Do narcotráfico à Amazônia: Brasil precisa modernizar ferramentas contra crime organizado

O debate em torno do PL Antimáfia abre uma oportunidade decisiva para o Brasil modernizar suas ferramentas de enfrentamento às redes criminosas. O país vive hoje um cenário alarmante: 1 em cada 4 brasileiros já está sob o controle direto de facções.

Essas organizações não apenas disputam o comércio de drogas, mas também se expandem para mercados legais e serviços públicos — do setor de bebidas a rotas de transporte público, do setor de combustíveis ao mercado financeiro, como se viu na megaoperação em que bilhões de reais provenientes do crime foram ocultados por meio de sofisticados esquemas utilizando fintechs e fundos de investimentos.

Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas

A crescente sofisticação do crime organizado, que opera com lógica empresarial, também opera crimes ambientais altamente lucrativos. A exploração ilegal de madeira, ouro, gado e terras na Amazônia movimenta bilhões de dólares por ano, saqueando recursos naturais e destruindo a biodiversidade.

Esses bens extraídos ou produzidos ilegalmente são inseridos em cadeias produtivas formais, para a obtenção de grande lucro. Trata-se da chamada “lavagem de ativos ambientais”, um processo refinado de dissimulação da procedência dos próprios bens. Sem atacar esse mecanismo, qualquer esforço de combate será incompleto.

Apesar de cifras bilionárias em jogo, os sistemas nacionais de prevenção e combate à lavagem de dinheiro ainda não estão preparados para lidar com essa realidade. Criados em grande parte para enfrentar o narcotráfico e a corrupção, esses mecanismos carecem de normas e ferramentas capazes de combater a lavagem de dinheiro oriunda da exploração de outros mercados como o ambiental.

Um estudo recente do Instituto Igarapé (“Fortalecendo os sistemas de combate à lavagem de dinheiro diante dos crimes ambientais”) mostra como países amazônicos têm buscado respostas mais ágeis. Colômbia, Equador e Peru já adotam instrumentos de extinção de domínio em âmbito civil, que permitem confiscar patrimônio ilícito sem necessidade de condenação penal. Essa abordagem acelera a retirada do benefício econômico do crime e dificulta que o recurso seja usado em novas atividades ilegais, mesmo antes da condenação criminal.

Os avanços nos países vizinhos são concretos: a Colômbia regulamentou a extinção de domínio pela Lei 1.708/2014; o Peru reforçou recentemente a perda de domínio em casos de mineração ilegal com a Lei 32.326/2025 e o Equador prevê o confisco de bens de origem presumivelmente ilícita ou injustificada. No Brasil, por outro lado, só existe o modelo penal tradicional, que condiciona a apreensão de bens a um processo criminal — mais lento e limitado.

A menos de dois meses da COP em Belém, se o país quiser liderar o enfrentamento ao crime organizado ambiental, precisa adotar mecanismos modernos, que podem ser inspirados nos vizinhos, capazes de retirar rapidamente ativos ilícitos da circulação. Sem respostas institucionais mais ágeis, não haverá redução consistente nem do poder das facções, nem da destruição da Amazônia.

As discussões impulsionadas pelo PL Antimáfia podem ser o marco desse avanço, mas só serão eficazes se vierem acompanhadas de salvaguardas claras e robustas. A aprovação de mecanismos como a extinção de domínio é poderosa, mas também arriscados.

Por se tratar de medidas de caráter pecuniário e com afetação ao patrimônio sem incidência sobre a liberdade de ir e vir, o parâmetro probatório não precisa se submeter ao mesmo rigor que para uma condenação criminal, sendo suficiente as exigências probatórias do processo civil, bem como o respeito ao direito de defesa.

Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email

Porém, sem critérios rigorosos e transparência, podem ser usados de forma indiscriminada, transformando-se em instrumentos de abuso contra adversários políticos ou pequenos acusados — em vez de ferramentas voltadas à desarticulação das redes, como expostas nessa semana, que movimentam bilhões e corroem o Estado por dentro.

O desafio é enorme, mas a oportunidade é única. O Brasil precisa enfrentar o crime organizado com articulação interinstitucional e instrumentos à altura de sua ameaça — para proteger a sociedade, a floresta e as instituições.

Generated by Feedzy