STF valida repactuações na Lava Jato e CGU/AGU apresentam minuta mais restritiva

A ADPF 1051, relatada pelo ministro André Mendonça no STF, reacendeu o debate sobre os parâmetros para renegociação de acordos de leniência no Brasil. A ação foi ajuizada por partidos políticos para questionar os acordos celebrados no âmbito da Operação Lava Jato antes da assinatura, em 2020, do Acordo de Cooperação Técnica que buscou harmonizar a atuação da CGU, AGU, TCU e Ministério da Justiça.

No bojo do processo, o STF estimulou a conciliação entre empresas e órgãos públicos, resultando em termos aditivos que flexibilizaram condições de pagamento, alteraram metodologias de cálculo e admitiram instrumentos de quitação previstos na Lei 13.988/2020, como o uso de créditos fiscais e a substituição da Selic capitalizada pela correção pelo IPCA.

Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas

O entendimento do Supremo validou ajustes importantes, desde que preservado o valor principal devido, e incorporou parâmetros internacionais como a aferição da capacidade de pagamento (“ability to pay”) para definir cronogramas.

Também reconheceu a vedação à aplicação cumulativa de multas com base na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei Anticorrupção para os mesmos fatos, reforçando o princípio do non bis in idem. As negociações conduzidas no âmbito da ADPF 1051 também contemplaram mecanismos para evitar pagamento em duplicidade quando sanções derivam de fatos idênticos, inclusive em diferentes jurisdições.

Enquanto o STF consolida esses entendimentos, a CGU e a AGU colocaram em consulta pública minuta de portaria interministerial que estabelece novas diretrizes para a negociação, celebração e acompanhamento de acordos de leniência. A proposta busca reforçar a segurança jurídica, definindo regras para o uso do “marker”, incentivos à autodenúncia, critérios objetivos para cálculo de multas e parâmetros para compensação de valores pagos em outros processos, inclusive no exterior.

Apesar da convergência no objetivo de fortalecer o instrumento da leniência, a proposta normativa da CGU é mais restritiva do que a prática chancelada pelo STF em alguns aspectos. A minuta condiciona prazos de pagamento mais longos a hipóteses excepcionais, como a recuperação judicial, enquanto na ADPF 1051 a repactuação foi admitida amplamente para preservar a viabilidade da empresa.

Também não há, na portaria, previsão expressa sobre o uso de créditos de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL como forma de quitação, instrumento aceito nos aditivos já homologados. No tema da compensação de valores, a portaria impõe condições e prazos que não aparecem nas negociações analisadas pelo Supremo.

Essa assimetria exige atenção das empresas, mas também precisa ser lida à luz das diferenças de contexto. As repactuações no âmbito da ADPF 1051 ocorreram em um cenário institucional específico, marcado por um estágio institucional menos amadurecido da CGU na condução de acordos de leniência e pela necessidade de preservar, ainda que com substancial desconto, parte das obrigações originalmente assumidas, evitando a completa anulação dos esforços de negociação realizados à época.

É um contexto particular, que dificilmente se repetirá nas tratativas futuras, que tendem a ocorrer em um ambiente mais estruturado, com regras transparentes e órgãos mais preparados para conduzir o processo.

Informações direto ao ponto sobre o que realmente importa: assine gratuitamente a JOTA Principal, a nova newsletter do JOTA

O julgamento final da ADPF, ainda pendente de manifestação da Procuradoria-Geral da República e agora com pedido de vista formulado pelo ministro Flávio Dino, poderá servir de referência para calibrar a aplicação das novas normas, mas não deve ser transposto mecanicamente.

Até lá, empresas que negociam ou buscam repactuar condições precisam acompanhar a consulta pública e participar ativamente do debate, contribuindo para que a disciplina normativa se harmonize com a jurisprudência em formação e para que os acordos de leniência mantenham seu papel de reparar danos, promover integridade e preservar a atividade econômica.

Generated by Feedzy