A Medida Provisória 1.303, editada pelo governo em junho de 2025 com alternativas ao aumento de IOF, mexeu com um dos pilares mais sensíveis do mercado: a previsibilidade das regras tributárias. Ao alterar a forma de tributação de aplicações financeiras, a MP abriu debate entre advogados e investidores sobre a previsibilidade das normas.
A MP cria alíquota de 5% de Imposto de Renda (IR) para produtos até então isentos, como as Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e do Agronegócio (LCA) — pontos que ainda estão em negociação no Congresso. Para esses produtos, a mudança é válida apenas para emissões a partir de janeiro de 2026, preservando as aplicações feitas até dezembro de 2025.
O texto também unifica em 17,5% a alíquota do Imposto de Renda para investimentos financeiros, em substituição à tabela regressiva que variava de 22,5% (curto prazo) a 15% (prazo acima de dois anos). Essa nova regra alcança inclusive investimentos já realizados, como CDBs, operações em bolsa, criptoativos e fundos em geral, o que afeta o planejamento feito por investidores baseado nas regras vigentes até então.
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A MP ainda eleva de 15% para 20% a alíquota dos Juros sobre Capital Próprio (JCP) e de 12% para 18% a tributação sobre o faturamento das bets. Com isso, a medida terá impacto de R$ 20 bilhões, sendo R$ 10 bilhões já em 2025.
Efeitos para os investidores
João Henrique Gasparino, diretor executivo da consultoria tributária Nimbus Tax, destaca que o maior impacto recai sobre investidores que já tinham aplicações em andamento. “O choque principal é a padronização do IRRF em 17,5%, o que achatou o antigo regime regressivo. Quem mirava prazos longos perde o benefício da alíquota de 15%, enquanto investimentos de curto prazo ganham marginalmente”, afirmou.
Para o advogado Morvan Meirelles Costa Junior, do escritório Meirelles Costa Advogados, a perda da isenção sem regra de transição para cotas já adquiridas representa “uma alteração substancial na rentabilidade líquida esperada” e quebra a expectativa de investidores que fizeram aplicações considerando que seriam beneficiados pelas regras até então vigentes.
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Camila Bacellar, do Cescon Barrieu, por sua vez, considera que, mesmo preservando o estoque até dezembro de 2025, no caso das LCAs, a MP mexe com projeções futuras de empresas e investidores, trazendo instabilidade. “Estamos falando de uma mudança que mexe com setores que tradicionalmente contavam com incentivos, como o agronegócio. Retirar a isenção significa encarecer o crédito rural e reduzir a previsibilidade de quem investe no agro”, afirmou. Esse cenário de incerteza, observa, atinge diretamente a confiança de quem planejou investimentos de longo prazo.
Segurança jurídica
Tomás Oliveira, sócio do Mattos Filho, não considera que há quebra da segurança jurídica, já que a Constituição impõe a regra da anterioridade: novas alíquotas só podem valer a partir de janeiro do ano seguinte, e, no caso da MP, a vigência é em 2026. Ele admite, porém, que a mudança é “grande” e demandará adaptação dos contribuintes e das instituições financeiras.
No plano da legalidade, não há consenso de que a MP seria inconstitucional. Tomás afirma que o fato gerador do imposto é o momento em que o rendimento é efetivado, e não a data da aplicação, o que legitima a cobrança mesmo sobre investimentos feitos antes da edição da medida. Celso Costa, do Machado Meyer, segue a mesma linha, ao defender que a incidência é prospectiva, sobre “renda nova” a partir de 2026.
Ainda assim, o efeito prático recai sobre o investidor, como destaca Cristiano Araújo Luzes, do Serur Advogados: “Quem realizou investimentos no passado, tendo uma tese de retorno em mente, agora precisará recalcular sua rota”.
Já Luiz Eduardo Schemy, do Juveniz Jr. Rolim Ferraz Advogados, lembra que o STF já delimitou que medidas provisórias não deveriam tratar de matérias estruturais de arrecadação. Para ele, o instrumento legislativo escolhido abre margem para questionar a validade da MP.
Posição do mercado
A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) afirmou, em nota ao JOTA, que a MP é complexa e ainda está em análise pela equipe técnica. A entidade destacou que mantém diálogo constante com participantes do mercado para reunir contribuições técnicas e pretende atuar de forma propositiva junto ao governo.
Por sua vez, a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) foi enfática nas críticas. Em parecer assinado por Marcelo Winter, do VBSO Advogados, a entidade alertou que a tributação de instrumentos antes isentos, como LCAs, CRAs e debêntures incentivadas, encarece o crédito e reduz a atratividade dos investimentos. “A aprovação nos termos atuais acarretará maior custo de crédito, desincentivo ao investimento privado e redução da competitividade internacional”, afirmou.
As críticas ganham peso porque a MP ainda está em tramitação e já recebeu mais de 600 emendas parlamentares. O governo corre contra o tempo para aprová-la antes que perca a validade, no dia 8 de outubro. O texto tramita na comissão mista, composta por deputados e senadores, e terá parecer apresentado no dia 23 de setembro. Depois, dentro do período, ainda precisa passar pela análise da Câmara e do Senado. A tendência, adiantada pelo JOTA PRO Poder, é que o texto seja desidratado.