Os argumentos de Fux para absolver Bolsonaro e outros réus por tentativa de golpe de Estado

O ministro Luiz Fux votou na sessão desta quarta-feira (10/9), na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), pela absolvição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros cinco réus no julgamento da trama golpista de 2022. Fux inaugurou a divergência em relação ao voto do relator, Alexandre de Moraes, e do ministro Flávio Dino, que já haviam se manifestado pela condenação do ex-presidente e dos demais sete acusados.

Fux votou por condenar apenas o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e o ex-ministro Braga Netto pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, e os absolveu dos crimes de organização criminosa e dano ao patrimônio público.

Até o momento, são 2 votos pela condenação do ex-presidente e 1 voto pela absolvição. Faltam os votos da ministra Cármen Lúcia e do ministros Cristiano Zanin, presidente da 1ª Turma. Após o encerramento da sessão desta quarta-feira (10/9), que durou mais de 13 horas, o julgamento do núcleo 1 será retomado nesta quinta-feira (11/9), às14h.

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Ao analisar o caso do ex-presidente, Fux entendeu por não haver provas suficientes para imputar a Bolsonaro os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Ele também entendeu que a nenhum dos acusados pode ser imputado o crime de organização criminosa, “a respeito do qual já esclareci que um suposto plano criminoso, por si só, não basta para caracterizá-la”.

Além de Bolsonaro, foram absolvidos o almirante Almir Garnier, o general Paulo Sérgio Nogueira, o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin.

Segundo ele, o cotejo das acusações com as provas nos autos comprova a participação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid no plano golpista, sendo que a própria colaboração premiada resultou em “autoincriminação involuntária”.

Sobre Braga Netto, Fux entendeu que o general, ao lado de Mauro Cid e Rafael Martins de Oliveira, planejaram e financiaram o assassinato de Moraes. Em relação à trama golpista de 2022, o ministro considerou que tanto o desfile militar em frente ao Congresso como os arquivos encontrados com Flávio Peregrino, assessor do militar, não configuram crimes contra a democracia.

Ao avaliar o caso do general Paulo Sérgio Nogueira, o ministro destacou que a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) não apontou como o general possa ter convocado forças para estarem de prontidão. Sobre os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, Fux absolveu o general, ressaltando a “ausência de qualquer prova que indique que Paulo Sérgio Nogueira agiu para apoiar ou participar da prática de golpe de Estado ou da abolição violenta do Estado Democrático de Direito”.

“Conforme afirmei, o artigo 359-L do Código Penal [tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito] não pode ser interpretado de forma ampliativa para punir discurso sem capacidade ou dolo de arruinar, como consequência direta ou imediata, as multifacetadas instituições que garantem o autogoverno no país”, disse o ministro ao absolver o general Augusto Heleno.

Sobre Torres, o ministro disse que o ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro não abandonou o cargo de secretário de Segurança Pública do Distrito Federal antes dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, assim como pontuou que a sua viagem ao exterior com a família fora planejada com antecedência.

Mais cedo, Fux já havia mencionado que Torres tomou medidas eficazes para evitar que o edifício sede do Supremo fosse invadido por vândalos em 8 de janeiro. “Não há prova nos autos de que os réus tenham ordenado a destruir. Pelo contrário, há evidências de que, assim que a destruição começou, um dos réus agiu. Isso foi atestado pela prova dos autos: o réu Anderson Torres assim agiu”. Por isso, afastou a hipótese de que Torres teria agido pelo dano ou deterioração do patrimônio tombado.

Em relação a Ramagem, o objetivo inicial de Fux era suspender a ação contra Alexandre Ramagem, que, por ser deputado federal, teve parte do processo paralisado e responde apenas por atos cometidos antes da diplomação como parlamentar, ou seja, pelo crime de organização criminosa.

Entretanto, como a denúncia foi aceita pelo colegiado, o ministro teve que votar e optou por absolver o parlamentar. “O fato de os documentos encontrados confirmarem alinhamento ideológico entre o réu e o presidente não conduz à conclusão que Ramagem praticou o crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito”, afirmou o ministro Fux ao absolver o ex-diretor da Abin da acusação.

Destacou ainda que Ramagem “não concorreu para infração penal do Código de Processo Penal” correspondente aos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e do golpe de Estado.

Além de divergir do relator quanto à absolvição dos réus, ao julgar as preliminares do caso, o ministro Fux afirmou que o caso deveria ser anulado porque o STF não teria competência pra julgá-lo. Na visão do ministro, a competência seria da primeira instância.

Confira os principais argumentos de Fux para absolver o ex-presidente Bolsonaro e os demais réus por tentativa de golpe de Estado em 2022:

Crime de organização criminosa

Ao votar pela improcedência da acusação de organização criminosa armada, Fux afirmou que a conduta dos réus não se enquadra nesse tipo penal. Segundo ele, mesmo que um grupo passe meses debatendo a possibilidade de cometer determinado delito, isso configura apenas reprovação moral e social, sem abrir espaço para a aplicação do Direito Penal.

Na avaliação do ministro, a responsabilização só pode ocorrer se os crimes efetivamente forem praticados, e cada agente deve responder de acordo com sua participação específica.

“A denúncia [da PGR] não narrou em qualquer trecho que os réus pretendiam praticar delitos reiterados de modo permanente, como exige o tipo de organização criminosa. As alegações finais do Ministério Público tampouco descreveram a permanência e a estabilidade da organização criminosa para a prática de delitos indeterminados”, disse Fux.

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O ministro ressaltou que a simples reunião de pessoas em torno de um plano criminoso não é suficiente para configurar organização criminosa. “Não se pode banalizar o conceito de crime organizado, que com frequência conta com o planejamento empresarial. A existência de um plano criminoso não basta para a caracterização do crime de organização criminosa”, afirmou o ministro.

O ministro também afastou a aplicação da causa de aumento de pena prevista na Lei 12.850, que trata do uso de armas em organizações criminosas. Segundo ele, a regra só se aplica quando houver efetivo emprego de arma de fogo na atuação da organização criminosa.

“Não há qualquer descrição na denúncia de que os réus tenham empregado arma de fogo em qualquer momento. O fato de haver militares denunciados, com direito legal ao porte, não atrai por si só a incidência da majorante”, afirmou Fux.

Dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado

Fux afastou a tese de crime de dano qualificado autônomo nos atos de 8 de janeiro. Para ele, a conduta deve ser analisada dentro de delitos mais graves, como a tentativa de golpe de Estado, já que o crime de dano tem caráter subsidiário e perde a autonomia quando serve apenas de meio para infrações mais severas.

O magistrado defendeu a aplicação da Lei de Crimes Ambientais no caso da deterioração de patrimônio tombado, em razão do princípio da especialidade. “Deve prevalecer a lei especial, a lei ambiental, que alcança um tipo de dano mais específico. A norma especial se sobrepõe à norma geral”, afirmou.

Também apontou falhas na acusação, por não individualizar a conduta dos réus em relação aos danos. “Não se admite a responsabilidade objetiva, que resultaria em uma presunção de participação no evento danoso sem qualquer prova concreta”, disse. Para ele, “o contexto de um evento multitudinário não desobriga a acusação de estabelecer um vínculo mínimo entre cada acusado e o ato ilícito”.

Abolição violenta do Estado Democrático de Direito

Fux ainda afirmou que não é possível imputar os crimes de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito a seis dos réus, em divergência em relação aos demais ministros – o relator, Moraes, e o ministro Dino – que já se manifestaram no caso.

Para ele, o artigo 359-L do Código Penal exige que haja intenção clara e capacidade real de destruir todos os pilares do regime democrático. “É essencial que o sujeito ativo do crime tenha o desejo de atingir todos os fatores basilares do regime democrático — liberdade de expressão, voto, alternância de poder, separação de poderes, soberania da Constituição, independência do Judiciário — e que sua conduta seja capaz de criar um perigo real, não meramente hipotético”.

O ministro ressaltou que bravatas políticas ou protestos, ainda que violentos, não são suficientes para caracterizar tentativa de golpe. Ele destacou que a própria lei “exclui da tipificação criminal reivindicações de direitos por meio de passeatas, reuniões, greves ou aglomerações”. Para Fux, ampliar o alcance da norma penal poderia “indevidamente expor a risco de sanção os atos de agentes políticos praticados dentro do sistema de freios e contrapesos”.

Segundo o ministro, a tentativa de golpe de Estado engloba o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, devendo prevalecer o tipo mais grave. Sendo assim, ele ressaltou a diferença entre atos preparatórios e executórios: “apenas atos imediatamente anteriores à deposição violenta de um governo podem configurar o crime. Na dúvida sobre a caracterização de ofensa material direta, efetiva e imediata, deverá o julgador decidir em favor do réu”.

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O ministro ainda disse que a legislação tipifica o golpe de Estado como a tomada dos cargos públicos por força militar, frequentemente um ataque incruento pelo braço armado do Estado contra seu próprio governo. “Trata-se de conduta que exige violência ou grave ameaça efetiva, não simples discursos ou manifestações”, declarou.

Como exemplo, Fux apontou que o caso do mensalão evidenciou como a usurpação do patrimônio público para compra de apoio político desequilibra a disputa eleitoral e atenta contra as instituições democráticas. “Como ressaltou o ministro Celso de Mello à época, tratou-se de comportamento delinquencial gravíssimo, subversivo da ordem institucional e transgressor da ética do poder”, ilustrou.

De acordo com Fux, a experiência histórica e a análise empírica dos processos de ruptura demonstram que golpes de Estado não resultam de atos isolados ou de manifestação individuais desprovidas de articulação, mas sim da ação de grupos organizados dotados de recursos materiais e capacidade estratégia aptos a enfrentar e substituir poder incumbente.

“Não envolve a conduta de depor o governo legitimamente constituído. A palavra ‘depor’ significa destituir ou exonerar alguém de um cargo no poder, ação que não se coaduna um comportamento de um presidente eleito que abusa de suas prerrogativas para manter o seu poder”, disse.

Assim, o ministro reforçou que “não satisfaz o núcleo do tipo penal o comportamento de turbas desordenadas ou iniciativas esparsas despidas de organização e articulação mínimas para afetar o funcionamento dos poderes constituídos”. Fux ainda ressaltou que o ex-presidente Jair Bolsonaro, à época em que ocorreram os fatos, não ocupava mais a posição de chefe de Estado, de modo que a sua suposta posição de garante não poderia decorrer do cargo.

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