A audiência pública desta quarta-feira (3/9) em Washington não trouxe resultados definitivos. O encontro foi mais uma etapa da investigação comercial considerada a mais complexa já aberta pelos Estados Unidos sob a seção 301. De caráter sobretudo técnico, o processo ganha peso em um momento em que argumentos políticos têm dominado o debate sobre comércio internacional. No evento, representantes do setor privado dos dois países apresentaram suas versões e estatísticas a respeito das práticas que Washington acusa o Brasil de adotar para ganhar competitividade de forma desleal.
Com seis pontos centrais, que podem se desdobrar em outros ao longo do processo, a investigação pode acabar fatiada em diferentes frentes. Para o governo brasileiro, não se trata de uma corrida de curta distância, mas de “uma longa maratona”. A avaliação é de que, diante da complexidade inédita e da resistência dos EUA em discutir a relação em bases técnicas, o caso deve se estender até perto da eleição presidencial americana de 2026.
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Por isso, a participação do setor privado ganha ainda mais importância. A questão comercial nos EUA revelou-se, em boa medida, uma grande queda de braço entre lobbies. Leva vantagens ou obtém isenções quem consegue “vender melhor o seu peixe” ao convencer Trump de quanto ele tem a ganhar no final. Foi assim com a Embraer.
A fase atual abre caminho para outra que, neste momento, parece ainda mais relevante: a das consultas bilaterais. É nessa etapa que os dois governos se sentarão à mesa — ou, pelo menos, conversarão — sobre os aspectos técnicos da relação. Há mais de um mês as negociações comerciais entre os dois lados estão suspensas. Ou seja, até segunda ordem — ou até o sinal verde de Donald Trump — este será o único canal de negociação oficialmente aberto.
Um processo como esse, que costuma ter um único ponto focal em questão, dura de seis a 12 meses na média. É claro que pode ser muito mais, como aconteceu com a investigação que os americanos abriram contra a carne da União Europeia (UE) em 1999, que só foi concluída em 2019. Isso significa que até a conclusão do processo permanecerá no ar a ameaça de que novas medidas retaliatórias podem ser tomadas pela administração Trump contra o Brasil, para além do tarifaço em vigor.
Em Washington, 40 empresas e entidades brasileiras e americanas inscritas foram ouvidas pelo Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês). Elas foram distribuídas em seis painéis distintos. Tudo o que foi dito e apresentado deverá ser considerado pelo USTR de Trump em seu relatório final, no qual decidirá se aceita ou não as justificativas brasileiras.
A audiência é um dos ritos previstos em lei para o andamento da investigação. Em tese, deveria ser técnica do início ao fim. É nesse espírito que o governo brasileiro tenta atuar, embora reconheça que os argumentos que a motivaram partem de dados incompletos, distorcidos e até mesmo subjetivos, segundo fontes ouvidas pelo JOTA.
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Um grande contingente de especialistas de mais de 10 ministérios e do Banco Central, além de um escritório de advocacia contratado nos EUA, foi mobilizado para responder às múltiplas acusações do governo americano — fator que confere a complexidade inédita ao processo. Essa força-tarefa elaborou um relatório de 90 páginas, entregue ao USTR em 18 de agosto, no qual todos os pontos levantados pelos americanos foram refutados com dados e fatos.
A investigação pode resultar em arquivamento, negociações específicas ou tarifas contra setores brasileiros. Dada a variedade de temas incluídos, não se descarta a possibilidade de um fatiamento do processo.
Na avaliação de fontes do governo e de especialistas que acompanham o caso, ouvidos pelo JOTA, a investigação tem como objetivo, antes de tudo, justificar legalmente o tarifaço de 50% imposto ao Brasil pela administração Trump. Trata-se de uma das trilhas abertas pelo aumento tarifário. Em outro plano, há a própria tarifa, cuja suspensão foi condicionada pelos americanos à interferência do Executivo no julgamento em curso contra a ex-presidente Jair Bolsonaro.