O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), acompanhou o relator, Alexandre de Moraes, relator da Ação Penal 2.668, e votou nesta quinta-feira (11/9) pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos outros 7 réus pela tentativa de golpe de estado no Brasil, em 2022.
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Zanin considerou que a acusação imputada a Bolsonaro não é baseada apenas na delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente, mas em manifestações públicas de Bolsonaro, nas quais “o esgarçamento das relações institucionais se apresentava como estratégia política populista”.
Os contornos mais legítimos da denúncia contra o ex-presidente, na avaliação de Zanin, foram revelados por um “universo robusto de provas documentais e testemunhais”, dos quais a acusação é apenas um capítulo, inclusive diminuto.
Desse modo, concluiu que a Procuradoria-Geral da República (PGR) teve êxito em demonstrar que os discursos públicos do ex-presidente da República não representaram exercício regular do direito de crítica, mas uma estratégia de corrosão progressiva da confiança pública nas instituições democráticas.
Segundo o ministro, o ex-presidente também conclamou os ministros presentes na reunião ministerial de 5 de julho de 2022 a difundirem as desinformações sobre o sistema eleitoral brasileiro, utilizando a estrutura estatal para tal feito.
Como presidente da 1ª Turma do Supremo, Zanin foi o último a votar no julgamento. Antes dele, foi a vez da ministra Cármen Lúcia, que também votou pela condenação do ex-presidente e dos demais réus. Ao final, o placar ficou em 4×1 pela condenação. Agora os ministros votam a dosimetria da pena de cada um dos réus.
O único ministro que divergiu foi Luiz Fux, que votou pela condenação apenas dos réus Mauro Barbosa Cid e Walter Souza Braga Netto. Fux votou pela absolvição de Bolsonaro ao alegar falta de conexão dos fatos com o ex-presidente e falar que a condenação poderia abrir “um gravíssimo precedente” para a responsabilização de agentes políticos diante de imputação genérica.
O voto de Zanin quanto ao mérito
Ao iniciar a leitura de seu voto, Zanin afirmou que a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) conseguiu descrever de forma satisfatória uma organização armada. Na compreensão do ministro, a organização era estruturada de maneira hierárquica com divisão de tarefas, e orientada a prosseguir um “projeto de poder do qual participavam seus integrantes mediante a prática de ações ilícitas”.
Para Zanin, o objetivo central da organização criminosa era assegurar a permanência de Jair Bolsonaro no poder, seja qual fosse o método criminoso a ser utilizado. O ministro afirmou que as provas apontam o ex-presidente como líder do grupo e principal beneficiário das ações. “A prova documental indica que todos procuravam a ele se reportar, e o que se via era justamente a permanência no poder do ex-presidente, e não de outra pessoa, como seu ajudante de ordens ou qualquer outro membro da organização criminosa apresentada pela Procuradoria-Geral da República”, disse.
Segundo Zanin, a prova dos autos da denúncia da PGR também permite concluir que os acusados pretendiam romper com o Estado Democrático de Direito, valendo-se da concitação expressa a um desejado uso do poder das Forças Armadas.
Quanto à atuação individual dos réus, o ministro entende que Augusto Heleno, ex-ministro do GSI, e Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin, prestaram auxílio psíquico à organização criminosa, elaborando planejamentos e discursos para fomentar o golpismo. Já Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, teria atuado na disseminação de informações falsas sobre o sistema eletrônico de votação, além de utilizar sua posição para acionar a Polícia Rodoviária Federal no segundo turno das eleições, impedindo eleitores de acessar as urnas.
Segundo Zanin, Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, foi responsável por transmitir informações aos demais integrantes do grupo, enquanto Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, teria atuado para deslegitimar o sistema eleitoral. No caso de Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, sua contribuição consistiria em fornecer auxílio material, viabilizando a adesão da Marinha aos insurgentes quando fosse decretado o golpe de Estado.
Por fim, o ministro afirmou que Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, participou da execução do plano Punhal Verde e Amarelo, que atentava contra a vida do presidente Lula, do ministro Alexandre de Moraes e do vice-presidente Geraldo Alckmin.
Zanin considerou que a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito se reflete em uma “vasta cadeia de atos”, sejam materiais ou discursivos, que o ministro entendeu como idôneos a ofender o bem jurídico que se pretende proteger.
No caso da AP 2.668, lembrou que a acusação da PGR sustenta que a organização criminosa, liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, trabalhou em frentes diferentes. Para Zanin, não havia uma linha de ação única definida, mas sim o planejamento de diversas estratégias que envolviam o uso de estruturas do Estado para o monitoramento de servidores e agentes públicos.
Como exemplo, citou a difusão de falsas narrativas para criar instabilidade política; o uso da estrutura policial para interferir no resultado eleitoral de 2022; o emprego de militares das forças especiais para monitorar ou eliminar autoridades públicas; e a elaboração de decretos e discursos para legitimação de um regime de exceção.
Análise das preliminares
Acompanhando o relator e os ministros Flávio Dino e Cármen Lúcia, Zanin também rejeitou as preliminares apresentadas pela defesa sobre a competência do STF e do colegiado para julgar a Ação Penal 2.668, assim como de cerceamento de defesa por conta do volume de documentos (document dumping) e da ausência de tempo hábil para os defensores analisarem os autos.
O ministro concluiu que a competência da Turma e do próprio Supremo para processar e julgar a AP já foi decidida nas mais de 1.500 ações sobre o 8 de janeiro, que consta com mais de 640 condenações. Para Zanin, em todos esses processos a competência da Corte já foi reafirmada.
“Já naquele primeiro julgamento que ocorreu no plenário, a maioria pelo menos compreendeu que havia conexão das investigações e ações com o Inquérito 4.878, que trata dos crimes praticados por milícias digitais e fake news, e também posteriormente essa competência foi reforçada com o julgamento do HC 232.627, da relatoria do ministro Gilmar Mendes”, destacou Zanin.
Sobre a hipótese de cerceamento de defesa, o ministro também afastou o argumento da defesa dos réus. Zanin disse que as defesas receberam o material da Polícia Federal (PF) e tiveram a oportunidade de fazer uma análise do que entendiam cabível, assim como de fazer alguma demonstração de que os documentos apresentados pela PF ou pela PGR não eram fidedignos. O ministro ainda apontou que, em outras ocasiões, já teve contato com documentos de tamanho extenso.
Ainda na leitura das preliminares, Zanin concluiu que não seria possível excluir o crime de organização criminosa imputado a Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin.
O ministro também acompanhou os seus colegas para validar a colaboração premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Zanin entendeu não haver nenhum vício na colaboração e que as dissonâncias apontadas foram superadas posteriormente. Ao fazer uma análise e leitura “detalhada” da delação premiada de Cid, o ministro avaliou que o colaborador parecia ter a intenção de cumprir aquilo que foi acordado com a PF.