Durante muito tempo, os brasileiros pareceram bastante alinhados quando o tema era a proteção ambiental. De Norte a Sul, o apoio à preservação soava quase consensual, ao menos nas pesquisas. Mas esse cenário está mudando. Uma nova pesquisa nacional revela que, em meio à crescente polarização política, a pauta ambiental passou a dividir o eleitorado de forma significativa. E mais: quanto mais polarizada a pessoa, maior tende a ser sua intolerância diante das posições opostas nesse debate.
Esse achado não poderia ser mais relevante dado o contexto atual. Com o Brasil ocupando um papel estratégico nos fóruns globais sobre mudanças climáticas e enfrentando desafios ambientais urgentes, como os números crescentes de desmatamento da Amazônia, o desafio de conservação dos biomas e tragédias como as recentes enchentes no Rio Grande do Sul, compreender como o eleitorado percebe e reage ao tema é essencial tanto para quem formula políticas públicas quanto para quem decide o voto.
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Meio ambiente e política: a nova arena da disputa brasileira
Nos últimos anos, o meio ambiente deixou de ser um tema marginal para ocupar o centro do debate político no Brasil. Durante o governo Bolsonaro, ações que enfraqueceram órgãos de fiscalização, impulsionaram o desmatamento e estimularam o garimpo intensificaram os conflitos com ambientalistas e povos indígenas.
Em resposta, a campanha de Lula em 2022 colocou a agenda ambiental entre suas prioridades. Após eleito, o presidente criou o Ministério dos Povos Indígenas e nomeou Marina Silva para a pasta do Meio Ambiente, sinalizando uma mudança expressiva na condução dessa política.
No entanto, essa disputa institucional também refletiu na opinião pública. Será que o eleitorado incorporou esse embate? Os eleitores de Lula e Bolsonaro pensam de forma distinta sobre as questões ambientais? E, mais importante, essa divergência tornou-se fonte de intolerância entre os grupos políticos?
Para responder a essas perguntas, utilizamos a pesquisa nacional “Valores Ambientais e Atitudes sobre a Amazônia”, realizada em 2024, com 1.789 entrevistas realizadas em todos os estados, conduzida por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) participantes do INCT ReDem em parceria com as organizações filantrópicas Fundação Melliore e GSCC (Conselho Global de Comunicações Estratégicas).
Como o meio ambiente virou linha de divisão no eleitorado
Os resultados da pesquisa apontam um padrão claro: eleitores de Lula e Bolsonaro têm percepções distintas sobre questões centrais da agenda ambiental. Essa diferença não se restringe a grandes temas como desmatamento ou aquecimento global, ela se estende a políticas públicas específicas, como o uso de agrotóxicos, a ampliação de terras indígenas e quilombolas, a autorização do garimpo, o licenciamento ambiental e a privatização do saneamento.
Esses resultados indicam que as pautas ambientais assumiram o papel de marcadores identitários no cenário político brasileiro, assim como, por exemplo, temas ligados a costumes. A intensificação da politização dessas questões vai além de preferências abstratas: ela influencia diretamente opiniões concretas sobre políticas.
De forma ainda mais preocupante, observamos um efeito claro da polarização na intolerância política. Aqui, criamos uma medida em que dividimos os eleitores de Lula e Bolsonaro entre polarizados e não polarizados. Em nossa classificação, polarizados são aqueles que gostam de um dos candidatos e ao mesmo rejeitam o candidato adversário em notas que vão de 0 a 10.
Consideramos que, para ser um bolsonarista polarizado o eleitor tem que gostar do político em questão, atribuindo a ele nota acima de 8, ao mesmo tempo atribuir nota entre 0 a 2 para Lula. O mesmo vale para a medida do lulista polarizado.
Além disso, esses indivíduos precisariam declarar estar satisfeitos ou muito satisfeitos se sua filha se casasse com um eleitor de Bolsonaro, e insatisfeitos ou muito insatisfeitos caso se casasse com um eleitor de Lula, e vice-versa. Os indivíduos que atenderem a esses critérios foram classificados como polarizados afetivamente em relação a um dos dois políticos. Caso não, foram classificados como moderados.
A figura acima revela como a polarização política alimenta a intolerância no debate ambiental brasileiro, evidenciando padrões distintos entre eleitores de Lula e Bolsonaro. Eleitores lulistas polarizados demonstram maior hostilidade ao agronegócio, enquanto os bolsonaristas polarizados são significativamente mais intolerantes com ambientalistas.
Já os não polarizados, em ambos os grupos, apresentam atitudes mais moderadas, com níveis de intolerância sensivelmente menores. Esses dados sugerem que a radicalização política não apenas aprofunda divisões ideológicas, mas também contamina o campo ambiental, transformando o debate num ambiente de confronto entre grupos que deveriam, idealmente, buscar soluções conjuntas para desafios comuns.
Por que isso importa?
Esses resultados trazem implicações relevantes para a democracia brasileira. Primeiro, a politização do meio ambiente pode dificultar o avanço de políticas sustentáveis. Quando assuntos técnicos se transformam em bandeiras ideológicas, o diálogo entre grupos se torna mais complexo, e os consensos necessários para enfrentar desafios como a crise climática ficam cada vez mais distantes.
Além disso, a relação entre polarização afetiva e intolerância aponta para um risco adicional. Democracias dependem da convivência entre adversários. Quando o oponente se torna um inimigo e sua manifestação é rejeitada, abre-se espaço para a erosão dos pilares democráticos. A tolerância funciona como o cimento que mantém a democracia unida, e ela parece estar se desgastando.
Mas isso significa que a divergência de opiniões, por si só, é um problema? De maneira alguma. Ter perspectivas distintas sobre o meio ambiente é legítimo e até saudável. O que preocupa é quando essas diferenças se manifestam acompanhadas de ódio, preconceito e da desumanização do outro lado.
O que podemos fazer?
Antes de tudo, é preciso reconhecer que o meio ambiente se tornou uma nova divisão política no Brasil, e encarar essa realidade com responsabilidade. Políticos, comunicadores e formuladores de políticas devem evitar transformar essa pauta em um instrumento de conflito cultural. Em vez disso, deveriam buscar construir pontes entre os diferentes grupos, demonstrando que desenvolvimento e preservação podem caminhar juntos.
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Além disso, é essencial investir em educação cívica e ambiental, com ênfase na empatia e no diálogo. Enfrentar a intolerância demanda mais do que números e dados: requer a disposição para ouvir, reconhecer o outro e compreender que ninguém resolve a crise climática sozinho.
Antes de tudo, é preciso reconhecer que o meio ambiente se tornou uma nova divisão política no Brasil, e lidar com essa realidade de forma responsável. Políticos, comunicadores e formuladores de políticas devem evitar transformar esse tema em arma de conflito cultural. Em vez disso, deveriam buscar construir pontes entre os diversos grupos, mostrando que desenvolvimento e preservação podem coexistir.
Além disso, é fundamental investir em educação cívica e ambiental, priorizando a empatia e o diálogo. Combater a intolerância exige mais do que exposição de dados e informações: requer disposição para ouvir, reconhecer o outro e compreender que ninguém resolve a crise climática sozinho.