O Brasil tem autoridade moral para levantar a bandeira do 1,5ºC, diz Marina Grossi

Marina Grossi é uma das principais vozes sobre sustentabilidade no setor empresarial do Brasil. Economista de formação, ela preside o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) desde 2010, período em que a entidade teve destaque em discussões como a precificação de carbono, o pagamento por serviços ambientais e a elaboração do Marco Legal do Saneamento, sancionado em 2020.

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Entre 1992 e 2001, Marina atuou como negociadora do Brasil nas conferências do clima da ONU. O reconhecimento por sua liderança no setor privado a levou a ser nomeada enviada especial da COP30 para o setor empresarial. Hoje, ela conduz uma intensa agenda de mobilização pela ação climática às vésperas da conferência que será realizada em Belém.

A seguir, leia a entrevista exclusiva com Marina Grossi sobre as perspectivas para a COP30, a implementação do Acordo de Paris e os desafios da sustentabilidade em um mundo marcado por guerras e tensões diplomáticos.

Confira a entrevista completa com Marina Grossi, presidente do CEBDS

Qual é a sua avaliação sobre o envolvimento do setor privado neste momento pré-COP30. Há uma percepção de desânimo, especialmente devido às dificuldades de infraestrutura para trabalhar com ações concretas em Belém?

Como enviada especial do setor privado, faço viagens para diferentes países e tenho o papel de conectar as pontas do que já está acontecendo, como os mercados emergentes e os processos de blended finance. A COP se torna uma grande oportunidade para mostrar modelos de sucesso. Não vejo o mundo desanimado. Pesquisas recentes, como a do World Business lançada na London Climate Week, indicam que CEOs não pararam seus investimentos em mitigação. Isso mostra que não é mais a fase de fazer discurso, o mundo exige ações concretas.

Com relação à meta de limitar o aquecimento médio do planeta a 1,5°C, com tantos cientistas falando que ela talvez não seja mais uma realidade, como você vê o papel do Brasil?

Depois de três COPs em países de petróleo e gás (Egito, Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão), se há um lugar onde a questão de 1,5°C e o clima são mandatórios, esse lugar é o Brasil. O problema persiste, independentemente de mudanças políticas ou de outras questões, e precisa ser enfrentado. Acreditamos que, em algum momento, esse movimento cíclico terá que vir com mais força, pois as consequências das mudanças climáticas só vão piorar.

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Qual é a vantagem do Brasil para sediar e liderar essa discussão sobre a meta de 1,5°C?

O Brasil não tem guerras como outras partes do mundo, e nossa matriz energética é muito limpa. Se a meta de 1,5°C dependesse apenas do Brasil, poderíamos cumpri-la. Claro, representamos apenas 5% das emissões globais, então não depende só de nós. Mas temos autoridade moral para levantar essa bandeira.

É importante que o Brasil, o Sul Global e os novos temas deste ciclo de compromissos de redução de emissões demonstrem ambição. A meta de 1,5°C é ousada e, apesar dos avanços obtidos com o Acordo de Paris, ainda estamos aquém do necessário.

Como o cenário global atual, com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e as guerras, afeta essa ambição?

O Acordo de Paris foi um marco importante, nivelando as expectativas e impulsionando o mundo a agir. Houve um grande ganho, mas continuamos nos distanciando das nossas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas, na sigla em inglês) em termos de ambição de redução de emissões.

Agora vamos para a segunda revisão das NDCs sem o maior emissor global, os Estados Unidos, estar totalmente engajado, e com guerras que colocam outras prioridades à frente.

É crucial entender que a questão climática não é ideologia, é um problema real com oportunidades no mundo dos negócios. Nos Estados Unidos, por exemplo, apesar das mudanças regulatórias do [presidente Donald] Trump, muitos estados estão comprometidos com a agenda climática, representando um PIB maior que o de muitos países. Estamos de olho nesse movimento.

Esse cenário de guerras e transformações globais afeta diretamente a segurança energética. Como o Brasil se posiciona nesse contexto?

A necessidade de energia vai duplicar com data centers e outras demandas, e não conseguimos responder só com renováveis. Por isso, o carvão e outras fontes acabam entrando na conta, o que tem sido chamado de adição energética. É mais vital ser suprido com qualquer energia do que ficar sem ela. A segurança energética e a resiliência entraram no cálculo.

No entanto, a inovação e a trajetória de redução de emissões ainda apontam para a transição energética, impulsionadas por uma lógica econômica. O momento que estamos vivendo às vezes nos confunde um pouco com relação ao rumo que temos que tomar diante do grande desafio da mudança climática, porque há outros problemas graves no meio.

A questão da sustentabilidade tem que responder com competitividade, as energias renováveis têm que ser mais baratas. No Brasil, temos um excedente de energia limpa, enquanto o mundo tem falta de energia, o que é um diferencial para nós.

Então, temos uma oportunidade com esse excedente de energia limpa?

Sim, o Brasil precisa aproveitar essa oportunidade. Podemos dizer: “temos energia limpa e barata para vocês virem para cá”. Isso cria uma razão lógica de negócios para construir novas usinas renováveis. Com um mercado regulado de carbono global que eventualmente se concretizará pelo Artigo 6 do Acordo de Paris, o Brasil pode se tornar mais competitivo. Este é o mundo da granularidade, da ação concreta, não mais apenas do discurso. Por isso, chamamos esta COP de COP da implementação.

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De que forma a pressão internacional fez com que o mercado brasileiro se adaptasse às demandas de sustentabilidade?

A pressão internacional acelerou a adaptação do mercado brasileiro à agenda de sustentabilidade, mas é importante destacar que o país parte de uma posição diferenciada. Temos uma matriz elétrica majoritariamente renovável, biocombustíveis consolidados e um petróleo de menor intensidade de carbono, como o do pré-sal.

O setor empresarial está engajado, mas a transição só será viável com um ambiente regulatório robusto. Um marco importante foi a criação do mercado regulado de carbono no Brasil, que sinaliza o potencial da colaboração entre empresas, governo e sociedade para transformar a nossa economia e consolidar o papel do país como protagonista global em soluções climáticas.

Qual é o papel do setor privado no impulsionamento da adaptação climática, uma das prioridades da COP30?

O setor privado tem um papel decisivo nesse processo, porque é onde muitas das soluções podem ser implementadas de forma rápida, inovadora e em escala. Adaptar-se às mudanças climáticas significa proteger vidas, mas também proteger empregos, cadeias produtivas e economias locais. O Brasil está elaborando o seu Plano Nacional de Adaptação, e as empresas podem e devem contribuir com dados, tecnologias e investimentos que fortaleçam a resiliência em setores estratégicos como energia, agricultura, transporte e infraestrutura.

No CEBDS, temos insistido que adaptação não é apenas um imperativo social, mas também uma questão de competitividade. Garantir resiliência significa proteger os trabalhadores, manter a produtividade e reduzir riscos de toda a economia. Acompanho o setor globalmente e tenho convicção do quanto podemos ajudar, ao lado de governos e da sociedade, a transformar a adaptação em um vetor de desenvolvimento inclusivo e sustentável.

Qual é o legado da COP30 para as empresas?

A criação de condições concretas para o avanço da agenda de sustentabilidade, permitindo que o setor privado brasileiro continue a gerar empregos e renda. Estamos falando de uma transição para a economia de baixo carbono que só será possível com estabilidade regulatória, instrumentos financeiros acessíveis e uma atuação coordenada entre governos, empresas e sociedade.

As empresas brasileiras já vêm assumindo metas de descarbonização e integrando métricas de sustentabilidade em sua estratégia de negócio, mas ainda enfrentam desafios importantes, como o acesso a financiamento em escala e a previsibilidade de regras.

É nesse contexto que a COP30 se torna histórica: ela representa a chance de fortalecer um ecossistema que apoie uma transição justa e inclusiva, que proteja as pessoas, os empregos e a Amazônia, e que posicione o Brasil como protagonista global de soluções climáticas. O setor empresarial brasileiro está mobilizado para que esse legado vá além do discurso e se traduza na implementação capaz de impactar a natureza, o clima e o país na próxima década.

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