Lei do Luto Parental pode reforçar proteção a trabalhadores após perda gestacional

Uma segurança terceirizada, coagida a retornar ao emprego logo após sofrer um aborto espontâneo, obteve na primeira instância da Justiça do Trabalho o direito de receber R$ 10 mil em indenização por danos morais. Segundo os autos, mesmo após apresentar atestado médico que recomendava afastamento por 15 dias, a trabalhadora recebeu uma ligação de seu supervisor, “em tom impositivo e ameaçador”, informando que poderia ser demitida caso não retornasse imediatamente às suas funções. Pressionada, ela voltou ao posto e trabalhou durante todo o período em que, em tese, teria direito ao afastamento.

A CLT prevê afastamento de duas semanas no caso de aborto espontâneo (artigo 395) e a Instrução Normativa 45 do INSS estabelece licença de até 5 meses em casos de natimorto.

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Na decisão proferida pelo 2º Núcleo de Justiça 4.0 do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2), em São Paulo, o juízo destacou que a conduta da empregadora – e, de forma subsidiária, da tomadora de serviços – configurou violação direta aos direitos de personalidade da trabalhadora, “notadamente no que tange a seu bem-estar físico e psicológico, sua condição pessoal e o próprio direito à igualdade”. Há recurso pendente de julgamento. (Processo nº 1000006-53.2025.5.02.0609)

Especialistas consultadas pelo JOTA afirmam que casos como esse, que têm como cerne o luto decorrente da perda de uma gestação, podem ganhar uma nova camada de fundamentação com a recém-sancionada Lei do Luto Parental (Lei 15.139/2025)

Elas afirmam que a norma não altera diretamente a legislação trabalhista, mas pode ter efeito indireto, ao ampliar a conscientização sobre o tema, estimulando julgamentos mais humanizados – não apenas em favor das mães que enfrentam a perda, mas também dos pais.

Chamam a atenção ainda para a importância de as empresas olharem esse momento sob a ótica da saúde mental dos trabalhadores, em um contexto no qual o tema ganha destaque com as recentes alterações da NR-1 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Sancionada em maio, a Lei do Luto Parental entrou em vigor no início de agosto. Ela assegura a humanização do atendimento às mulheres e aos familiares no momento do luto por perda gestacional por óbito fetal ou neonatal. Determina, por exemplo, que cabe aos serviços de saúde públicos e privados a adoção de iniciativas para acompanhamento psicológico após a alta hospitalar. Também prevê a elaboração de protocolos nacionais, pela União, sobre procedimentos relacionados à humanização do luto pela perda gestacional, pelo óbito fetal e pelo óbito neonatal.

“Muito embora não trate de aspectos trabalhistas relacionados ao chamado luto parental, ela evidencia a necessidade de adoção pelas empresas de políticas parentais que possam não só promover o acolhimento e bem-estar dos trabalhadores enlutados, mas também treinar os gestores e equipes sobre como lidar com o assunto”, afirma a advogada Mariana Piva, head da área de Trabalhista da Marcos Martins Advogados.

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Para Piva, é possível que a discussão fomentada pela nova lei reflita no olhar não só dos juízes, mas também dos peritos envolvidos em casos relacionados ao adoecimento dos trabalhadores. Ela pondera que a situação fática, porém, ainda será determinante para definir os resultados desses processos. “A depender de como o empregador acolhe o trabalhador enlutado, essas doenças podem ser agravadas pelo trabalho, gerando o dever de indenizar.”

Perda gestacional nos processos

A perda gestacional costuma aparecer em dois tipos de processo na Justiça do Trabalho. O primeiro, similar ao caso da ex-segurança, no qual trabalhadoras pedem indenizações por danos morais, estabilidade ou reintegração ao emprego em processos nos quais alegam que os períodos de afastamento previstos pela CLT não foram respeitados. E o segundo, nos quais trabalhadores passam a sofrer de condições psicológicas, como depressão e ansiedade, após a perda, e argumentam que o ambiente de trabalho contribuiu para o quadro.

Em julho deste ano, o Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região (TRT19), em Maceió, manteve decisão que negou pedidos de indenização substitutiva e de danos morais feitos por uma trabalhadora que sofreu aborto espontâneo e teve o contrato rescindido indiretamente oito meses depois.
Segundo os autos, a auxiliar administrativa alegou que o episódio desencadeou sérios problemas de saúde mental, incluindo depressão grave. Ela pediu indenização referente ao período de estabilidade provisória no emprego, fundamentando o pleito “nos princípios que regem a proteção à saúde do trabalhador e a garantia da manutenção do emprego em casos de incapacidade ou afastamento por questões de saúde mental.”

O TRT19 entendeu, porém, que a indenização não era devida. Para os desembargadores, os problemas psicológicos alegados decorreram exclusivamente do aborto espontâneo, sem nexo de causalidade com o trabalho desempenhado. Além disso, destacaram que, quando a rescisão foi reconhecida, já havia expirado o prazo legal de cinco meses de estabilidade provisória assegurado após o parto.

A trabalhadora também requereu indenização por danos morais, alegando falta de apoio e acompanhamento por parte da empresa após o trauma. O pedido, entretanto, foi negado, sob o fundamento de que não houve provas robustas de conduta ilícita da empregadora. Há recurso pendente de julgamento (Processo nº 0001034-14.2024.5.19.0002).

Os pedidos foram semelhantes aos formulados por outra trabalhadora, em processo julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT6), em Pernambuco. Nesse caso, porém, a empregada que foi demitida sem justa causa, engravidou durante o período de aviso prévio e só após o desligamento descobriu a gestação. Com nove semanas e três dias, entretanto, sofreu um aborto espontâneo.

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Assim como o juízo de origem, o TRT6 reconheceu o direito à indenização substitutiva da estabilidade, correspondente ao período da gravidez até duas semanas após o aborto. Os desembargadores, contudo, negaram o pedido de danos morais. Concluíram que não houve ato ilícito da empresa e ressaltaram que a companhia chegou a oferecer a possibilidade de reintegração da trabalhadora –proposta que foi rejeitada por ela. Houve recurso e o caso aguarda julgamento no Tribunal Superior do Trabalho (TST). (Processo 0000911-37.2024.5.06.0015)

Sensibilização maior

Sócia de Trabalhista e Sindical do Mattos Filho, a advogada Érika de Siqueira Seddon também avalia que a nova lei pode trazer aos agentes envolvidos no processo trabalhista uma sensibilização maior sobre o tema. “Em casos em que haja perícia, também será reforçada a possibilidade do reconhecimento de tal perda como gatilho ou contribuição ao agravamento de condição psiquiátrica. […] A Justiça do Trabalho poderá sim acolher pedidos de danos morais quando houver a demonstração de que houve uma violação à integridade psicológica do trabalhador”, diz a advogada.

A advogada também acrescenta que, com o Protocolo de Julgamento sob Perspectiva de Gênero, já há na Justiça especializada diretriz para se dar maior valor ao depoimento das mulheres, o que pondera que pode trazer desafios às empresas.

Seddon destaca que uma mudança importante trazida pela nova legislação é dar luz ao luto que também é sofrido pelo pai nesses casos, e acrescenta que esse pode ser um diferencial das empresas na análise dos riscos psicossociais –que a partir de 2026 passam a ser exigidos pelo MTE na elaboração dos Programas de Gerenciamentos de Riscos das companhias. “Podemos ver a lei sob uma ótica diferente, como um meio de reconhecimento não só do luto materno, mas também o paterno, e de oportunidade para que as empresas tenham essa situação reconhecida como um momento de vulnerabilidade, trazendo também medidas para o apoio aos pais nessa situação.

Piva também faz apontamentos quanto à conduta a ser adotada pelas empresas como forma de prevenção. A advogada afirma que muitas vezes há desconhecimento dos trabalhadores quanto aos prazos previstos na CLT para o afastamento e destaca ser importante que as empresas atuem na divulgação dessas informações.

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