O que muda, na prática, com o decreto da RNDS?

Em julho, o governo federal deu um passo relevante para consolidar a governança de dados de saúde no Brasil. O Decreto 12.560/2025 transformou a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) em uma política de Estado, elevando seu status jurídico e inserindo-a na infraestrutura digital do país. Trata-se de um avanço institucional que, embora esperado, merece ser reconhecido como um marco regulatório para a saúde digital brasileira.

O decreto também trata das chamadas Plataformas SUS Digital. O nome remete ao esforço do Ministério da Saúde para modernizar o SUS por meio de soluções digitais e, no texto normativo, designa os canais de disseminação de informações e de prestação de serviços digitais que facilitam o acesso a dados e serviços para usuárias e usuários do SUS, profissionais de saúde e gestoras e gestores públicos.

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Desde sua criação, em 2020, a RNDS vinha sendo estruturada por meio de portarias e acordos técnicos. Esses instrumentos são relevantes, mas apresentavam limitações quanto à estabilidade normativa e à articulação federativa. A RNDS surgiu com o objetivo inicial de integrar informações de saúde no âmbito do SUS, com foco prioritário na Covid-19 durante o período da emergência sanitária e, ao longo do tempo, evoluiu para outros eixos assistenciais, mantendo desde o início a ambição de se tornar a plataforma única de interoperabilidade do SUS.

No entanto, a ausência de um arcabouço legal robusto colocava em risco a continuidade da estratégia e dificultava a pactuação de regras claras entre os entes federativos, o setor privado e a sociedade. Diversos especialistas e instituições já alertavam para esse vácuo normativo e defendiam a consolidação da RNDS como política de Estado, com governança multissetorial, salvaguardas de proteção de dados e diretrizes obrigatórias de interoperabilidade.

Foi nesse contexto que, em setembro de 2023, o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) publicou a Nota Técnica 32, intitulada “Considerações sobre a regulamentação de uma plataforma digital única no âmbito do SUS”. O documento analisou criticamente os PLs 5875/2013 (Câmara dos Deputados) e 3814/2020 (Senado), ambos voltados à regulamentação do compartilhamento de dados em saúde no SUS.

O texto substitutivo ao PL 5875, apresentado em 2022, ampliava o escopo original da proposta, passando da simples obrigatoriedade do Cartão Nacional de Saúde para uma tentativa de disciplinar mecanismos de identificação unívoca e intercâmbio de dados.

A análise do IEPS reconheceu que o substitutivo representava um avanço no tema da interoperabilidade de dados e informações em saúde, mas ainda se mostrava insuficiente e, de certa maneira, descolado do que já havia sido desenvolvido  por meio da RNDS.

Defendeu-se, naquele momento, que uma política digital estruturante no SUS deveria ser protagonizada pelo Poder Executivo, com base no marco legal vigente (especialmente a Lei 8.080/1990), sendo a consolidação da RNDS como política de Estado o caminho mais efetivo para garantir coerência normativa, continuidade institucional e aderência às boas práticas já em curso.

A publicação do Decreto 12.560/2025, portanto, não apenas responde a esses diagnósticos prévios, como incorpora elementos fundamentais defendidos por especialistas, pesquisadores e instituições envolvidas na agenda de saúde digital.

O que muda com o Decreto 12.560?

Em primeiro lugar, o decreto traz estabilidade jurídica e institucional e organiza a integração da RNDS com a Infraestrutura Nacional de Dados. O artigo 18 determina que um ato conjunto do Ministério da Saúde e do Ministério da Gestão e da Inovação estabeleça um plano de trabalho, com cronograma, para promover essa integração. Essa medida tende a reduzir a vulnerabilidade da política a mudanças conjunturais e a fortalecer sua inserção na arquitetura digital do Estado.

Já no plano operacional, o decreto prevê a federalização da RNDS. O artigo 13 fixa como objetivo garantir acesso integral, ágil e descentralizado aos dados pelos estados, pelos municípios e pelo Distrito Federal, promovendo a continuidade do cuidado. O artigo 14 atribui ao Ministério da Saúde a definição, por ato próprio, dos requisitos técnicos e institucionais para adesão, das etapas de implementação, das formas de suporte contínuo e dos mecanismos de credenciamento e autenticação seguros.

O decreto também torna obrigatória a integração de dados por parte de estabelecimentos de saúde públicos e privados, com base em padrões técnicos definidos pelo Ministério da Saúde. Essa determinação, disposta nos artigos 4º e 12, implica a adoção de modelos informacionais padronizados, a interoperabilidade entre sistemas e uma governança compartilhada da informação em saúde.

Por fim, no campo da proteção e segurança de dados, o decreto reforça salvaguardas essenciais. O artigo 2º exige a elaboração de Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais (RIPD) antes do compartilhamento de dados e veda o uso secundário dos dados para finalidades incompatíveis com as originalmente previstas.

O artigo 5º delimita os destinatários do compartilhamento a órgãos e entidades da administração pública e a órgãos de pesquisa, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). O conjunto dessas previsões eleva o grau de responsabilidade, transparência e prestação de contas dos órgãos que manipulam dados de saúde e reduz a margem para usos indevidos.

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Como temos reiterado nesta coluna, a escala territorial do Brasil e sua diversidade geográfica e populacional, somadas aos princípios do SUS de universalidade, equidade e integralidade, demandam uma estratégia de saúde digital com implementação descentralizada e coordenação centralizada.

Mais do que o novo status jurídico, será a efetiva construção federativa e a capacidade de implementação nos diferentes níveis de governo que representarão o verdadeiro ponto de inflexão, o elemento decisivo para que a RNDS cumpra sua promessa de reestruturar o ecossistema de dados em saúde no Brasil.

O desafio, agora, é transformar o desenho federativo em resultados mensuráveis na assistência, na gestão e na transparência. É sobre esses resultados que esperamos voltar a escrever nos próximos meses.

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