Com julgamento de Bolsonaro em curso, Lula comanda cúpula sobre conjuntura internacional

A reunião convocada pelo Brasil – que segue à frente da presidência temporária dos BRICS – contará com a presença dos líderes do bloco que tanto incomoda Donald Trump. É um movimento importante no xadrez geopolítico. A ideia, como disseram interlocutores ao JOTA, não é organizar um encontro anti-americano, muito menos anti-Ocidente, mas sim em prol do multilateralismo. Previsto para a semana de 8 de setembro, o encontro pode ser lido pela Casa Branca como novo “irritante” na relação pelo julgamento de Jair Bolsonaro.

Sua simbologia ganha peso pelo fato de acontecer dias depois do encontro da Organização para Cooperação de Xangai, comandada pelo chinês Xi Jinping, na cidade de Tianjin, da qual participaram duas letras importantes do acrônimo BRICS, Narendra Modi, da Índia, e Vladimir Putin, da Rússia

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Uma fotografia em especial traz mensagem importante para os formuladores de política externa mundo afora, aquela em que Xi e Modi aparecem juntos. Os dois declararam não serem rivais, mas parceiros pelo desenvolvimento. Este terá sido o maior recado desta reunião. Durante muito tempo os EUA, sob democratas e republicanos, trabalharam para levar a Índia para perto como fator de equilíbrio num cenário de ascensão do Império do Meio. Mas o tarifaço de 50% aplicado a Nova Deli colocou todos esses esforços por terra.

Em entrevista recente ao JOTA, o criador do conceito BRICS, Jim O’Neill, que nunca acreditou no grupo como relevante fórum político, admitiu que isso muda no momento em que as duas maiores economias do bloco trabalhem em conjunto. Dá imenso peso a iniciativas como as transações em moedas locais, por exemplo.

É neste contexto que o Brasil aproveita o momento em que ocupa a presidência do bloco. Até para não ficar para trás. A ideia é manter-se na liderança de um embate pelo multilateralismo, atacado por todos os lados pela imprevisível política externa de Donald Trump. Esta, por sua vez, tem sido responsável por uma mobilização que ainda não tinha sido vista nos anos recentes. “É quase um apelo à multipolaridade”, segundo afirmou uma fonte diplomática.

Não se trata apenas da agenda comercial. Estão em jogo, questões como os grandes conflitos que assolam o mundo e o combate à mudança do clima. A própria COP30 tem, dentro do Palácio do Planalto, como prioridade a defesa do multilateralismo. “É o tema de pano de fundo. Ninguém resolverá o problema do clima sozinho”, disse uma fonte.

Os gestos políticos não param aí. Nesta quarta-feira, a China dá nova demonstração de força do chamado Sul Global durante grande desfile militar que realiza como parte das comemorações do 80º aniversário da vitória da Guerra de Resistência do Povo Chinês contra a Agressão Japonesa e da Guerra Mundial Antifascista.

Os festejos terão a presença de representantes de 26 nações. Pelo Brasil, estará Celso Amorim, assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais. Entre os convidados estão ainda o presidente russo Vladimir Putin, o líder norte-coreano Kim Jong-un e o presidente cubano Miguel Díaz-Canel, assim como líderes de países como Irã e Indonésia, ambos membros plenos do BRICS.

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Tudo isso acontece às vésperas da Assembleia Geral da ONU, marcada para o dia 23 de setembro, onde Trump e Lula podem não ter encontro bilateral previsto, mas devem se cruzar, ainda que no corredor da entidade. Ambos falam na abertura da reunião. O discurso do presidente ainda não está fechado, mas terá forte mensagem pelo multilateralismo e pela necessidade de os países do globo atuarem juntos no combate à mudança do clima.

O mês de setembro tem tudo para gerar um conjunto de “irritantes” para Trump. É difícil prever quais seriam as suas reações contra o Brasil, país que não menciona diretamente há alguns dias. Mas o governo se prepara para nova escalada na crise política bilateral, sobretudo agora, durante o período do julgamento de Jair Bolsonaro, que acontece quase que concomitantemente com estes encontros internacionais.

Não por acaso o Executivo se prepara para acionar a Lei de Reciprocidade Econômica. Na semana passada, deu início ao processo de avaliação de medidas possíveis e avisou por meio da embaixada do Brasil em Washington à Casa Branca. 

Nesta quarta-feira (03/09) acontece a audiência pública do processo de investigação sob a seção 301 aberto pelos americanos contra o Brasil. Desta fase participam apenas os setores privados dos dois lados. Em seguida, acontecem as consultas entre governos. Este é outro processo que deverá se estender e criar obstáculos na relação até o final do governo Lula. É, contudo, o único canal oficial aberto de negociações entre os dois países neste momento. Um processo como esse costuma durar até 12 meses. Mas há vários casos em que se arrastaram por períodos muito mais longos, como o que os EUA abriram contra a carne europeia, que começou em 1999 só foi concluído em 2019.

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