A recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre a exclusão, da base do IRPJ e da CSLL, de juros subvencionados pelo BNDES reacendeu um debate central do direito tributário: até onde pode ir a Receita Federal ao editar instruções normativas que restringem benefícios fiscais previstos em lei e o que é considerado empresa pública nos termos da lei?
O caso envolvia um Auto de Infração em face do contribuinte em que se questionava a aplicação do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, que permite a exclusão das subvenções governamentais concedidas pelo “poder público” para fins de incentivo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
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A Receita, porém, com base no artigo 198, §6º, da IN RFB 1.700/2017, argumentou que a exclusão não se aplicaria quando a subvenção fosse concedida por pessoas jurídicas de direito privado — ainda que se tratasse de empresas públicas controladas pela União, como o BNDES.
O ponto central estava em saber se o BNDES poderia ser considerado parte do “poder público” para efeitos tributários. O fisco defendia que, por ser uma empresa pública de direito privado, o banco não se enquadraria nesse conceito. O contribuinte, por sua vez, sustentava que a natureza institucional do BNDES — executor de políticas públicas de fomento, submetido ao controle do Tribunal de Contas da União e pertencente à União — deveria prevalecer sobre sua forma jurídica.
O Carf acabou acolhendo essa última interpretação. Para os conselheiros, não faria sentido que a lei, ao falar em “poder público”, fosse reduzida pela Receita a um conceito meramente formal. O que importa é a essência da atividade exercida: no caso, a concessão de crédito subsidiado como instrumento de política pública.
Esse entendimento tem dois efeitos imediatos. O primeiro é reafirmar um princípio básico do sistema tributário: a legalidade. Instruções normativas não podem criar restrições não previstas em lei. Quando a Receita interpreta a lei de forma restritiva para limitar um benefício, cria um ambiente de insegurança jurídica que desestimula investimentos — justamente o oposto da finalidade do incentivo.
O segundo efeito é prático: empresas que tomam financiamentos com juros subvencionados pelo BNDES ganham segurança para excluir tais benefícios da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Evita-se, assim, uma distorção: o incentivo que deveria estimular a atividade econômica não é neutralizado pela tributação.
Mais do que isso, a decisão pode abrir caminho para uma discussão mais ampla: será que outras empresas estatais ou sociedades de economia mista, quando atuam em clara execução de políticas públicas, também podem ser equiparadas ao “poder público” para fins tributários? Exemplos não faltam — de bancos oficiais a empresas do setor energético.
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A análise também dialoga com um movimento legislativo recente. A decisão se reforçou no Despacho Decisório emitido ao mesmo contribuinte, que autorizou a habilitação da subvenção concedida pelo BNDES com fundamento na Lei 14.789/2023. O reconhecimento do BNDES como integrante desse conceito, portanto, harmoniza o entendimento administrativo com a evolução normativa e assegura ao contribuinte a possibilidade de reconhecer esse benefício para fins de habilitação do crédito subvencionado.
Mais uma vez, o Carf se vê no papel de árbitro entre arrecadação e legalidade. O caso mostra que, embora a Receita seja legítima ao regulamentar a aplicação da lei, não pode ultrapassar limites que comprometem a própria lógica do sistema tributário.
O precedente é, assim, duplamente relevante: protege o contribuinte contra interpretações excessivamente restritivas e preserva a eficácia dos instrumentos de política pública. Resta, agora, acompanhar se a jurisprudência se consolidará e até onde se estenderá a noção de “poder público” no âmbito tributário.