Em recuo calculado, Tarcísio sai da linha de frente pela anistia

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), decidiu dar um recuo estratégico em sua ofensiva contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e nas articulações junto ao Congresso pela anistia a Jair Bolsonaro. Ele adiou sua ida à Brasília após ser informado por um líder do Centrão de que as reuniões para tratar do tema seriam infrutíferas e teriam apenas um aspecto simbólico. Isso porque a “anistia ampla, geral e irrestrita”, capitaneada pelo partido do ex-presidente, o PL, tem ampla rejeição entre os demais partidos do Centrão.

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Segundo um interlocutor, Tarcísio está decidido por ora a não esticar mais a corda com o Supremo. Em círculos íntimos, ele reconheceu que exagerou na dose ao chamar Alexandre de Moraes de “tirano” no ato promovido por bolsonaristas no 7 de Setembro. A fala, que o ajudou a reduzir resistências a seu nome como presidenciável entre os apoiadores mais radicais de Bolsonaro, por outro lado o afastou da imagem de candidato “da direita moderada”, que ele vem tentando construir.

Mesmo assim, o governador pediu ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorização para visitar Bolsonaro nesta terça-feira, em caráter humanitário.

Fugindo da derrota política

Outras fontes ligadas ao governador afirmam que ele está aguardando uma posição mais incisiva de seu colega de partido, presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, em favor da anistia. O temor no entorno de Tarcísio é de que, ao final do processo, caso a anistia não seja votada ou mesmo derrotada de maneira acachapante, ele seja carimbado como o grande derrotado politicamente no processo, o que não é bom para um pré-candidato a presidente.

Como o simbolismo de uma possível visita a Jair Bolsonaro também é grande, no sentido de demonstrar apoio ao ex-presidente e sua família, o governador preferiu aguardar um pouco mais para se lançar pessoalmente, em Brasília, nas conversas pela anistia. Também pesou na decisão as críticas da oposição a Tarcísio em São Paulo de que ele vem deixando os assuntos do Estado de lado para assumir o papel de articulador político do Centrão.

Outro fator determinante foram as informações prévias recebidas pelo Palácio dos Bandeirantes de que os EUA devem impor novas sanções ao Brasil por conta da condenação de Bolsonaro. Tudo somado, o governador e seus assessores entendem que o momento exige um pouco mais de cautela, o que não significa necessariamente que Tarcísio abandonará a agenda da anistia, ainda mais se ela continuar a ser encampada por setores expressivos da política nacional.

Outra razão alegada para o adiamento da viagem de Tarcísio é são as notícias de que haveria uma costura entre o presidente Lula e Motta, em torno de uma “anistia light” (somente para os vândalos do 8 de Janeiro). Assim, o governador buscou evitar demonstrar fraqueza, isolamento ou mesmo dar a entender que fez parte da negociação de Motta com o Planalto.

Reunião entre Lula e Motta nesta segunda (15/9)

Motta vem articulando desde o fim de semana avançar com um projeto de “anistia light”, que incluiria colocar a urgência da anistia ampla defendida pelo PL em votação com uma derrota já “contratada” nas negociações com os partidos. Segundo interlocutores, Motta teria comunicado esse plano a Lula em um almoço nesta segunda (15/9) no Palácio da Alvorada, no qual a ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) também estava presente.

Na ocasião, segundo fontes, Lula teria se colocado contra essa estratégia. E realçou a posição do governo de que é contra qualquer tipo de anistia, embora integrantes do governo até admitam a possibilidade de uma “anistia light”. Nos bastidores do Palácio do Planalto, o comentário corrente é que seria “brincar com fogo” colocar a urgência da anistia ampla, geral e irrestrita em votação, dada a volatilidade da base parlamentar do governo.

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Caso Motta ceda à pressão dos bolsonaristas, o Planalto colocará todo o seu arsenal para impedir a aprovação do requerimento de urgência na Câmara, que necessita de uma maioria qualificada de 257 votos dos 513 parlamentares. Caso a urgência seja aprovada, o PL da Anistia necessitaria dos votos da metade dos deputados presentes em plenário. Ou seja, o entendimento do governo é que a aprovação da urgência significaria uma aprovação quase automática do mérito da matéria.

Resistência no Supremo

Há entendimento entre uma ala expressiva da Corte que o projeto de lei como está desvirtua a anistia, assim como eventual indulto individual – como o prometido pelo governador Tarcísio de Freitas a Bolsonaro, caso eleito presidente em 2026. A avaliação é que da forma como está seria um mau uso do benefício dado pela Constituição ao Legislativo e ao Executivo. Portanto, o uso desses institutos de clemência a Bolsonaro serão considerados inconstitucionais pelo Supremo.

Durante o julgamento sobre a tentativa de golpe, o ministro Flávio Dino deu recados claros que não há espaço para a anistia no STF. O ministro chegou a dizer que o mecanismo não traz a desejada pacificação social.

A Corte já tem, inclusive, precedentes para derrubar uma futura anistia e/ou indulto. Um dos casos que melhor pode apontar a direção do Supremo é o da anulação do indulto individual concedido por Bolsonaro a Daniel Silveira. O deputado foi condenado pelo STF pelos crimes de ameaça às instituições e ao estado democrático de direito.

O recado foi claro: um chefe de Estado não pode usar o indulto para proteger alguém por motivos pessoais, muito menos se o crime for contra a democracia. A maioria dos ministros votou pela anulação do indulto — apenas André Mendonça e Nunes Marques, indicados por Bolsonaro, divergiram.

Supremo vê ‘deslealdade’ de Tarcísio

Conforme o JOTA informou no dia seguinte às manifestações, a aposta de Tarcísio de Freitas pelo embate contra os ministros do Supremo no dia 7 de setembro repercutiu mal entre os ministros e deve ter impactos na relação do político com os magistrados e com a instituição.

Nos bastidores da Corte, ministros acharam as declarações do governador surpreendentes, desleais e até mesmo irresponsáveis. A leitura é a de que Tarcísio agiu fora do tom institucional durante o discurso na avenida paulista.

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Se antes o governador era ouvido como uma pessoa séria e equilibrada, agora, se posicionou no mesmo grupo da direita mais extrema, que ataca o STF. “Ficou no nível do Malafaia”, comentou um ministro. Dessa forma, a ponte que existia entre o governador e o STF está estremecida.

Ministros avaliam que Tarcísio ultrapassou as fronteiras que o cargo de governador impõe ao colocar o ex-presidente Jair Bolsonaro acima da função pública. Essa corrente pondera que as críticas podem ser feitas, mas não é conveniente um governador deslegitimar as instituições brasileiras e seus membros.

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