Como amplamente noticiado, no ultimo dia 17 de junho foi lido o requerimento da CPMI do INSS, criada com o propósito de investigar fraudes na autarquia federal envolvendo descontos irregulares em benefícios de aposentados e pensionistas.
No último dia 20 de agosto, a CPMI foi instalada e a oposição conseguiu eleger o presidente do colegiado, o qual, por seu turno, indicou o relator. É raro que isso aconteça, já que geralmente são os maiores partidos quem negociam a ocupação desses dois cargos chaves para o andamento dos trabalhos. A eleição normalmente só serve para chancelar o acordo parlamentar prévio, como bem explicado aqui.
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Mesmo com pouco tempo, a CPMI já conta com um elevado número de requerimentos apresentados. Já no primeiro dia de funcionamento foram apresentados 479 requerimentos, o senador Izalci Lucas (PL-DF) sozinho apresentou 322 deles. No momento em que este texto é escrito (dia 31 de agosto), já foram apresentados 1359 requerimentos, e apreciados 286.
Um dos requerimentos merece o comentário da coluna de hoje. Trata-se do 989/2025, de autoria do senador Magno Malta (PL-ES), apresentado no último dia 26 de agosto, dirigido ao presidente do Senado, solicitando informações sobre as visitas de Antonio Carlos Camilo Antunes, conhecido como o “Careca do INSS”, às dependências do Senado, no período compreendido entre o dia 1º/1/2011 a 1º/8/2025, contendo os seguintes dados, classificados por data crescente: 1) data e horário de entrada; 2) identificação do ponto de acesso utilizado, portaria, entrada lateral, edifício principal, garagem etc.; e 3) destino da visita, incluindo gabinetes, comissões, lideranças, auditórios, salas de reunião, ou quaisquer outros ambientes institucionais.
Na justificação do pedido, consta o fundamento no art. 58, § 3º, da CF, que confere às CPIs poderes de investigação equivalentes aos das autoridades judiciais, bem como a previsão da Lei 1.579/1952, cujo art. 2º prevê que, no exercício de suas atribuições, as CPIs poderão determinar diligências que reputarem necessárias, incluindo a possibilidade de requisitar informações, no que se incluem os registros de entrada e circulação em prédios públicos.
Já rebatendo uma possível resposta negativa, o requerimento ainda avança para registrar que as CPIs têm competência para obter informações sigilosas (como a proteção dos dados bancário, fiscal e telefônico), os quais recebem o tratamento correspondente. Afirma que o acesso a esses dados é fundamental para que o parlamento exerça, de forma plena, sua função de investigação. E registra que, in casu, saber quando, onde e quem Antonio Carlos Camilo Antunes visitou no Senado é diligência necessária para esclarecer os fatos determinados que deram origem à CPMI, porquanto diretamente relacionadas ao objeto da apuração.
O requerimento que tenta mapear as ligações políticas e os canais de influência do lobista do INSS chegou a entrar na pauta da reunião do último dia 28 de agosto, mas acabou sendo retirado e ainda não foi apreciado. Há dúvidas sobre a sua constitucionalidade. Existe o entendimento de que a disponibilização das informações sobre o acesso de pessoas ao Congresso Nacional viola a prerrogativa parlamentar do sigilo da fonte.
Como sabido, o art. 53, § 6º, da CF, garantiu que: “Os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações” (redação dada pela EC 35/2001). Trata-se de prerrogativa para garantir a independência no exercício do mandato (e do próprio Poder Legislativo como um todo), não um privilégio pessoal.
Nos últimos tempos, essa garantia constitucional dos congressistas tem sido frequentemente vilipendiada, tanto por buscas e apreensões determinadas nos gabinetes e residências dos parlamentares (já criticada aqui, pela falta de respeito à abrangência da medida, que não pode alcançar documentos ou as esferas de direitos de não investigados), quanto pela apreensão de aparelhos de telefone celular do parlamentar ou por cautelares inominadas determinando a interceptação de informações recebidas na qualidade de membro da CCAI (como ocorreu nos casos comentados aqui).
De forma análoga ao sigilo da fonte previsto no art. 5º, inciso XIV, da CF (“é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”), a garantia do art. 53, § 6º, da CF, assegura aos parlamentares o direito de não revelar a origem de informações sensíveis, notadamente os nomes dos cidadãos que lhes confiaram dados sobre irregularidades, denúncias, etc., até mesmo para viabilizar a atividade de controle e fiscalização do Poder Legislativo.
Assim, o sigilo da fonte confere ao parlamentar o direito de não informar como, onde, quando e de quem obteve dados, materiais ou diálogos. A prerrogativa se presta a assegurar a liberdade na atividade parlamentar. A partir dessa lógica, de fato, a requisição de informações sobre as visitas recebidas por parlamentares seria inconstitucional.
Isso porque, ainda que não se divulgue o que foi conversado, a simples divulgação de quem foi recebido pelo parlamentar (ou quais parlamentares receberam determinada pessoa) e quando isso aconteceu já é o suficiente para minar elementos que deveriam estar acobertados pelo sigilo.
Para os fins do art. 53, § 6º, da CF, não bastaria o silêncio sobre o assunto que foi tratado “das portas para dentro” dos gabinetes dos parlamentares. A garantia parlamentar do sigilo da fonte comporta uma dimensão subjetiva e outra dimensão objetiva a fim de proporcionar o livre exercício do mandato no interesse da base eleitoral que representa e de toda a população.
Inclusive, no meio parlamentar, diversos congressistas entendem que algumas das propostas para a regulamentação do lobby como um todo (leia-se, a atividade de representação de interesses nas relações governamentais) no âmbito do Poder Legislativo – ao estabelecer mecanismos de registro e controle das atividades exercidas por lobistas, os quais seriam obrigados a prestar contas e divulgar suas agendas – também esbarraria nessa prerrogativa parlamentar.
Como se vê, há uma clara dificuldade em compatibilizar o alcance dos poderes de investigação das CPIs em face das imunidades parlamentares. A rigor, a imunidade parlamentar não impede que os membros das Casas Legislativas sejam convocados pelas CPIs. Inclusive, o próprio art. 36, inciso II, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD), textualmente consigna a possibilidade de aa CPI requerer a audiência de deputados.
Se convocados por CPIs, mesmo da outra Casa, deputados e senadores estão obrigados a comparecer. Com alguma frequência isso acontece. Como exemplos, citam-se os depoimentos do deputado Ricardo Barros (PP-PR) na CPI da Covid, da deputada Sílvia Waiãpi (PL-AP) na CPI das ONGs, do então senador Demóstenes Torres (DEM-GO) na CPI do Cachoeira etc.
E mais: as CPIs podem até investigar parlamentares, como ocorreu, por exemplo, na CPI dos Anões do Orçamento, de 1993, que investigou a denúncia de que parlamentares estariam recebendo propina para incluir emendas no orçamento para beneficiar empresas fantasmas, e na CPI dos Sanguessugas, de 2006, que chegou a recomendar a abertura de processo de cassação contra 72 parlamentares acusados de envolvimento em um esquema de desvio de recursos públicos destinados à compra de ambulâncias.
Não custa lembrar que a primeira cassação de um senador desde 1988 foi precisamente após a atuação de uma CPI. Durante os trabalhos da CPI do Judiciário, apurou-se que o senador Luiz Estevão (PMDB-DF) estava envolvido em um desvio de R$ 169 milhões nas obras do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo; foi acusado de ter alterado os livros contábeis do Grupo OK, empresa destinatária do superfaturamento da obra; e de ter mentido sobre tudo isso. O senador acabou sendo cassado por quebra de decoro parlamentar no dia 28 de junho de 2000, com 52 votos a favor, 18 contra e 10 abstenções, após 4 horas de deliberação em sessão secreta.
Como já comentado em outras ocasiões (aqui e aqui), para levar a cabo suas tarefas de investigação, as CPIs têm poderes para determinar uma série de diligências manu propria, sem necessidade de intervenção judicial, incluindo as quebras de sigilo fiscal, bancário, de dados, além das previstas no já mencionado art. 2º da Lei 1.579/1952, com redação dada pela Lei 13.367/2016. Em casos extremos, até a busca e apreensão é possível, desde que não tenha por objeto residências, já que essa medida está sob reserva de jurisdição conforme o art. 5º, inciso XI, da CF.
É da lógica das CPIs que possam ter acesso às informações e aos documentos necessários ao exercício de suas competências. Para poder investigar, é preciso contar com os meios para levar a termo esse trabalho. Daí a natural preocupação com que haja limitação de acesso a certos dados por parte das CPIs, pois o perigo é sempre o esvaziamento dos poderes da CPI.
Uma forma de conciliar os poderes de investigação com a prerrogativa parlamentar do sigilo da fonte seria permitir a divulgação dos dados que digam respeito, tão-somente, à data e ao horário de entrada e, no máximo, à portaria de acesso utilizada, mas jamais a publicidade poderia alcançar o local de destino específico dentro da Casa Legislativa, sobretudo se a um gabinete parlamentar.
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Nada obstante, como a dinâmica da condução dos trabalhos é política, ainda que o Requerimento 989/2025 seja rejeitado ou, mesmo que aprovado, que não seja cumprido, porquanto sejam apresentadas razões jurídicas robustas para negar o acesso aos dados solicitados, o fato é que os interessados no requerimento já serão os vencedores na retórica política, com discursos levantando suspeitas sobre a quem beneficiaria o sigilo, perguntando quem seriam os favorecidos pelo fato de as informações sobre as visitas do Careca do INSS às dependências do Senado não virem à luz etc.
Ocorre que, na verdade, o entendimento pelo sigilo da fonte parlamentar beneficia a todos os parlamentares, pois ninguém ganha com a relativização das prerrogativas dos congressistas previstas na Constituição.