O ministro Alexandre de Moraes, relator da Ação Penal 2668, em que julga o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus na tentativa de golpe em 2022, disse, nesta terça-feira (2/9), que os questionamentos acerca da delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente da República, já foram superados. De acordo com Moraes, o acordo de colaboração premiada entre Cid e a Polícia Federal (PF) foi homologado dentro da legalidade, com plena anuência do colaborador e de sua defesa. Advogados de outros réus pedem a nulidade da delação por falta de voluntariedade de Cid e informações consideradas inverossímeis.
A delação de Mauro Cid tem função crucial na linha de raciocínio que conduz a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente. As informações trazidas por Cid, somadas às provas coletadas pela PF e a outros depoimentos ao longo do curso da ação penal JOTA%20separou%20trechos%20da%20dela%C3%A7%C3%A3o%20de%20Mauro%20Cid%20que%20ajudam%20a%20incriminar%20Bolsonaro%2C%20leia%3A”>ajudam a incriminar o ex-presidente Bolsonaro ao sustentar a acusação de que houve uma trama golpista para evitar que Luiz Inácio Lula da Silva assumisse o Palácio do Planalto em 2023, após vencer as eleições de 2022.
Ao ler o relatório na primeira sessão do julgamento da ação penal, Moraes afirmou que todas as partes delatadas foram notificadas em 11 de abril, ocasião em que foi determinada a citação e aberto o prazo para as respectivas manifestações. Moraes reforçou que o acordo firmado por Cid foi por ‘livre e espontânea vontade’”, sempre com orientação e acompanhamento de seus defensores em todos os atos processuais em que ele foi intimado.
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O ex-ajudante de Bolsonaro assinou, em setembro de 2023, o termo de colaboração premiada com a PF. Na ocasião, ele pediu perdão judicial ou que a pena de prisão não excedesse a dois anos; restituição de bens e valores apreendidos pela PF; segurança dos familiares e extensão dos benefícios para pai, esposa e filha. Em troca, ofereceu esclarecer os crimes, falar a verdade, entregar documentos e comunicar à PF se fosse procurado por algum dos investigados.
A partir dos depoimentos de Cid, a PF e a PGR conseguiram mapear a participação do ex-presidente na trama golpista. Como, por exemplo, a confecção da minuta golpista; o convite aos chefes das Forças Armadas para que aderissem ao golpe; o conhecimento do plano Punhal Verde e Amarelo que previa o assassinato de Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes, e o uso da máquina pública para os atos preparatórios do golpe.
Por outro lado, as defesas dos outros réus do núcleo 1 – considerado o núcleo crucial da trama golpista – alegam que Mauro Cid teria firmado a delação quando estava preso; que teria sido coagido a colaborar sob pena de voltar à prisão e de ter sua família processada, além de ter mentido e omitido fatos. Além disso, argumentam que o colaborador utilizou-se de um perfil da rede social Instagram identificado como “Gabriela R e/ou Gabrielar702” para se comunicar com terceiros e, especialmente, com a defesa do corréu coronel Marcelo Câmara.
Relatos de Cid foram úteis para o esclarecimento dos fatos, disse PGR
O procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet Branco, responsável pela acusação, se manifestou nesta terça-feira (2/9) pela validade do acordo de colaboração premiada celebrada por Cid na PF. Segundo Gonet, os relatos de Mauro Cid foram úteis para o esclarecimento dos fatos relacionados à investigação.
“Embora a Polícia Federal tenha descoberto a maior parte dos eventos descritos na denúncia de forma independente, a colaboração de Mauro Cid acrescentou-lhes profundidade”, afirmou o PGR. Gonet também disse que a manifestação final da PGR buscou refletir o valor da contribuição ao processo investigativo, ponderando omissões percebidas.
Conforme ilustrou em sua sustentação oral, o PGR ressaltou que o acordo de colaboração é negócio jurídico em que o réu reconhece a prática dos delitos; daí ser de desprezar, por paradoxal, a negativa expressa no instante das alegações finais de participação no empreendimento criminoso delatado. “Não custa recordar que não existe entre nós a figura da mera ‘testemunha premiada’”, destacou.
Assim, concluiu dizendo que “o conjunto dos fatos relatados na denúncia e suficientemente provados ao longo do feito, que obedeceu pontualmente aos parâmetros do devido processo, leva a Procuradoria-Geral da República a esperar juízo de procedência da acusação deduzida”.
O julgamento do núcleo apontado como crucial para a trama golpista começou nesta terça-feira (2/9), às 9h, e deve se estender até a sexta-feira da próxima semana (12/9).
Contratempos da delação de Mauro Cid
Cid prestou vários depoimentos à Polícia Federal. Em novembro de 2024, a Polícia Federal comunicou ao ministro Alexandre de Moraes que o assessor do ex-presidente não estava cooperando como o acordado e a colaboração correu o risco de ser desfeita. Além disso, a colaboração premiada do ex-ajudante de Bolsonaro possui alguns contratempos, a exemplo da tentativa de se comunicar com outros réus da trama golpista pelas redes sociais.
Em 23 de junho deste ano, a Meta informou ao STF que a conta do Instagram “gabrielar702” está vinculada a um email em nome de Mauro Cid ao menos desde o dia 19 de janeiro de 2024. Este perfil teria sido supostamente utilizado por Cid para vazar informações sobre o acordo de colaboração premiada firmado com a PF. Os diálogos foram anexados nos autos da ação penal sobre a tentativa de golpe no Brasil em 2022, pelo advogado Eduardo Kuntz, defensor do réu coronel Marcelo Câmara.
Em outro documento, o Google confirmou a existência do mesmo email desde 2005. Disse ainda que a conta está vinculada a um número de telefone do estado do Rio de Janeiro, que o email de recuperação da conta também está em nome de Mauro Cid e que a data de aniversário do dono da conta é 17 de maio de 1979, mesma data de aniversário de Mauro Cid.
Durante interrogatório no STF, o advogado de Jair Bolsonaro, Celso Vilardi, perguntou se Cid conhecia o perfil “gabrielaR”. O colaborador, à época, disse que poderia ser da sua esposa.
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Já o advogado do coronel Marcelo Câmara, Eduardo Kuntz, anexou em 17 de junho nos autos da ação penal uma série de áudios e prints de diálogos entre ele e o colaborador, Mauro Cid, por meio do perfil do Instagram “Gabrielar702”, em que o tenente-coronel daria detalhes sobre a colaboração premiada firmada com a Polícia Federal.
Ao anexar as conversas na ação penal, Kuntz requereu a nulidade do acordo de colaboração premiada do ex-ajudante de Bolsonaro por falta de “voluntariedade”, bem como a retirada de todas as provas derivadas da delação. “Sem embargos, nas palavras de ‘desabafo’ do delator, conforme se depreende desta conversa, o princípio da voluntariedade foi absolutamente arranhado, para não dizer que foi ferido de morte”, escreveu Kuntz.
Ao STF, Cid defendeu que delação foi feita ‘por livre e espontânea vontade’
Nas alegações finais apresentadas em 29 de julho, a defesa do ex-ajudante de ordens do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) afirmou que ele firmou acordo “por livre e espontânea vontade”. Portanto, o documento é “válido, voluntário e eficaz”, já que o militar teria cumprido integralmente as obrigações como colaborador.
No Supremo, a defesa requereu a manutenção do acordo e o perdão judicial. Subsidiariamente, pedia que não fosse imposta uma pena superior a dois anos e/ou absolvição do tenente-coronel.
Na avaliação da defesa, as informações trazidas aos autos por Mauro Cid foram cruciais para a construção da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). Inclusive, graças aos depoimentos de Cid foi possível saber sobre a “minuta golpista”, confirmada por generais das Forças Armadas e pelo próprio ex-presidente Bolsonaro durante os interrogatórios dos réus e oitivas de testemunhas.