O juiz Paulo Cezar Neves Junior, da 21ª Vara Cível Federal de São Paulo, decidiu negar um mandado de segurança ajuizado pela Maersk contra atos da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) que restringiam a participação de operadores que já atuam no porto no edital do novo terminal. A empresa dinamarquesa alegava que a inclusão das restrições no edital deveria ter sido submetida a nova audiência e consulta públicas.
O magistrado entendeu que as questões concorrenciais levantadas sempre estiveram presentes nas reuniões da Antaq e nas audiências públicas realizadas sobre o leilão do novo terminal e que “audiência pública não constitui, como regra geral, etapa obrigatória do procedimento administrativo licitatório”.
Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email
A Justiça já havia negado um pedido de liminar da Maersk no mesmo caso.
Por que a decisão favorável à Antaq importa
O leilão do novo terminal, o Tecon Santos 10, tem gerado expectativa em todo o setor portuário. Terá um investimento estimado de R$ 6,45 bilhões, o maior investimento portuário da história do Brasil, e um contrato com prazo inicial de 25 anos, podendo ser aumentado para 70 anos.
A necessidade de um novo terminal para evitar a saturação do porto, que é o maior da América Latina, é urgente. Sem a obra, o Porto de Santos deve esgotar sua capacidade de receber cargas até 2028.
A realização de uma nova audiência arrastaria o processo licitatório do novo terminal — que tem a previsão de aumentar em até 50% a capacidade de movimentação de contêineres do porto. E a possibilidade de concentração de mercado na mão de grandes conglomerados é uma preocupação das autoridades portuárias e de observadores do setor.
Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas
Para a advogada Marcela Bocayuva, mestre em Direito Público e especialista em Direito Portuário, a decisão da Justiça reforça os papéis da Antaq e do Ministério dos Portos e Aeroportos em sua função estratégica de proteção da soberania nacional. “Eles asseguram que as decisões sobre infraestrutura crítica sejam pautadas pelo interesse público e não por vetores de dominação privada transnacional”, afirma Bocayuva.
“O caso do Tecon Santos 10 representa um divisor de águas na definição dos limites entre o interesse público e o domínio privado sobre ativos logísticos estratégicos”, afirma a advogada. “A tentativa de expansão do controle de terminais por conglomerados transnacionais com alto poder de mercado revela um cenário de risco sistêmico à autonomia regulatória do Estado brasileiro e à própria soberania econômica nacional.”
Transparência e Participação
Segundo a Antaq, o objetivo da restrição de operadoras que já atuam no porto é evitar a concentração de mercado.
A Maersk argumentava que a Antaq violou os princípios da transparência e participação ao alterar a minuta do edital do novo terminal após a realização de uma audiência pública em fevereiro de 2025.
Em especial, questionava a decisão da agência de prever duas etapas na licitação: na primeira, ficariam impedidos de participar os atuais operadores do Porto de Santos. Na segunda etapa, caso a primeira não tivesse, propostas válidas, tais empresas poderiam concorrer, desde que houvesse “desinvestimento” de seus ativos já existentes.
A empresa dinamarquesa argumentava que essa mudança foi uma “alteração brusca” que deveria ser objeto de nova consulta pública.
Mas, segundo o juiz Paulo Cezar Neves Junior, alterações em pontos específicos da minuta, ainda que relevantes, não “necessariamente impõem a realização de nova audiência pública” uma vez que a questão concorrencial foi discutida nas audiências públicas anteriores.
Segundo o magistrado, a Lei de Licitação e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) prevê que a administração poderá convocar audiência pública com disponibilização prévia de informações pertinentes sobre edital que pretenda realizar e também poderá promover consulta pública sobre a licitação em andamento, mas as audiências não são obrigatórias.
O juiz também entendeu que a ausência de uma nova audiência após a inclusão da restrição não feriu a Lei 13.848/2019 — que prevê que as minutas e as propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos sejam objeto de consulta pública — pois foram realizadas duas audiências no processo licitatório.
Em nota, a Maersk afirma que defende “a ampla participação no debate sobre o futuro leilão do Tecon Santos 10, considerando a relevância estratégica desse ativo para o comércio exterior brasileiro”.
“Garantir igualdade a todos os interessados que atendam às exigências do certame é fundamental para assegurar uma competição efetiva e priorizar a eficiência operacional no futuro terminal”, afirma a empresa, parte da A.P. Moller.
“Esse entendimento está alinhado à política setorial definida pelo Ministério de Portos e Aeroportos, às justas preocupações manifestadas pela Antaq, bem como ao parecer do Ministério da Fazenda e a manifestações anteriores do CADE.”
Tecon Santos 10
O projeto de um novo terminal em Santos teve início em 2013, dentro do Programa Nacional de Arrendamento de Áreas e Instalações Portuárias, mas não avançou.
A retomada aconteceu apenas em 2019, quando houve um novo hiato até outubro de 2024. Na ocasião, o Ministério de Portos e Aeroportos reformulou a proposta, e a batizou como Tecon Santos 10.
Projetado para ser o maior terminal do país, com capacidade de movimentação de 3,5 milhões de TEUs (unidade de medida para contêineres) a partir de 2034, o Tecon Santos 10 terá contrato de arrendamento de até 70 anos.
A licitação do terminal foi objeto de uma primeira audiência pública em 2022 e outra em 2025. A Antaq afirmou que recebeu 538 contribuições pelo sistema oficial, além de pareceres e estudos de diversos órgãos, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.
Segundo a Justiça Federal de São Paulo, esse debate prévio sobre as restrições demonstra que “não se trata de alteração superveniente” e que “todas as contribuições serviram de subsídio para a análise concorrencial”. A Antaq também afirmou que a medida de dividir a licitação em duas etapas foi uma das alternativas discutidas publicamente, com o objetivo de evitar concentração de mercado e práticas anticompetitivas.
O número do processo é 5017328-89.2025.4.03.6100.