Em julgamento histórico, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou um ex-presidente da República por tentativa de golpe e, assim, definiu limites aos ataques à democracia. A presença do presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, e do decano Gilmar Mendes no auditório da 1ª Turma, na reta final, demonstrou não só o apoio à legitimidade do julgamento, como também passou o recado de que poderia haver uma maioria simbólica para a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, mesmo em um plenário completo.
Na Corte, os ministros tinham consciência de que um julgamento sobre tentativa de golpe de Estado não seria fácil – as tipificações penais são relativamente recentes e, portanto, sem precedentes. Além disso, ele se deu em meio a uma sociedade polarizada, um Congresso reativo e pressões internacionais.
Dessa forma, o julgamento do ex-presidente Bolsonaro deixou o Supremo exposto, o que justifica, de alguma forma, o modo turbo acionado nos últimos momentos. O voto divergente do ministro Luiz Fux também contribuiu. O voto de Fux soou como se ele estivesse julgando a própria instituição ao questionar sua competência para analisar a tentativa de golpe, mesmo após reiterados julgamentos de réus no 8 de janeiro e do recebimento da denúncia da ação penal.
A busca por minimizar fatos e provas trazidos pela acusação, em especial quanto às urnas eletrônicas e aos discursos de Jair Bolsonaro, também contribuiu para deixar Fux isolado.
Não há problema com a divergência, mas ela trouxe reações. A mais óbvia, do ministro relator Alexandre de Moraes, que não poupou frases de efeito e apresentou um vídeo de Bolsonaro no 7 de setembro de 2021 ameaçando o funcionamento do STF. A ideia foi reforçar o ataque reiterado à instituição e rebater a escolha de Fux de absolver Bolsonaro e condenar Mauro Cid, seu ajudante de ordens, e o general Braga Netto.
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Com as imagens projetadas – com faixas de apoio ao presidente – e depois o vídeo das câmeras de segurança do Palácio do Planalto mostrando o vandalismo ao relógio histórico, Moraes voltou a defender sua posição: “Aqui está Mauro Cid presidente? Não. Está Walter Braga Netto presidente, Garnier presidente, Anderson presidente? Não. Está Ramagem presidente? Não. Estão os demais réus? Não. Aqui está o líder da organização criminosa, presidente que insuflava tanto que, em algo lamentável, com a camisa com a figura do presidente, se destrói o relógio dado a Dom João VI.”
A ministra Cármen Lúcia também reagiu e trouxe, em seu voto, o recado de que o Supremo e a Justiça Eleitoral não aceitam ser atacados e que o Judiciário não vai permitir golpes de Estado. “O que há de inédito, talvez, nessa ação penal é que nela pulsa o Brasil que me dói. A presente ação penal é quase um encontro do Brasil com o seu passado, com o seu presente e com o seu futuro.” Ao falar do boi esquartejado, o ministro Flávio Dino também tentou desconstruir a tentativa de Fux e das defesas dos réus de que não houve um enredo golpista e de que os fatos trazidos no processo eram isolados.
As declarações dos ministros e a presença do decano e do presidente da Corte deixaram o recado: sob ataque, o STF vai continuar a se unir. E existe uma consciência institucional de que a condenação é mais uma etapa de um conflito pela democracia – outras virão.