Os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), frequentemente defendem a ideia de que o mundo caminha para a desproteção dos trabalhadores, proclamando o fim do que pejorativamente chamam de CLT, que estaria ultrapassada conforme o estado da arte da regulação laboral global.
No entanto, uma análise das reformas das legislações trabalhistas ocorridas nesta década ao redor do mundo revela um cenário oposto: a tendência é de maior proteção e ampliação de direitos para os trabalhadores.
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Este artigo detalha como diversos países têm fortalecido suas legislações trabalhistas, contrariando a narrativa de precarização e demonstrando a atualidade e relevância de modelos como a CLT brasileira.
Reino Unido: o berço do liberalismo que protege seus trabalhadores
O Reino Unido, frequentemente considerado o berço do liberalismo econômico, está implementando uma das maiores reformas trabalhistas de sua história, visando a aumentar a proteção dos trabalhadores. Esta reforma, que deve ser totalmente implementada nos próximos dois anos, introduz uma série de avanços que, em muitos aspectos, superam a proteção oferecida pela CLT brasileira.
As principais medidas que serão implementadas são a restrição de contratos precários, o fortalecimento dos sindicatos e a eliminação de obstáculos às greves, proteção contra dispensas, proteção a trabalhadores terceirizados, licença paternidade e parental, proteção à maternidade e à menopausa e a promoção da igualdade salarial de gênero, entre outros tantos direitos.
Haverá também a criação de uma forte agente fiscalizadora das normas trabalhistas, a Fair Work Agency, que poderá aplicar multas de até R$ 150 mil e que também terá o poder de ajuizar ações na Justiça do Trabalho (Employment Tribunal) em favor dos trabalhadores para forçar o cumprimento da lei e o pagamento de direitos inadimplidos.
Espanha: desconstruindo a precarização e ampliando direitos
A Espanha é outro exemplo contundente de que a tendência global aponta para a proteção dos trabalhadores. Em 2022, o país implementou uma ampla reforma trabalhista com o objetivo de desconstruir o legado de precarização deixado por desastrosas reformas anteriores.
Os principais pontos dessa reforma foram a redução de contratos precários, com a priorização dos contratos por prazo indeterminado; o aumento do valor das multas por infrações trabalhistas e a presunção da relação de emprego para entregadores de plataformas digitais, trazendo novos direitos como o acesso dos sindicatos ao algoritmo.
Agora o governo espanhol pretende avançar nas reformas progressistas com a redução da duração do trabalho para 37,5 horas até o final de 2025. Também ainda este ano devem ser implementados o direito à desconexão digital e o registro digital obrigatório de horários de trabalho, acessível remotamente pela inspeção do trabalho.
Colômbia: ampliando direitos e valorizando o trabalho
Em 2025, a Colômbia aprovou uma ampla reforma legal progressista que ampliou e introduziu novos direitos trabalhistas. Suas principais medidas foram a promoção do contrato por prazo indeterminado; a redução da jornada semanal para 42 horas; a extensão do horário noturno das 19h às 6h, com adicional de 35%; a garantia do devido processo legal na aplicação de penalidades pelo empregador, com direito de defesa pelo trabalhador; a aplicação do princípio da primazia da realidade sobre a forma para os trabalhadores em plataformas digitais para reconhecimento do vínculo empregatício; a proteção a trabalhadores em teletrabalho no exterior, reconhecimento de direitos trabalhistas a mães comunitárias e a criação do auxílio conectividade.
Portugal: a Agenda do Trabalho Digno e a proteção de novas formas de trabalho
Em Portugal, a Agenda do Trabalho Digno, como se chamou a grande reforma do código de trabalho português em 2023, representa um avanço significativo na proteção trabalhista, com alterações extensas e significativas, centrando-se no combate à precariedade, na conciliação entre a vida profissional e a familiar e a inclusão no mundo dos direitos dos cuidadores e trabalhadores em plataforma.
Os principais pontos da reforma foram a inclusão de proteção a trabalhadores economicamente dependentes, a presunção de vínculo laboral em plataformas digitais, a proteção dos trabalhadores no uso de algoritmos e inteligência artificial, direitos em relação à promoção da igualdade e não discriminação, alargamento da licença parental distribuída entre os genitores, direito de informação; direito de transparência e informação para os trabalhadores; proibição da terceirização para substituição de empregados dispensados; e aplicação da regulamentação coletiva da empresa tomadora quando da terceirização de sua atividade-fim.
México: formalização e redução da jornada de trabalho
O México também se alinha à nova onda mundial de reformas trabalhistas protetivas. O país já havia passado por uma ampla reforma laboral protetiva em 2019, que entre outras medidas criou os tribunais laborais e fortaleceu o acesso à Justiça para os trabalhadores.
No final de 2024 é editada lei com o reconhecimento de trabalhadores de plataforma como empregados e a inclusão de diversos direitos como a manutenção da liberdade de escolha de horários e dias de trabalho, transparência algorítmica, proibição de cobranças indevidas e revisão humana de decisões tomadas por algoritmos. Com essa medida foram incluídos no mundo dos direitos mais de 1 milhão e 200 mil trabalhadores.
O governo mexicano apresentou, neste ano de 2025, a proposta de redução gradual da duração semanal do trabalho para 40 horas até 2030.
Outros países com reformas trabalhistas para ampliar direitos
Diversos países asiáticos têm implementado leis e reformas nos últimos anos, reforçando a proteção trabalhista:
Camboja (aumentos salariais significativos por lei, limitação de horas extraordinárias a duas diárias, com remuneração de 150% a 300%; expansão de segurança do trabalho e cobertura previdenciária para trabalhadores informais).
Japão (teletrabalho, horários flexíveis para pais com filhos pequenos e extensão; subsídios para permanência de empregados além dos 70 anos de idade, da licença parental para cuidado de crianças até o terceiro ano do ensino fundamental;
Singapura (licença paternidade de quatro semanas; proibição de dispensa para recontratação injusta, previsibilidade de jornada para trabalhador intermitente).
Malásia (reajuste de salário mínimo, reforço nas normas de jornada, com inserção de pausas após 5 horas de trabalho)
Filipinas (remuneração dos feriados em 200%, normativas sobre jornada e contratos e segurança no trabalho reforçados)
Vietnã (fortalecimento dos sindicatos e da negociação coletiva).
Poderíamos ainda citar a Austrália e a Holanda, mas os casos desses dois países serão analisados em artigo separado pela importância no debate atual brasileiro,
Conclusão: a atualidade da proteção trabalhista
Os fatos e as recentes reformas trabalhistas ao redor do mundo demonstram que a fala ideológica de alguns ministros do STF, que defendem a desproteção dos trabalhadores e o fim da CLT, vai em sentido contrário à tendência global.
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Países de diferentes continentes estão investindo na ampliação de direitos, na formalização de novas categorias de trabalho e na garantia de condições mais dignas. A modernização, nesses países, é verdadeira, e não somente um recurso retórico para o esvaziamento dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição.
A CLT brasileira, longe de ser uma legislação ultrapassada, encontra eco e validade nas “CLTs” que estão sendo construídas ou fortalecidas em diversas partes do mundo. A proteção trabalhista não é um entrave ao desenvolvimento, mas um pilar fundamental para a construção de sociedades mais justas, equitativas e economicamente robustas.