O STF concluiu na última quarta-feira (27/8) o julgamento sobre a retirada de despesas pagas com receitas próprias do limite de gastos. A decisão, relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, não só ampliou o alcance da regra proposta pela corte, como também vedou o recálculo do teto pelo governo com base no novo entendimento.
Dessa forma, a medida abre mais espaço para gastos do próprio Judiciário daqui para frente, e partindo de uma base mais elevada. O padrão de responsabilidade fiscal, tomado em casos similares, seria, uma vez tomada a decisão de permitir gastos fora do teto, que o limite fosse recalculado, retroagindo ao início do atual marco fiscal, em 2023.
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O governo chegou a fazer isso nos últimos dois relatórios bimestrais. Considerando a interpretação mais generosa, incluindo como receitas próprias custas e emolumentos judiciais, entre outras, o recálculo do limite do Judiciário implicaria em uma redução de aproximadamente R$ 1,2 bilhão no teto para 2025. O STF não aceitou e mandou manter o limite em vigor, liberando o gasto financiado com receita própria.
Olhando todo o trilionário orçamento da União, é bem pouco. Mesmo para o Judiciário – cujo limite passaria para R$ 58,7 bilhões, dos R$ 59,9 bilhões definidos para esse ano – o impacto é relativamente pequeno.
O que importa, porém, é o precedente. As receitas da Justiça não estavam entre os itens listados como excepcionalizados do teto na lei que consolidou o novo arcabouço fiscal, a despeito do esforço hermenêutico da decisão da Suprema Corte.
Em um país que há muito tempo patina na busca de uma situação fiscal mais equilibrada, exemplos importam. Ao legislar em causa própria e adicionar nova exceção ao já combalido regime fiscal em vigor, o STF anima aqueles que querem buscar brechas para gastar mais, de resto algo que o próprio governo Lula já fez em algumas situações, vide Auxílio Gás e Pé-de-Meia, sendo forçado a recuos posteriormente.
Recentemente, noticiamos no JOTA que o TCU, órgão de controle da gestão fiscal, enveredou pela mesma trilha da criatividade e da interpretação auto benevolente, e se declarou uma Instituição de Ciência e Tecnologia (ICT). Foi a forma encontrada pela corte de contas, que o tempo todo tem cobrado do Executivo que se mantenha o mais ortodoxo nas interpretações, para driblar seu limite de gastos. Decisão, aliás, que gerou polêmica no próprio TCU, ainda que apenas nos bastidores.
Na vigência do teto de gastos anterior, mais restritivo ainda que o atual, foram dados vários dribles, tanto no governo Michel Temer, seu criador, como no de Jair Bolsonaro, que teve no calote dos precatórios seu episódio mais infame.
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A ideia de uma regra de gastos é diminuir o custo político da restrição fiscal. Olhando o copo meio cheio, elas têm ajudado a conter os arroubos mais gastadores, ainda que não tenham sido eficazes para conter a tendência de alta da dívida.
Porém, a história recente deixa claro que, com o passar do tempo, o sistema político vai dando seu jeito. E o Judiciário, que já tem sido um celeiro de privilégios para seus membros, naturalmente pagos com dinheiro público, novamente derrapou, optou pelo caminho fácil e se alinhou à vasta bancada do drible fiscal.