COP30: o setor privado e o imperativo da ação climática com governança

À medida que o Brasil se prepara para sediar a COP30, em Belém, o mundo enfrenta um momento de inflexão nas negociações climáticas. O aumento da temperatura global já passou do limite de 1,5°C, um limiar científico que deixa claro os impactos irreversíveis sobre ecossistemas, economias e populações vulneráveis. Nesse cenário, a conferência não pode ser apenas um marco simbólico, e sim ponto de partida para ações concretas, com governança clara, financiamento escalável e responsabilidade compartilhada.

Sabemos que acordos multilaterais têm limites. A agenda climática global enfrenta pressões crescentes de instabilidade geopolítica, mudanças de rumo em grandes economias e disputas sobre responsabilidades históricas e capacidade de resposta.

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A desregulação ambiental em alguns países, o adiamento de diretrizes como a CSRD (Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa) na União Europeia e a ausência de uma agenda climática federal nos Estados Unidos após 2024, são sinais de que o caminho é incerto. No entanto, é justamente nesse contexto de volatilidade que a COP30 pode se afirmar como um catalisador de soluções práticas, especialmente quando o setor privado, governos subnacionais e atores locais assumem protagonismo.

A conferência no coração da Amazônia traz uma oportunidade singular: colocar em evidência modelos de desenvolvimento que conciliam conservação, justiça social e inovação econômica.

Um desses tópicos é a bioeconomia, que já gera cerca de R$ 13 bilhões por ano na região, segundo o WRI Brasil – organização global de pesquisa que trabalha para melhorar a vida das pessoas, proteger a natureza e estabilizar o clima, a partir de 13 cadeias produtivas, desde ativos florestais não madeireiros até aquicultura sustentável e ingredientes naturais para a indústria cosmética global.

Como destacado por especialistas, a bioeconomia não é um nicho de sustentabilidade, mas um imperativo de negócio; um sistema econômico em que a natureza é fonte de valor, não de sacrifício.

No entanto, escalar essas iniciativas exige financiamento adequado e estruturado. Dados da Sustainable Fitch (área de sustentabilidade da Fitch Ratings) e da EF Data, referentes ao primeiro semestre de 2025, mostram uma queda de 65% nas emissões de títulos sustentáveis no Brasil, recuo influenciado pela ausência de uma emissão soberana do Tesouro Nacional e pelo elevado custo de capital (Selic a 15% ao ano).

Globalmente, o volume também recuou 25%, em meio a incertezas macroeconômicas e cautela em investimentos de longo prazo. Esse movimento, no entanto, não indica desaceleração da agenda climática, e sim reconfiguração dos fluxos de capital.

Parte do financiamento para a descarbonização está migrando para mecanismos alternativos: blended finance, bonds temáticos (como blue bonds ou futuros Amazônia bonds) e programas como o Eco Invest, que atrai capital estrangeiro com capital catalítico para reduzir riscos.

O desafio agora é garantir que esses recursos sejam direcionados com transparência, governança robusta e alinhamento a padrões internacionais, especialmente com a entrada em vigor, a partir de 2027, da obrigatoriedade de reporte pelas normas IFRS S1 e S2 para empresas listadas no Brasil – que dizem respeito, respectivamente, aos requisitos gerais para divulgações de informações financeiras sobre sustentabilidade e às publicações relacionadas a questões climáticas.

É nesse cenário que o setor privado tem papel central, mas não isolado. Empresas não podem mais atuar apenas como executoras de projetos, precisam ser parceiras na construção de governança climática. Isso inclui adotar metas de redução de emissões alinhadas à ciência (SBTi), integrar critérios socioambientais nas cadeias de suprimentos e garantir o respeito aos direitos humanos, especialmente de povos indígenas e comunidades tradicionais. A transição ecológica será sustentável apenas se for justa, e isso exige participação real, consentimento livre, prévio e informado, e compartilhamento de benefícios.

A comunicação também precisa evoluir. Muitas organizações com iniciativas sérias de restauração florestal, gestão de bacias hidrográficas ou saneamento comunitário evitam divulgá-las por medo de críticas ou de acusações de greenwashing. Esse fenômeno, conhecido como greenhushing, enfraquece a confiança e dificulta a escala.

A solução não é falar menos, mas comunicar com evidência, dados e responsabilidade! Além de contar essas histórias, precisamos repensar o que consideramos essencial. Saneamento básico, por exemplo, é uma infraestrutura milenar, tão fundamental quanto energia ou transporte, e está na base da pirâmide da sustentabilidade.

No entanto, de acordo com o Painel Saneamento, no Brasil, cerca de 90 milhões de pessoas ainda não têm acesso à rede de esgoto, e apenas 55% do esgoto coletado é tratado. Isso não é apenas um problema social, é um risco ambiental, de saúde pública e de governança climática. Corpos d’água contaminados perdem sua capacidade de regulação climática, afetam a biodiversidade e reduzem a resiliência hídrica em tempos de mudanças extremas.

O que chama a atenção é que, historicamente, o tema foi ignorado não só pelo poder público, mas também pelo setor privado e pela sociedade. Enquanto empresas investem em carbono neutro, energias renováveis e comunicação ESG, poucas olham para os rios que abastecem suas cadeias ou para as comunidades que vivem às margens de córregos poluídos.

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A COP30, portanto, não deve ser vista como um fim, e sim como um meio para acelerar a ação climática em escala. Seu legado não será medido apenas por acordos diplomáticos, mas pela capacidade de gerar compromissos com monitoramento, reporte e verificação independentes.

E, crucialmente, pela construção de uma agenda que se sustente além de 2025. A COP 31 já está marcada para 2026, em menos de 16 meses. O tempo entre uma conferência e outra será decisivo para demonstrar que a comunidade global, incluindo o setor privado, está cumprindo o que promete.

Nesse sentido, o Brasil tem a chance de liderar uma nova geração de parcerias climáticas: entre empresas, instituições científicas, governos e comunidades. A bioeconomia, financiamento inovador, governança hídrica e regeneração de ecossistemas não são temas isolados, são pilares de uma economia mais resiliente, justa e alinhada ao futuro.

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