Por unanimidade, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) declarou, nesta quarta-feira (3/9), a inconstitucionalidade do Decreto Municipal 62.144/2023, que suspendeu por tempo indeterminado os serviços de transporte individual remunerado por motocicletas, como Uber Moto e 99Moto. A decisão foi modulada: só produzirá efeitos 90 dias após a publicação do acórdão. Nesse prazo, a Prefeitura de São Paulo poderá editar regras próprias para o funcionamento dos aplicativos.
O relator, desembargador Ricardo Dip, considerou que o decreto extrapolou a competência do município ao legislar sobre trânsito e transporte, matérias de prerrogativa exclusiva da União. Ele afirmou que, “por mais bem intencionada que fosse a medida, ela é inconstitucional”, pois “pretendeu impor, em âmbito local, uma restrição temporária que, dado seu caráter genérico, atrita com a legislação federal sobre o tema”. O Tribunal tomou a decisão em uma ação ajuizada pela Confederação Nacional de Serviços (CNS).
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Por outro lado, a Lei Estadual 18.156/2025, que condiciona a liberação do serviço apenas quando houver autorização e regulamentação dos municípios, continua produzindo efeitos em todo o território paulista. A lei estadual também prevê que “a exploração dos serviços remunerados de transporte privado individual de passageiros sem o cumprimento dos requisitos previstos nesta lei e na regulamentação do poder público municipal caracterizará transporte ilegal de passageiros”.
A norma paulista é alvo de ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), também ajuizada pela CNS. Na semana passada, a Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestou pela sua inconstitucionalidade. A ação tramita como ADI 7852.
Argumentos da defesa
Na sustentação oral, Ricardo Oliveira Godoi, representante da Confederação Nacional de Serviços (CSN), reiterou que o município não poderia criar restrições além das previstas pela União em matéria de trânsito e transporte. Segundo ele, o decreto paulistano representa “restrição intolerável a atividade submetida ao regime da livre iniciativa”.
Godoi destacou que a suspensão, inicialmente temporária, se converteu em “suspensão etérea, material e definitiva”, configurando invasão de competência da União e violação à ordem econômica. Ele também lembrou que a ação se refere ao transporte individual por aplicativos, os chamados motoapps, e não aos mototáxis, que têm regime jurídico distinto.
O advogado citou o Tema 967 do STF, que reconheceu como inconstitucionais as tentativas de barrar o transporte individual privado por aplicativos. “Os municípios podem e devem regulamentar, mas não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal”, afirmou.
Para Godoi, a modulação de efeitos é “inadequada” porque estimula a inércia da Prefeitura. “A cidade não aguenta mais. E nós, cidadãos paulistanos, não aguentamos mais sermos páreas no país, afinal, somos a única capital do país que proíbe o serviço”, concluiu o advogado.
Ao JOTA, Ricardo Oliveira Godoi afirmou que o TJSP tomou uma decisão muito importante em dois sentidos “Do ponto de vista jurídico, a decisão preserva a jurisprudência do próprio tribunal quanto do STF, e não há nada mais importante do que a segurança jurídica, inclusive para que continuemos confiando no Judiciário”, disse. “Além disso, a decisão é muito importante do ponto de vista social porque é o transporte por motocicletas é um meio importante principalmente para a população carente, para atender pontos em que o transporte público não consegue chegar. É relevante também para as mulheres, que são 60% das usuárias da modalidade no Brasil e traz uma fonte de renda adicional para os motociclistas.”
Argumentos da Prefeitura
Na outra ponta, a procuradora-geral do município de São Paulo, Luciana Sant’ana Nardi, defendeu a legalidade do decreto. Ela acusou Uber e 99 de desrespeitarem a norma ao lançarem o serviço de moto em São Paulo em janeiro deste ano. “Eles atuaram de forma extremamente agressiva, com preços módicos, para fidelizar a clientela”, afirmou.
Nardi disse que a suspensão era necessária diante do risco à integridade física dos trabalhadores e do impacto sobre o sistema público de saúde. Ela citou dados de 2024: 10 mil acidentes de moto na cidade, 500 mortes e um aumento de 22% nos óbitos em relação a 2023. “De um lado, está a vida dos trabalhadores, muitas vezes jovens. Do outro, o lucro dessas empresas, que chegam aqui desrespeitando nosso ordenamento jurídico”, disse.
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A procuradora-geral do munícipio defendeu ainda que a lei estadual reforça a competência dos municípios para regular o serviço, diante das realidades locais distintas. “Os municípios possuem competência para legislar sobre o interesse local e para suplementar a regras de trânsito, porque as realidades das cidades do país e do estado são completamente distintas”, afirmou.