Os bancos sendo bancos ao final do Acordo dos Planos Econômicos

Este ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) homologou em definitivo o maior acordo privado do país, que viabilizou a mais de 1 milhão de brasileiros anteciparem o dinheiro descontado indevidamente de suas contas poupança, por bancos, no tempo em que planos econômicos do governo tentavam reverter períodos de hiperinflação – caso dos planos Collor, Bresser e Verão nos anos 1980.

A composição das partes ocorreu na ADPF 165/DF, um processo que ainda tramita no Supremo, a partir de uma longa negociação pleiteada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e outras entidades perante a Advocacia-Geral da União (AGU), nos idos de 2016.

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Quase dez anos depois, é importante lembrar por que as entidades preferiram negociar um valor menor que o devido em lugar de aguardarem o desfecho do julgamento dessa ADPF no STF. Até 2010, vários consumidores tinham como certo o recebimento total da indenização devida pelos bancos, sobretudo quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu os índices no julgamento do Recurso Especial 1.141.595/RS (relator ministro Sidney Benetti).

Mas, no Brasil, bancos não respeitam decisões judiciais contrárias, não engolem derrotas e se valem pragmaticamente de seu aparato opulento para reverter todo e qualquer entendimento que lhe imponha desembolsos. Foi então que a Febraban e a Consif contrataram as bancas de advogados mais caras do país, àquela época, para ajuizarem a ADPF 165/DF. A peça foi assinada pelo ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, ladeado por Sérgio Bermudes e Arnoldo Wald.

Em 2013, quando o STF tentou pautar a referida ação para julgamento e chamou as sustentações orais, AGU e Banco Central defenderam surpreendentemente as teses bancárias e abandonaram os cidadãos. Ao invés de concluir a sentença naquela oportunidade, o STF teve que suspender o julgamento depois de um pedido extravagante do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para rever as contas juntadas ao processo.

Com a saída do ministro Joaquim Barbosa do STF, o caso não voltou mais à pauta por sucessivos impedimentos dos ministros e, nos dois anos subsequentes, o Idec apontava que o STJ começava a mudar paulatinamente seus julgados para reduzir ou extinguir a conta dos consumidores.

O Idec já previa que, com o tempo, os bancos conseguiriam se livrar das condenações revertendo precedentes e alcançando a declaração de constitucionalidade de suas manobras operacionais feitas com o dinheiro do povo.

À mesa de negociação – instalada na AGU – de um lado, poupadores lutaram para manter os bancos obrigados a indenizar pelos prejuízos sofridos, embora oferecendo um desconto sobre os índices fixados pelo STJ e abrindo chance para que centenas de milhares de famílias antecipassem o recebimento sem enfrentar os intermináveis recursos protelatórios manejados pelos exércitos representantes dos bancos.

Em 1º de junho de 2016, escrevemos neste JOTA como ruíam as vitórias dos poupadores[1]:

“…olhando para o STJ, é possível saber por que o tempo vale ouro aos bancos. Desde o advento da ADPF, quase a totalidade das Ações Coletivas foram extintas por prescrição (REsp 1070896, Luis F. Salomão, DJe 04/08/2010), os juros remuneratórios foram reduzidos das condenações originais (REsp 1.535.990, Luis F. Salomão, DJe 20/08/2015)”.

Em 2017, os números da composição foram fechados e o portal G1 anunciava que “advogados questionam se acordo é vantajoso aos poupadores”[2]. Entre otimistas e realistas, o Idec estava certo e, em 2019, o STF já dava o primeiro sinal de vitória aos bancos, no julgamento da ADPF 77/DF que considerou totalmente constitucional o Plano Real, retirando o dever de indenizar diferenças aos depositantes.

Em 2025, houve a homologação definitiva do acordo dos Planos na ADPF 165/DF, quando o STF examinou e confirmou a constitucionalidade da correção aplicada nas medidas econômicas conhecidas como Collor, Bresser e Verão, embora sem isentar os bancos de indenizarem os poupadores, graças à convenção negociada e celebrada.

Como resultado prático, pelos próximos 24 meses, quem ainda não havia aderido aos termos da composição receberá esses valores, seguindo as regras que foram ajustadas entre credores (consumidores) e devedores (bancos). A paz reina entre as partes? A resposta é não!

A novidade é a tentativa bancária de tentar manchar as páginas finais dessa longa história, sugerindo na mesa de negociação que os cidadãos elegíveis (que preenchem os requisitos para recebimento) que não forem localizados ou que não conseguirem manifestar aceitação expressa deixem de receber, assim convertendo a obrigação do Supremo (que já está contingenciada) em dividendos extras às respectivas instituições financeiras.

A manobra mordaz não passou ao largo dos representantes dos poupadores, surpreendidos com a amnésia seletiva dos interlocutores financistas que dizem não se lembrar das balizas iniciais fixadas: que sempre foi de que, ao final, todos receberão (ou, alternativamente, o valor iria para os Fundos de Direitos Difusos). O Idec se recusa a prosseguir na parte final caso a obrigação não seja fielmente cumprida.

Em se cuidando de bancos, realmente, não se pode esperar algo diferente que não os comportamentos oportunistas de ganhar sempre, custe o que custar. De lá para cá, a Febraban passou a ser presidida pelo ex-procurador-geral do Banco Central (que esteve à mesa no início do acordo), enquanto a Consif é liderada pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados (também conhecedor do assunto que foi público).

O lucro sempre há de falar mais alto! A marca dessas instituições, no Brasil, é mesmo a programação aética e sistemática de moldar seu futuro regulatório valendo-se de uma infindável capacidade litigiosa de resistir e mudar (ou postergar) situações que lhe estejam desfavoráveis[3], inclusive sem enxergar vidas do outro lado do balcão (a descrição é da obra Nação devedora, de Louis Hyman, que retrata o perfil de atuação dos bancos nas Américas desde 1925).

A diferença, no julgamento da ADPF 165/DF, é que os bancos levaram a constitucionalidade, mas ficaram amarrados na indenização para pagar aos poupadores, embora tentando se desatar.

Se os prejuízos ocasionados a esses poupadores ocorreram há mais de 40 anos, o Idec assistiu às centenas de milhares de vidas que não chegaram ao fim do pleito, as quais passaram a ser representadas por espólios e inventários de vulnerabilidade aumentada.

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Por isso, condicionou as etapas finais de homologação do acordo apenas e tão-somente se honrado, pelos bancos devedores, o compromisso de pagar aos aderentes que expressem vontade formal e, principalmente, àqueles que não tiverem condições de manifestar a recusa inequívoca ao depósito. Caso essa baliza fundante do acordo seja revista pelos bancos, o pedido de revisão do pacto será apresentado ao STF pelo Idec.

A situação segue indefinida, neste mesmo ano em que bilhões se acumulam nos cofres das famílias mais ricas do país (de banqueiros, é claro)[4], mantendo-se a linha ininterrupta de recordes anuais de faturamento, mesmo com uma pandemia global no meio do caminho.

Quem acha que os ganhos bancários foram apenas com o desconto dos índices de poupança, engana-se. Com o fim da ADPF 165, outros depósitos remunerados que discutiam os expurgos do período hiperinflacionário deixaram de ser pagos, gerando outras vantagens significativas às casas financeiras.

Lutar contra o setor econômico mais poderoso do país não é nada fácil, exceto quando o cidadão se organiza e recusa a manobras tão desumanas, para além das já conhecidas mazelas dessa nação de devedores (tal qual já previa o já referenciado Louis Hyman).

[1] Diponível em: “https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/planos-economicos-nova-veneza-e-o-supremo”.

[2] Disponível em: “https://g1.globo.com/economia/noticia/planos-economicos-advogados-fazem-contas-e-questionam-se-acordo-e-vantajoso-para-poupadores.ghtml”.

[3] HYMAN, Louis. Debtor nation: The history of America in red ink. Princeton University Press, p. 174, 2011.

[4] Disponível em: “https://forbes.com.br/listas/2025/08/lista-forbes-os-10-maiores-bilionarios-do-brasil-em-2025/”

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