A formação e a sucessão de lideranças no setor público brasileiro têm ganhado destaque em função das exigências contemporâneas por uma administração eficiente, transparente e orientada à geração de valor público.
Essa necessidade torna-se ainda mais evidente diante do objetivo do Brasil de integrar-se como membro pleno da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o que implica adequações profundas em seus processos de gestão e liderança.
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Conforme apontado pela OCDE, uma Administração Pública profissional, competente e eficaz é condição essencial para fortalecer a confiança da sociedade nas instituições governamentais. Nesse contexto, o desenvolvimento de líderes capazes de implementar mudanças estruturais torna-se um dos principais desafios enfrentados pela Administração Pública federal brasileira.
Tais mudanças não podem depender exclusivamente de nomeações políticas ou da livre escolha para cargos em comissão, especialmente considerando que a Lei 14.204/2021 determina que ao menos 60% desses cargos sejam preenchidos por servidores de carreira.
Além disso, dados do Painel Estatístico de Pessoal indicam que aproximadamente 33% dos servidores ocupando atualmente posições estratégicas estarão aptos à aposentadoria nos próximos cinco anos. Essa projeção impõe à Administração a necessidade de desenvolver um processo sucessório que possibilite a reposição qualificada desses profissionais.
Com vistas a enfrentar essa questão, o governo federal instituiu o Programa LideraGOV, voltado à identificação e ao desenvolvimento de servidores com alto potencial de liderança no setor público. Apesar dos avanços trazidos por essa iniciativa, o processo sucessório permanece incipiente na maioria dos órgãos públicos. Dados do Referencial Básico de Governança Organizacional (TCU, 2021) revelam que grande parte das instituições integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (Sipec) não adota práticas recomendadas para a sucessão em cargos críticos.
A análise documental, baseada na Seção 4140 do Referencial Básico de Governança Organizacional (RBG) do TCU, que trata da temática “Assegurar a disponibilidade de sucessores qualificados”, revelou um cenário preocupante: dos 184 órgãos do Sipec que responderam à pesquisa, 96 informaram que não adotam nenhum dos indicadores relacionados ao processo sucessório, e apenas 21 afirmaram adotá-los em grande parte ou integralmente. Isso demonstra a fragilidade institucional na formação de lideranças e a carência de políticas estruturadas nesse campo.
Com relação ao mapeamento de sucessão, verificou-se que, na amostra de 16 órgãos e entidades entrevistadas, embora todos realizem mapeamento de cargos de liderança, apenas uma parcela minoritária identifica ocupações críticas ou elabora planos de contingência para substituição.
Observou-se também um alto índice de “turnover” relatado por 11 organizações — causado por aposentadorias, movimentações entre órgãos e migração para o setor privado — que acentua a urgência de medidas proativas para sucessão e retenção de talentos.
A cultura da substituição também revelou nuances importantes. Embora legalmente permitida a designação de até dois substitutos por cargo, apenas 2 entrevistados afirmaram que a substituição ocorre integralmente; os demais relataram práticas fragmentadas ou inexistentes, evidenciando uma dependência excessiva da figura do titular e falhas na gestão do conhecimento.
O mapeamento de lideranças potenciais ocorre de maneira informal, com base na observação dos superiores imediatos, sem metodologias institucionalizadas ou critérios objetivos. Embora alguns órgãos tenham ensaiado iniciativas estruturadas, como o mapeamento de competências e autoavaliações, esses projetos foram interrompidos ou não foram ampliados.
Com relação à gestão de talentos, quanto à atração, a predominância de concursos públicos limita a flexibilidade dos órgãos em compor suas equipes com agilidade. A movimentação interna e externa entre servidores é possível, mas depende de autorização dos órgãos de origem, gerando entraves à recomposição da força de trabalho.
Além disso, muitas posições de liderança são preenchidas por indicação técnica e antiguidade, em detrimento de avaliações de competências ou processos seletivos formais.
O desenvolvimento de lideranças é praticado em todos os órgãos entrevistados, conforme exige o Decreto 9.991/2019, por meio dos Planos de Desenvolvimento de Pessoas (PDP). Alguns órgãos adotam trilhas estruturadas com mapeamento de lacunas de competências; outros oferecem o desenvolvimento de forma autodirigida, com baixa integração entre líderes, substitutos e potenciais talentos.
No campo da retenção, a maioria não possui políticas estruturadas, embora alguns invistam no clima organizacional como estratégia indireta para promover engajamento. A valorização da liderança — tanto em reconhecimento quanto em remuneração — foi apontada como fator crítico para estimular a permanência e despertar o interesse por cargos estratégicos, dado o grau de responsabilidade e a baixa atratividade financeira dessas funções.
Por fim, os gargalos mais mencionados para a implementação da sucessão estruturada foram agrupados em quatro dimensões interdependentes: Estrutural, Política, Cultural e de Desenvolvimento. A partir dessa estrutura, proposta na figura abaixo, é possível visualizar os obstáculos à profissionalização da liderança pública brasileira e identificar caminhos viáveis para sua superação.
As limitações estruturais — como a escassez de concursos públicos e a baixa atratividade de cargos de liderança — dificultam a composição e renovação da força de trabalho. Culturalmente, observa-se uma resistência à delegação e à substituição, que limita a gestão do conhecimento e a continuidade institucional.
No campo político, a interferência partidária compromete o desenvolvimento de políticas de Estado voltadas à governança estratégica de pessoas. E na dimensão do desenvolvimento, a ausência de programas robustos e integrados prejudica a formação de lideranças capazes de responder aos desafios contemporâneos.
Em outras palavras: não investir no preparo dos potenciais líderes traz como risco a perda de bons técnicos e a ascensão de gestores sem preparo para a atividade da liderança. Daí advém a importância do processo sucessório, porque dele depende a sobrevivência das organizações que precisam ter pessoas, em todos os seus níveis, prontas para assumirem posições críticas que, podem a qualquer momento, perderem seus atuais ocupantes.
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Apesar dessas dificuldades, os gestores entrevistados demonstraram consciência sobre os riscos da ausência de sucessão estruturada e apontaram caminhos viáveis para a superação dos gargalos, como o mapeamento de ocupações críticas, a valorização das lideranças, a mudança cultural e o fortalecimento da atuação estratégica das unidades de gestão de pessoas.
Assim, entende-se que o desenvolvimento de lideranças não é apenas uma questão técnica, mas estratégica para garantir a resiliência, inovação e sustentabilidade das instituições. A consolidação de um modelo sucessório efetivo depende da articulação entre políticas públicas, gestão estratégica e cultura organizacional voltada à continuidade do serviço público com qualidade e integridade.
É justamente neste diapasão que se insere o programa de formação e desenvolvimento de lideranças públicas capitaneado pela SGP/MGI por meio do Lidera.Gov.