As referências literárias no voto de Cármen Lúcia pela condenação de Bolsonaro

A ministra Cármen Lúcia costurou uma série de citações a escritores e historiadores em seu voto, que consolidou a maioria da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) para a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por golpe de Estado. A magistrada abriu o quinto dia de julgamento com falas poéticas e reflexões filosóficas sobre a democracia brasileira, ressaltando que considera esta ação penal importante porque “nela pulsa o Brasil que me dói”.

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O julgamento deste processo, segundo Cármen Lúcia, é uma espécie de “encontro do Brasil com seu passado, seu presente e seu futuro na área especificamente das políticas públicas dos nossos órgãos de Estado”. O discurso inspirado foi ancorado em uma série de obras literárias e históricas citadas pela magistrada.

Confira aqui as principais menções feitas pela ministra

“Que País é Este?”, Affonso Romano de Sant’Anna

“Que País é Este?”, Affonso Romano de Sant’Anna
A mesma frase dita por um político conservador, que inspirou a famosa canção de Renato Russo, deu nome ao poema de Affonso Romano de Sant’Anna lido por Cármen Lúcia nesta quinta-feira. Durante a ditadura militar, o texto estampou a primeira página do Jornal do Brasil.

A pergunta “Que País é Este?” foi feita pelo político Francelino Pereira, da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido ligado aos militares.

Escritor mineiro, Sant’Anna morreu em março de 2025, no Rio de Janeiro, aos 87 anos. No julgamento, Cármen Lúcia leu versos que, segundo ela, “poetavam um sofrimento”:

Uma coisa é um país,
outra um fingimento.

Uma coisa é um país,
outra um monumento.

Uma coisa é um país,
outra o aviltamento.

História de um crime, Victor Hugo

No livro História de um Crime, o escritor francês Victor Hugo, autor do clássico Os Miseráveis, narra uma tentativa de golpe de Estado, em referência à dissolução da Assembleia Nacional Francesa por Luís Napoleão Bonaparte (Napoleão III), em 1851.

“Um dos maiores escritores do Ocidente, Victor Hugo, ferrenho opositor ao golpe de Estado de Napoleão III, escreveu, durante o exílio, o livro História de um Crime. ‘O crime é o golpe de Estado’, afirmou a ministra, ao traduzir livremente um trecho da obra.”

Na passagem lida por Cármen Lúcia, um integrante da força armada tenta convencer uma autoridade a aderir ao golpe:

— “Mas isso que você me propõe é um golpe de Estado.”
— “Você acredita nisso?”
— “Sem dúvida. Nós somos a minoria e seríamos a maioria. Nós somos uma porção da Assembleia e agiríamos como se fôssemos a Assembleia inteira. Nós, que condenamos a usurpação, seríamos os usurpadores. Nós, os defensores da Constituição, afrontaríamos a Constituição. Nós, os homens da lei, violaríamos a lei. É um golpe de Estado.”
— “Sim, mas um golpe de Estado para o bem.”
— “O mal feito para o bem continua sendo mal.”
— “Mesmo quando ele tem sucesso?”
— “Principalmente quando ele tem sucesso. Porque então se torna um exemplo e vai se repetir.”

Carlos Fico, Heloisa Murgel Starling e Newton Bignotto

A ministra citou ainda o historiador carioca Carlos Fico, a historiadora mineira Heloisa Starling (autora de A Máquina do Golpe) e o filósofo também mineiro Newton Bignotto (autor de Golpe de Estado: História de uma Ideia).

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Segundo Starling, “golpes eclodem em uma dinâmica de crise de que se beneficiam seus protagonistas, capazes de entender que estão diante de uma circunstância institucional com potencial disruptivo”.

Já Bignotto ofereceu a Cármen Lúcia a análise de que a condição para o sucesso de uma conspiração golpista seria a manutenção do segredo das tratativas.

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