabalho humano as etapas em que ainda levamos clara vantagem.
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