Após a emblemática decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na denominada Tese do Século (Tema 69), foi reconhecido o direito dos contribuintes a recuperar o indébito decorrente da inclusão do ICMS na base de cálculo das contribuições ao PIS e à Cofins. Conforme divulgado em Relatório Especial do Jota, o tema já custou à União R$346 bilhões[1].
Os contribuintes optantes pela compensação administrativa habilitaram os seus créditos perante a Receita Federal para compensá-los com tributos federais, nos termos da Instrução Normativa RFB 2.055/2021.Tal instrução prevê, em seu art. 106, que as declarações de compensação podem ser apresentadas em até cinco anos, contados da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do título judicial.
Conheça o JOTA PRO Tributos, plataforma de monitoramento tributário para empresas e escritórios com decisões e movimentações do Carf, STJ e STF
Como alguns contribuintes não apuram valores elevados de débitos de tributos federais, pode ocorrer de o valor apurado em cinco anos ser inferior aos créditos disponíveis. Caso não seja possível a utilização dos créditos nesse prazo, os contribuintes podem ser impedidos de transmitir as Declarações de Compensações (DCOMPs).
Tal conduta enfatiza o entendimento que a Receita Federal já exarava em alguns atos normativos[2], como é o caso do Parecer Normativo Cosit 11/14, em que o órgão fazendário se manifestou expressamente pela existência de prazo-limite de cinco anos contados do trânsito em julgado para que o credor conclua todas as suas compensações.
Por essa razão, muitos contribuintes levaram a questão ao judiciário, sendo que alguns lograram êxito, especialmente quando demonstraram que o atingimento dos cinco anos sem o esgotamento dos créditos não se deu pela sua inércia, mas sim em razão da inexistência de saldo devedor suficiente de tributos federais compensáveis.
O próprio Carf já havia reconhecido[3] que, iniciado o procedimento compensatório no prazo prescricional, mas inexistindo débito a ser extinto, ao contribuinte não pode ser estipulado prazo para utilizar o crédito, sob pena de lhe ser exigida conduta impossível.
Entretanto, mais recentemente, a discussão ganhou novos contornos, notadamente com a edição da Lei 14.873/2024 (resultado da conversão da MP 1.202/23) e Portaria Normativa MF 14/2024, que estabeleceram limites mensais para compensações aos contribuintes que apurarem e habilitarem crédito igual ou maior a R$ 10 milhões em decorrência de decisão judicial transitada em julgado.
A medida estabeleceu que os créditos sejam compensados no prazo mínimo de 12 meses, sendo esse prazo maior conforme o valor do crédito. Para os créditos superiores a R$ 500 milhões, o prazo mínimo estabelecido para compensação é de 60 meses.
Com a nova legislação, surge uma importante dúvida para os contribuintes que se viram, encurralados pela limitação mensal do valor de suas compensações e, ao mesmo tempo, impedidos de entregar as DCOMPs após transcorridos cinco anos do trânsito em julgado.
Em razão disso, a Receita Federal, por meio da Seção “Perguntas e Respostas” informou que, para os créditos com valor igual ou maior que R$ 10 milhões, as compensações poderão ser realizadas inclusive após cinco anos[4]. Entretanto, o posicionamento não encontra guarida nos instrumentos normativos que estabeleceram os limites mensais e destoa do entendimento do STJ.
A 1ª Turma do Tribunal Superior já possuía o entendimento de que todas as PER/DCOMPs precisam, necessariamente, ser transmitidas no prazo de cinco anos, a contar do trânsito em julgado.
Na 2ª Turma, observamos, recentemente, um importante overruling quando do julgamento do Resp 2178201/RJ. Até então, o colegiado entendia que os prazos contidos na legislação tributária seriam para pleitear o direito e não para realizar integralmente as compensações e, portanto, não seriam alcançados pela prescrição.
Contudo, o ministro relator, Francisco Falcão, propôs a mudança do entendimento, sendo acompanhado por unanimidade pelos demais ministros. A justificativa foi de que o posicionamento anterior “incentiva o contribuinte a retardar ao máximo o aproveitamento do indébito, corrigido pela Selic, cuja parcela não estará sujeita à tributação, além de privar a Fazenda Pública de qualquer previsibilidade a respeito do efetivo aproveitamento do crédito”.
Receba de graça todas as sextas-feiras um resumo da semana tributária no seu email
Diante desse cenário de crescente restrição ao aproveitamento de créditos tributários, e considerando que a Lei 14.873/2024 não foi objeto de exame pelo Superior Tribunal de Justiça, é de se esperar que a questão seja em breve reexaminada pela corte, sobretudo considerando a atual existência de previsão expressa de aproveitamento dos créditos após cinco anos.
Desse modo, entendemos que o acórdão proferido pela 2ª Turma não deve impedir o efetivo aproveitamento dos créditos. Por outro lado, os contribuintes têm buscado outras vias para escoamento de seu direito creditório, inclusive mediante repetição do indébito do saldo não utilizado nas compensações[5], o que implica a submissão do crédito remanescente à sistemática de precatórios federais.
[1] https://www.jota.info/tributos/relatorio-especial/tese-do-seculo-ja-custou-r-346-bilhoes-a-uniao
[2] Soluções de Consulta Cosit 382/2014 e 239/ 2019
[3] Acórdão 3302-006.585 – 3ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, sessão de 26/03/19
[4] https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2024/janeiro/receita-federal-divulga-perguntas-e-respostas-sobre-os-limites-para-utilizacao-de-creditos-decorrentes-de-decisao-judicial-transitada-em-julgado
[5] Apelação Cível 5003344-93.2020.4.03.6106, 3ª Turma, TRF3, julgada em 10/08/2021