O presidente Lula sancionou nesta quarta-feira (17/9) o projeto de lei que cria regras para a proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais – o PL 2628/22, aprovado no Congresso no final de agosto. Como antecipou o JOTA PRO, o presidente vetou a ‘vacatio legis’ de um ano da proposta e enviou ao Congresso uma medida provisória para estabelecer que a lei entre em vigor em seis meses.
A sanção do projeto, primeiro que trata da regulação das plataformas digitais a passar pelo plenário das duas casas do Congresso, ocorreu nesta quarta-feira (17/9) no Palácio do Planalto. Na ocasião, Lula também anunciou um pacote de ações voltadas ao digital com foco na concorrência no mercado on-line e na atração de investimentos em infraestrutura do setor. Uma delas foi o envio de uma MP para a criação do regime especial de data centers, o Redata.
A medida vincula incentivos, como isenção de PIS/Pasep, Cofins e IPI, a contrapartidas financeiras em pesquisa e desenvolvimento que promovam o adensamento das cadeias produtivas digitais no Brasil.
O governo também enviou uma medida provisória para transformar em agência a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), colocando-a no mesmo rol da Anvisa (Vigilância Sanitária), Aneel (Energia Elétrica), Anatel (Telecomunicações), Anac (Aviação Civil) e ANS (Saúde Suplementar). Ainda foi encaminhado ao Congresso um projeto de lei para regular os mercados digitais sob a perspectiva concorrencial. A proposta, denominada pelo governo como PL de Concorrência Digital Justa, dá ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) instrumentos para tratar de questões concorrenciais de plataformas de grande impacto.
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Em seu discurso durante o evento, Lula celebrou o projeto que estabelece o Estatuto Digital da Criança e do Adolescente e deu recados ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no anúncio do pacote de ações. O presidente falou em soberania nacional e disse que o país está criando regras próprias para proteger crianças e adolescentes no ambiente online e, ao mesmo tempo, abrindo espaço para empresas estrangeiras investirem no setor desde que respeitem a legislação nacional.
“Eu espero que o presidente Trump esteja ouvindo esse ato, ou assista a esse ato porque aqui estamos dando uma demonstração de que não há veto a nenhuma empresa, seja de onde for, desde que cumpra a lei brasileira.”
Lula declarou também que conquistar soberania digital não significa isolar o Brasil do mundo, mas sim fortalecer um ecossistema digital aberto, competitivo e regulado. Ele criticou a falta de autorregulação das big techs e reforçou que cabe ao Estado criar limites para combater crimes digitais, fake news e discurso de ódio.
ECA Digital sancionado
O projeto, que também ficou conhecido como “PL da Adultização” durante tramitação no Congresso após vídeo viral do influenciador Felca, foi sancionado com outros dois vetos para além do período de vacância legislativa. O governo vetou trecho da proposta que atribui à Anatel competência para encaminhar ordens de bloqueio. A proposição foi considerada inconstitucional por ser um vício de iniciativa.
Para corrigir este ponto, o governo anunciou um decreto que designa a ANPD como a autoridade autônoma prevista no PL 2628/2022 e organiza a cooperação entre autoridades em relação às responsabilidades por encaminhamento de ordens judiciais. Pelo decreto, a Anatel seguirá responsável por bloqueios no nível dos provedores de conexão, o CGI atuará sobre nomes de domínio (DNS) sob o ‘ponto br’.
Também foi vetada a vinculação de forma permanente de todas as multas ao Fundo da Criança e do Adolescente. Na argumentação pelo veto, o governo considerou que a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025 só permite esse tipo de vinculação se houver prazo — no máximo 5 anos. “Como o texto não fixou prazo, segundo a LDO, há um problema de indisponibilidade do interesse público”, afirmou o Planalto em nota. O prazo máximo de vinculação também será estabelecido por MP a ser enviada.
O projeto cria regras para redes sociais e publicidade online. Contas de menores de 16 anos deverão estar vinculadas às de responsáveis legais, e fica proibido o uso de técnicas de perfilamento ou análise emocional para direcionar anúncios a esse público.
As plataformas ficam ainda proibidas de monetizar ou impulsionar conteúdos erotizados envolvendo crianças ou adolescentes. Em casos de exploração sexual, sequestro ou aliciamento identificados em serviços digitais, as empresas terão de remover imediatamente o conteúdo e comunicar às autoridades competentes.
As penalidades vão de advertências a multas de até R$ 50 milhões, além da possibilidade de suspensão de atividades.
Entenda o pacote de ações do governo para o digital
MP do Redata
O texto tem como diretrizes desonerar o investimento em datacenters, estimular a indústria nacional de tecnologia e exigir sustentabilidade ambiental, sem impor barreiras ao mercado internacional. A proposta traz a zeragem de impostos federais sobre servidores, sistemas de armazenamento, rede, refrigeração e demais equipamentos necessários à instalação de datacenters, antecipando efeitos da reforma tributária e reduzindo o custo inicial dos projetos.
Também estabelece a isenção de imposto de importação apenas para componentes sem similar produzido no Brasil, incentivando a cadeia nacional de bens e serviços de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Em contrapartida, exige o uso de energia 100% renovável ou limpa, metas de carbono zero e baixo consumo de água desde o início da operação.
As empresas beneficiadas deverão investir 2% do valor aplicado em projetos de pesquisa e desenvolvimento no país, em parceria com universidades, centros de pesquisa e startups. Ao menos 10% da capacidade criada deve ser destinada ao mercado nacional, o que deve melhorar latência, confiabilidade e reduzir custos para empresas, governo e cidadãos.
O governo também pretende fomentar a desconcentração regional com incentivo a projetos fora do eixo Sul-Sudeste e redução de contrapartidas para investimentos no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
PL da Concorrência Digital Justa
O projeto cria a Superintendência de Mercados Digitais (SMD) no Cade e um rito de enquadramento regulatório das plataformas com relevância sistêmica, definidas como aquelas cuja posição no ecossistema digital afeta a capacidade de consumidores e negócios chegarem uns aos outros e com piso de faturamento de R$ 5 bilhões no Brasil e R$ 50 bilhões em nível global.
As obrigações proporcionais, quando cabíveis, são aprovadas pelo Tribunal do Cade, após processo administrativo e assegurado o contraditório, para, em cada caso: coibir autopreferência, dar transparência a ranqueamentos e taxas, permitir portabilidade de dados (com consentimento), avaliar interoperabilidade quando necessária e segura, e notificar aquisições com potencial de reduzir a concorrência. O descumprimento pode gerar multas e outras medidas corretivas. A proposta também prevê estrutura técnica especializada no Cade para conduzir esses casos.
MP que transforma ANPD em agência
A MP cria 200 cargos de Especialista em Regulação de Proteção de Dados e 18 cargos em comissão e funções de confiança, por meio da transformação de cargos efetivos vagos, sem aumento de despesa. Além disso, prevê a criação de mais 26 cargos em comissão e funções de confiança. Segundo o governo, a medida garante autonomia funcional, técnica, decisória, administrativa e financeira, consolidando a entidade como regulador independente da proteção de dados no país.