O ex-presidente do PT e ex-ministro da Casa Civil José Dirceu disse que um ajuste fiscal em um eventual quarto mandato do presidente Lula não deve ser feito pelo lado social, como salário mínimo e renda do trabalhador.
“Querem fazer um pacto político ou querem fazer um ajuste sobre o salário mínimo sobre a renda do trabalho? Nós não vamos aceitar. Ganhem a eleição e façam, mas vão ter que ganhar a eleição. Se nós ganharmos, eu vou defender que nós não façamos o ajuste do lado social”, disse o petista nesta sexta-feira na primeira entrevista do Persona JOTA 2026, nova série com personalidades políticas influentes de vários espectros políticos que seguirá até as eleições de 2026.
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Dirceu acredita que um próximo governo Lula ser mais à esquerda ou não, depende do parlamento e não de Lula. “Se dependesse do presidente Lula nós estaríamos fazendo uma reforma tributária na renúncia fiscal e na estrutura de renda, propriedade e riqueza”.
Depois da anulação das condenações na operação Lava-Jato, Dirceu, que hoje trabalha como advogado, mas segue influente no partido do presidente Lula, planeja voltar ao Congresso como deputado federal em 2027. A entrevista foi conduzida pelo analista-chefe do JOTA, Fabio Graner, e pelo analista de Política, Fabio Murakawa.
Assista à íntegra da entrevista e leia os principais pontos
Cenário para reeleição do Lula em 2026
Então é um governo que tem condições de se reeleger. Nós temos candidato, temos aliança e temos já desenhado um programa: soberania, democracia e o social. A direita não tem candidato, não tem como resolver a questão Bolsonaro, grande parte do MDB e parte do PSD estarão com o Lula, então nós temos uma situação que tende a nos dar uma vitória.
Agora a eleição, como nós vimos em 2014, 2018 e 2022 no Brasil, se decide por poucos votos, por um ou dois milhões de votos, então temos que nos preparar e o presidente tem consciência disso.
O fator Tarcísio na reeleição
O Tarcísio não é tão forte em São Paulo como parecia. Ele sofreu um desgaste muito grande e sofrerá mais, porque eu quero que alguém me apresente o que o Tarciso fez em São Paulo. Ele ligou o piloto automático. E nas pesquisas já empata com Geraldo Alckmin ou com Fernando Haddad, no segundo turno para governador.
O Brasil está politizado, muito politizado. O eleitorado conservador está muito consistente, ele tem um programa, o Tarcísio está vendendo esse programa: privatizar Petrobras, os bancos públicos, tirar a vinculação do salário com a aposentadoria, tirar os pisos de saúde e educação, privatizar a Previdência.
Lula 4 mais à esquerda?
Depende do parlamento [ser mais à esquerda], não depende do presidente Lula. Se dependesse do presidente Lula nós estaríamos fazendo uma reforma tributária na renúncia fiscal e na estrutura de renda, propriedade e riqueza.
Haverá ajuste do lado do gasto?
Despesa tributária é gasto. E juros da dívida pública, é que nós estamos vivendo de uma ilusão, nós não estamos pagando juros da dívida pública e está virando dívida pública, porque esse juro real de 10% leva o país a uma situação de insolvência. Como nenhum país do mundo paga mais que 2% da dívida pública.
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O Brasil precisa tomar consciência disso, não pode continuar com essa estrutura tributária, não pode continuar com essa concentração de renda, isso é um processo de pacto político.
Agora eu pergunto, querem fazer um pacto político ou querem fazer um ajuste sobre o social, sobre o salário mínimo, sobre a renda do trabalho? Nós não vamos aceitar. Ganhem a eleição e façam, mas vão ter que ganhar a eleição. Se nós ganharmos, vou defender que nós não façamos ajuste no lado social.
Desvinculação do salário mínimo
Desvinculação do salário mínimo para os aposentados daqui a 10 anos estarem na rua? Nós protegemos a renda do trabalho e o fizemos bem, porque é ela que impulsiona o crescimento do país. O Brasil já é um país de subdemanda, que é um dos problemas, por causa dessa estrutura tributária, por causa disso.
Parece que nós somos contra o mercado de capitais. Não, pelo contrário. Contra o sistema bancário? Não, pelo contrário, se não nós não teríamos o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, que nós queremos tanto manter, e o BNDES.
O sistema bancário e o mercado de capitais é fundamental para o país, mas há uma distorção no Brasil que precisa ser corrigida. Do contrário, vamos viciar o país no rentismo.
Tamanho do Estado brasileiro
A política fiscal pode mudar se fizer uma reforma tributária e reduzir a renúncia fiscal. Reforma administrativa, por exemplo, pode ser feita, será feita, a ministra inclusive está apresentando uma proposta, o governo quer fazer. Mas nós sabemos que não vamos mexer na previdência dos militares nem nos supersalários, o Congresso não vai fazê-lo. Então, é assim, aí vai mexer nos salários dos servidores públicos? Não, nós não podemos concordar. Ou mexe nos supersalários e mexe na previdência dos militares. Eu sou favorável a uma ampla reforma nas Forças Armadas, porque ela tem que entrar no século XXI.
Déficit público
O problema do déficit público, eu quero insistir, existe, não é tão grave, não é alto o nosso déficit, os Estados Unidos estão a quase 7%, fora o déficit comercial na balança de conta corrente e a dívida pública, que está em 120% do PIB, a Europa toda está com dívida pública de 125%, mas eu repito, mas eles pagam juros de 2%. Nós temos que pagar 10% por causa da falta de confiança no governo? Quanto que o Brasil deixou de pagar juros da dívida pública e quando que nós deixamos pagar lucros e dividendos para as empresas que estão aqui no Brasil, inclusive às americanas?
Chapa eleitoral em 2026 e vice-presidente
Não creio, pelo menos do que eu tenho ouvido do presidente Lula e do presidente do PT, Edinho, que o presidente esteja pensando em mudar a chapa presidencial. Acho que isso não está na mesa.
Mas, evidentemente, a nossa chapa ideal é o Alckmin e o Haddad juntos. Essa é a chapa ideal para vencer, mas essa é uma questão que não pode ser colocada na mesa nesse momento, que só o presidente e o vice-presidente Geraldo Alckmin e os partidos, o PT e o PSB, vão poder conduzir isso.
PEC da Blindagem
Primeiro, é inconstitucional, segundo, não passa no Senado […] Eu acredito que a Câmara e o Senado têm que ter clareza que a maioria da sociedade não aceitará se eles passarem do limite. O Parlamento tem que ter independência, o mandato tem que ter imunidade, isso está garantido na Constituição. A Constituição foi mudada em 2001, por iniciativa do deputado Aécio Neves, e criou-se esse conflito agora, que a Câmara quer estender às questões penais essa imunidade. E não há acordo, eu não acredito que passe no Senado.
Próximo Congresso
Não vejo que o povo brasileiro dará mais força para a direita e para a extrema-direita no Congresso. A classe média brasileira tem peso, é decisiva na eleição, ela está vendo que o Trump está fazendo dentro Estados Unidos. Eles sabem que essa é a natureza da política da direita, da extrema-direita brasileira.
O grande problema da direita é que o eleitorado não quer mais o Bolsonaro, por isso que nas pesquisas atuais eles caem, a Michelle Bolsonaro, esposa do Jair Bolsonaro, cai, o filho cai e ele também, e a rejeição deles aumenta. Por quê? Porque eles se aliaram ao Trump e porque eles insistem em atacar a Suprema Corte.
Eu não vejo que a sociedade brasileira vai dar mais apoio para a direita.
Candidato da oposição
O eleitorado conservador de direita é muito consistente, muito sólido, está muito implantado no Brasil porque nós passamos dez anos reprimidos e o terreno ficou livre para eles. Então, eles se fortaleceram muito e, nesse sentido, qualquer candidato pode ir para o segundo turno. Agora, para vencer o Lula no segundo turno, as pesquisas indicam que nenhum deles vence.
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Os campos políticos estão formados, e eu quero repetir: o Brasil não está polarizado, o Brasil está politizado. Se você perguntar para um eleitor por que ele não vota no Lula, ele vai mostrar as diferenças em cada assunto que nós tratamos aqui.
PT pós-Lula
Há um eleitorado também de centro-esquerda, progressista, democrático, agora também nacionalista, grande no Brasil. Quando [Fernando] Haddad teve 32 milhões de votos no primeiro turno, 2018, isso ficou provado. E de lá para cá, melhorou, não piorou a situação nossa porque o Lula ganhou a eleição em 2022, numa frente ampla.
O futuro do governo do Lula, como ele mesmo tem chamado a nossa atenção, é o PT. É preciso reconstruir o PT de certa forma. O PT tem uma base eleitoral, base social, mas sofreu muito de 2013 a 2020, com tudo o que aconteceu. Temos que reconstruir nossas sedes, reconstruir nossos instrumentos culturais, de formação política, nos empoderarmos das redes, fazer a mudança geracional que já vem acontecendo rapidamente no PT.
O PT é o sucessor do Lula. As lideranças, elas têm que surgir. O Boulos é uma nova liderança? João Campos? Camilo Santana? Fernando Haddad? Rui Costa? Quem serão as novas lideranças? O Rafael Fontelles do Piauí?
O próximo processo político e a luta social acabam formando novas lideranças.