Com o voto da ministra Cármen Lúcia, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta quinta-feira (11/9) pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado no Brasil em 2022. A ministra é a quarta a votar, agora só falta o presidente da Turma, ministro Cristiano Zanin. O placar está 3 a 1 pela condenação.
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Dessa forma, há maioria formada entre os ministros para entender que Bolsonaro cometeu os crimes de liderança de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, crimes de golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado. A pena máxima para estes cinco crimes chega a 43 anos de prisão.
A ministra Cármen Lúcia adere aos votos do relator, Alexandre de Moraes, e do ministro Flávio Dino, pela condenação de Jair Bolsonaro e aliados do núcleo crucial da tentativa de golpe. O ministro Luiz Fux foi o único a divergir e votou pela absolvição de Bolsonaro ao alegar falta de conexão dos fatos com o ex-presidente e falar que a condenação poderia abrir “um gravíssimo precedente” para a responsabilização de agentes políticos diante de imputação genérica.
“[Ficou] comprovado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) que Bolsonaro praticou os crimes imputados a ele, na condição de líder da organização criminosa: propagação, instrumentalização do Estado, cooptação de militares, planejamento de atos de neutralização e instigação das manifestações. O que mais se alega é que não há, formalmente, assinatura. Até onde a gente algum conhecimento da história, passar recibo em cartório não é exatamente o que acontece nesses casos. Ele não foi tragado; ele é o causador, o líder da organização”, disse a ministra.
Na avaliação de Cármen Lúcia, desde o recebimento da denúncia da PGR está estampado e escancarado que há uma “enorme violência e grave ameaça” por parte da organização criminosa. Nesse sentido, ela mencionou os kids pretos, os caminhoneiros e a operação Punhal Verde e Amarelo. “É violência praticada, é violência institucional, é violência política e, no caso do Poder Judiciário e do Poder Judiciário Eleitoral especificamente, a violência é muito maior”, disse.
Diferentemente de Fux, a ministra apontou que a doutrina leva à compreensão de que o crime de golpe de Estado não absorveria o de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
Assim como os demais ministros, incluindo Fux, Cármen Lúcia também votou pela validação da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Na avaliação dela, Cid “atuou livremente, espontaneamente, porque queria”. Neste ponto, a 1ª Turma do STF já havia formado maioria nesta quarta-feira (10/9) para validar a delação.
Até o momento, há unanimidade na condenação de Mauro Cid e Braga Netto por abolição do Estado Democrático de Direito. Também há maioria pela condenação por tentativa de golpe de Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin; Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Augusto Heleno, ex-ministro do GSI; Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, e Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa.
‘Encontro do Brasil com seu passado’
O voto de Cármen Lúcia teve início com uma abordagem sobre a democracia, defesa da Constituição e estado democrático de direito. Para ela, o julgamento de Bolsonaro é um encontro do Brasil com o seu passado. A ação, na avaliação da ministra, “pulsa o Brasil que dói”. “A presente ação penal é quase um encontro do Brasil com seu passado, com seu presente e com seu futuro, especificamente na área das políticas públicas dos nossos órgãos de Estado.”
A ministra lembrou que a redemocratização é recente e que todos os julgamentos são importantes para as partes e os juízes e a diferença está nos efeitos, que são diferentes. Ela responde às críticas do andamento processual da ação penal envolvendo o ex-presidente.
Citou ainda trechos do escritor francês Victor Hugo, que denunciou o golpe de Estado dado por Luís Napoleão Bonaparte (Napoleão III) em 1851. Para o autor, o mal feito, mesmo quando praticado para o bem, continua sendo mal, e é ainda pior quando tem sucesso, porque se torna exemplo e tende a se repetir.
Como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em seu voto, a ministra Cármen Lúcia aproveitou o voto para defender as urnas eletrônicas. Para ela, atacar a Justiça eleitoral é uma forma de atacar o estado democrático de direito. A ministra lembrou que os “considerados” da minuta golpista previa o fim da Justiça Eleitoral. “A urna tem um peso enorme. A urna hoje é efetivamente algo do povo brasileiro” e para ela, havia um plano orquestrado para plantar desconfiança.
Denúncia
A acusação contra Bolsonaro foi apresentada pelo procurador-Geral da República (PGR), Paulo Gonet, em fevereiro de 2025. Gonet denunciou 34 pessoas e dividiu a denúncia entre núcleos, o ex-presidente Bolsonaro faz parte do núcleo crucial, aquele que a PGR entende como o responsável por planejar e operacionalizar a tentativa de golpe.
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Segundo a PGR, os crimes do ex-presidente começaram em 29 de julho de 2021, quando ele apresentou uma live nas dependências do Palácio do Planalto para expor as fraudes nas urnas brasileiras. Ainda segundo a acusação, os crimes se estenderam até os atos de 8 de janeiro de 2023, em que prédios públicos foram depredados por um grupo de pessoas inconformado com o resultado das eleições.
A defesa do ex-presidente argumentou durante o curso do processo que não há elementos que conectem o ex-presidente à trama golpista e que provas importantes não apareceram, como, por exemplo, o texto que previa apenas a prisão do ministro Alexandre de Moraes. Os advogados também pediram a nulidade da colaboração de Mauro Cid e alegam cerceamento de defesa no curso do processo.