A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal condenou os oito réus que figuram na Ação Penal 2668 – chamada de “núcleo crucial” da tentativa de golpe –, fixou a dosimetria das penas e estabeleceu os demais efeitos da condenação criminal.
Entre os réus, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) foi condenado a 16 anos, um mês e 15 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 50 dias-multa, no valor de um salário mínimo vigente à época dos fatos, monetariamente corrigido.
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A Turma também (i) determinou, com base no artigo 92, I, a, do Código Penal, a perda do cargo de delegado de Polícia Federal; (ii) declarou a inelegibilidade do réu por oito anos após o cumprimento da pena, com base no artigo 1º, I, e, da Lei Complementar 64/1990; (iii) e entendeu que a perda do mandato deve ser declarada pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, e não decidida pelo plenário. Por ter ficado vencido ao votar pela absolvição do réu, o ministro Luiz Fux não participou da fixação da pena nem da definição dos efeitos secundários.
Como apontei anteriormente em artigo publicado no JOTA[1], a Câmara dos Deputados, em maio deste ano, havia aprovado – de forma inédita em nível federal desde a promulgação da Emenda Constitucional 35, de 2001 – a sustação “[d]o andamento da Ação Penal contida na Petição 12.100”, conforme o teor da Resolução 18, de 2025.
No entanto, a 1ª Turma decidiu que a prerrogativa é incomunicável aos corréus e, nos termos do § 3º do artigo 53 da Constituição, acionado pela Câmara, somente incide em relação aos crimes praticados após a diplomação.
A Turma, portanto, decidiu manter o processamento de Ramagem pelos crimes de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito e golpe de Estado, os quais teriam sido praticados antes de sua diplomação como deputado federal, em dezembro de 2022.
Por terem sido praticados após a diplomação, o processo foi suspenso em relação aos crimes de dano qualificado contra o patrimônio da União e de deterioração de patrimônio tombado, até o término do mandato, com a suspensão da contagem do prazo prescricional (art. 53, § 4º, CRFB).
A condenação de Ramagem pelos crimes não abarcados pela sustação do processo criminal suscita uma importante questão: após o trânsito em julgado da condenação criminal de um parlamentar, deve a Casa legislativa respectiva decidir sobre a perda do mandato, ou cabe à Mesa Diretora apenas declará-la, como um dos efeitos decorrentes da condenação? Em outras palavras, um parlamentar condenado criminalmente perde, necessariamente, o mandato?
A questão não é nova na jurisprudência do STF, mas tampouco se encontra pacificada. Na Constituinte de 1987/88, o texto levado à discussão em plenário previa a “condenação criminal em sentença definitiva e irrecorrível” como uma hipótese em que caberia à Mesa Diretora simplesmente declarar a perda do mandato. Todavia, após a aprovação da Emenda 01895, do deputado Antero de Barros (PMDB-MT), o texto passou a prever nessa hipótese a necessidade de deliberação da maioria absoluta da Casa.
A justificativa da alteração, mantida no texto final, foi a de que poderia haver condenação criminal que não impediria “moral ou politicamente o exercício do mandato”, cabendo, por isso, a deliberação da Casa legislativa a respeito. Segundo o texto constitucional, a “condenação criminal em sentença transitada em julgado” é hipótese de decisão da Casa “por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa” (art. 55, VI e § 2º, CRFB).
Referido texto, porém, tem sido objeto de interpretações diversas pelo STF. Em dezembro de 2012, o plenário, no caso do mensalão (AP 470), entendeu que a previsão do artigo 92, I e II, do Código Penal – por ser um reflexo direto do artigo 15, III, da Constituição – confere ao Judiciário o poder de decidir, em definitivo, sobre a perda do mandato parlamentar. Nesse sentido, afastou-se, por cinco votos a quatro, a incidência do § 2º do artigo 55 da Constituição, quando decretada judicialmente a perda do mandato.
A Mesa Diretora não chegou a declarar a perda do mandato dos deputados federais envolvidos na AP 470, pois eles renunciaram sucessivamente ao mandato depois da determinação de início de cumprimento da pena. Em agosto de 2013, o plenário, no caso Ivo Cassol (AP 565), alterou o seu entendimento e, por seis votos a quatro, entendeu ser aplicável o § 2º do artigo 55 da Constituição.
A possibilidade de a Casa legislativa decidir sobre a perda do mandato de parlamentar condenado criminalmente já levou a situações de constrangimento institucional que culminaram na alteração do próprio § 2º do artigo 55. O então deputado Natan Donadon, após ter sido o primeiro parlamentar federal em exercício do mandato a ser preso para cumprimento da pena imposta na AP 396, teve, no dia 28 de agosto de 2013, o mandato mantido pela Câmara.
A votação – à época, segundo o parágrafo referido, secreta – teve 233 votos favoráveis à perda do mandato, dos 257 votos necessários. Por influência da massiva repercussão negativa do caso, o Congresso aprovou e promulgou, ainda em 2013, a Emenda Constitucional 76, que aboliu o voto secreto nos casos de deliberação sobre perda de mandato parlamentar e de apreciação de veto presidencial.
Natan Donadon também foi o pano de fundo para uma decisão liminar do ministro Luís Roberto Barroso, que, apesar de não ter gerado efeito prático no caso[2], iniciou um entendimento que repercutiu em casos posteriores no STF, entre os quais a Ação Penal 2668.
Inaugurou-se, com a cautelar no Mandado de Segurança 32326, um entendimento que, ao passo que reconhece a competência das Casas para decidir sobre a “cassação” do mandato de parlamentar condenado criminalmente, compreende que a regra não pode ser aplicada em caso de condenação em regime inicial fechado (i) por tempo superior ao prazo remanescente do mandato parlamentar, por impossibilidade fática e jurídica de exercício do mandato; (ii) ou por tempo em que a exigência de cumprimento da fração mínima de 1/6 da pena em regime fechado obste o comparecimento – enquanto trabalho externo – à terça parte das sessões ordinárias de uma sessão legislativa (art. 55, III, CRFB) ou ultrapasse o período máximo de 120 dias de licença para tratar de assunto de interesse particular (art. 56, II, CRFB). Nesses casos, haveria a “extinção” do mandato, a ser declarada pela Mesa (art. 55, § 3º, CRFB).
Referido entendimento, apenas aventado no MS 32326-MC, foi adotado pela 1ª Turma em desfavor do deputado Paulo Feijó (AP 694, 2017), mas sem efeito prático, porque a determinação de cumprimento da pena, em 2019, foi posterior ao término de seu mandato; e em desfavor do deputado Paulo Maluf (AP 863, 2017), com cumprimento, sob críticas, pela Mesa Diretora da Câmara (Ato da Mesa 239, de 22/08/2018).
No mesmo ano, a Mesa da Câmara ajuizou a ADPF 511, diante da contradição entre o decidido pela 1ª Turma na Ação Penal 694 e a jurisprudência do plenário (AP 565, 2013) e da Segunda Turma (AP’s 563, 572 e 618). O ministro Barroso extinguiu a ação, por entender que houve perda do objeto em razão do encerramento do mandato de Paulo Feijó. A Mesa interpôs Agravo Regimental contra a decisão; porém, dele desistiu.
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De fato, em 2018, a 2ª Turma rejeitou a adoção da tese no caso Nelson Meurer (AP 996, 2018). As alterações de composição das Turmas do STF, contudo, impedem que se afirme que a divergência se manterá no futuro. Até que haja uma manifestação do plenário a respeito, não há como alegar a existência de uma jurisprudência consolidada da corte.
Porém, assim como no caso Zambelli (AP 2428, 2025), no caso Ramagem houve reiteração, pela 1ª Turma, da referida tese. No caso da deputada, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), em alteração de seu entendimento anterior, afirmou que, independentemente da decisão, será o plenário da Câmara quem decidirá sobre a perda do mandato.
No caso Ramagem, a eventual perda do mandato encerrará a sustação parcial da Ação Penal, habilitando a 1ª Turma ao julgamento dos crimes supostamente praticados pelo réu após a diplomação. Contudo, no panorama constitucional, a discussão é maior: os Poderes dirão quem tem o poder constitucional de determinar a perda do mandato de um parlamentar condenado criminalmente em sentença transitada em julgado.
[1] NAKAMURA, Erick Kiyoshi. Artigo 53 em ação e debate: susta-se, pela primeira vez, processo penal contra parlamentar federal. JOTA, 19 maio 2025. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/artigo-53-em-acao-e-debate. Acesso em: 12 set. 2025.
[2] O Mandado de Segurança havia sido impetrado contra o ato do Presidente da Câmara dos Deputados que submeteu ao Plenário da Casa a deliberação sobre a perda ou não do mandato de Natan Donadon. O Plenário manteve o mandato de Donadon, razão pela qual “[…] a decisão, na prática, não gera nenhum efeito para o caso concreto, pois anula decisão que não afasta o mandatário sem determinar a perda de mandato” (SALGADO, Eneida Desiree; MOURA, Suellen Patrícia; NAKAMURA, Erick Kiyoshi. Caso Natan Donadon, Ação Penal n. 396. In: SOBREIRA, Renan Guedes; BASTOS, Carlos Enrique Arrais Caputo. (Coord.). Direito Parlamentar em Decisões do Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Curitiba: Íthala, 2022, v. 1, p. 38).